Mudryk, o fã de Cristiano Ronaldo que agitou o mercado e é bandeira da Ucrânia

16 jan 2023, 23:57
Mudryk (AP Photo/David Cliff)

O percurso do jogador que foi lançado por Paulo Fonseca, cresceu com De Zerbi e que «mudou com a guerra», antes de piscar o olho ao Arsenal e acabar a protagonizar mais um negócio milionário do Chelsea

Tem 22 anos, custou ao Chelsea 70 milhões de euros que podem vir a ser 100 e assinou por oito anos e meio, portanto até 2031. Mykhaylo Mudryk só precisou de 44 jogos pelo Shakhtar Donetsk e uma primeira metade de temporada de grande impacto na Liga dos Campeões para se tornar a mais significativa transferência do mercado de inverno até agora e de caminho levar o Chelsea a bater todos os recordes de investimento nesta temporada, isto depois de uma longa novela a envolver o Arsenal. O avançado que se inspira em Cristiano Ronaldo e assume como meta vencer a Bola de Ouro tornou-se referência do Shakhtar no meio da convulsão provocada pela guerra na Ucrânia. Que esteve presente, como pano de fundo, na sua chegada a Stamford Bridge.

Lançado por Paulo Fonseca e a crescer com De Zerbi

O potencial de Mudryk estava lá há muito tempo. Paulo Fonseca já falava dele quando o lançou na equipa principal do Shakhtar para um jogo de Taça com o Olimpik Donetsk, em outubro de 2018. Mudryk tinha 17 anos e antes de integrar a formação do Shakhtar começou por jogar no Metalist Kharkiv, na região onde nasceu, passando depois pelo Dnipro Dnipropetrovsk. Integrou o estágio de inverno do Shakhtar na época 2018/19 e no final o treinador português falou sobre a sua qualidade, mas também sobre as suas limitações. «Acredito sinceramente que Mudryk tem muito talento, mas ainda precisa de aprender muitas coisas, e o mais importante é que ele próprio tem de perceber isso», disse Fonseca: «Ele ainda não sabe tudo. E se o Mikhaylo quer realmente ser um jogador de topo, tem de mudar um pouco o seu comportamento.»

 

Na segunda metade da época, Mudryk foi cedido ao Arsenal de Kiev. Depois chegou Luís Castro e, de volta ao Shakhtar, o jovem jogador começou por prosseguir o percurso na equipa de juniores, merecendo no final da temporada 2019/20 algumas oportunidades na equipa principal. Na temporada seguinte saiu para novo empréstimo, agora no Desna. Voltaria na reta final da época, para mais três partidas sob o comando do treinador português.

Mudryk começou a jogar com mais regularidade com a chegada de Robert De Zerbi, mas estava ainda em processo de crescimento. O treinador italiano que sucedeu a Luís Castro na primavera de 2021 destacou desde cedo as qualidades do jovem extremo, ainda que mantendo algumas reservas quanto à atitude do jovem jogador. «Acredito muito no Mudryk. No entanto, ele tem de perceber que lhe estou a dar oportunidades e ele tem de responder com um bom jogo e tornar-se um homem com H grande», afirmou De Zerbi. Mas o italiano assumiu o desenvolvimento do jovem avançado como um objetivo: «O Mykhaylo Mudryk é um dos melhores jovens. Se não o conseguir levá-lo a um nível elevado, considero-o uma derrota pessoal.»

O agora treinador do Brighton foi decisivo no desenvolvimento de Mudryk, diz Darijo Srna. O diretor de futebol do Shakhtar, citado pela SkySports, recorda um telefonema de De Zerbi ao jogador, pouco depois de chegar ao clube: «Ele disse-lhe: ‘Vais tornar-te jogador comigo, ou não vais tornar-te jogador.’ Desde esse dia, o Mudryk mudou completamente.»

Mudryk apresentou-se à Europa logo em agosto de 2021, quando saiu do banco na decisiva eliminatória com o Mónaco que levou o Shakhtar à fase de grupos da Liga dos Campeões, ficando ligado ao golo decisivo, num passe que Rúben Aguilar, o capitão do Mónaco, transformou num autogolo. Mas foi no Santiago Bernabéu que assinou uma primeira grande exibição, numa derrota por 2-1 frente ao Real Madrid que mereceu aplausos do público do Bernabéu quando deixou o relvado, aos 71 minutos.

Esse foi o único jogo que fez a titular nessa campanha da Champions, em que o Shakhtar terminou no último lugar do grupo. Fez 19 partidas, ora jogando de início ora saindo do banco. Mas essa temporada terminou em dezembro. Dois meses depois, a invasão da Ucrânia pela Rússia deixou tudo o resto para segundo plano e pôs um fim abrupto à temporada no futebol, quando o Shakhtar liderava a Liga ucraniana.

«A guerra mudou-o»

Depois do choque inicial, os clubes ucranianos procuraram retomar alguma normalidade, primeiro com jogos de solidariedade, e depois reatando as competições. Como tantos jogadores ucranianos, Mudryk disse que essa era a forma que tinham de ajudar o país. «Temos de nos adaptar, porque não temos alternativa. Temos de jogar porque é o nosso trabalho, mas pensamos todos os dias nos soldados e no povo ucraniano», disse em setembro em entrevista ao Times: «Acho que o futebol é mais do que um jogo nesta altura para os ucranianos. Nesta situação temos muitos momentos tristes, e o futebol é uma das coisas que fazem os ucranianos sorrir.»

Muito mudou na Ucrânia e no Shakhtar, de onde sairam a maioria dos jogadores estrangeiros. O que acabaria por abrir caminho ao crescimento de Mudryk. «A guerra mudou-o», disse Igor Jovicevic, o treinador croata que sucedeu a De Zerbi, em declarações ao El Mundo. «Antes ele participava nos últimos minutos dos jogos e era um jogador de rotação, mas agora joga sempre, é o nosso líder e deu o passo em frente que a situação pedia.»

Já com o número 10 nas costas, que antes era de Júnior Moraes, foi nesta edição da Liga dos Campeões que Mudryk expressou todo o seu potencial. Logo na primeira jornada, assinou uma exibição memorável na goleada ao RB Leipzig, coroada por um golo e duas assistências. Somou minutos e grandes momentos, marcou ainda nos dois jogos com o Celtic e terminou a fase de grupos, onde o Shakhtar foi terceiro e segue para a Liga Europa, com três golos e duas assistências. E mais dados para alimentar a expectativa e as estatísticas. Foi, por exemplo, o jogador mais rápido da fase de grupos da Champions.

O fã de Cristiano Ronaldo que faz horas-extra no ginásio

Mudryk destaca-se pela velocidade, mas também pela potência, aliada à mobilidade na frente. Ele prefere jogar a partir das alas, como disse ao Times: «É mais confortável para mim jogar junto à linha, onde posso mostrar todo o meu potencial no um para um. Tenho mais espaço para subir e posso criar mais oportunidades quando parto da linha. No meio há mais gente. Mas também estou bem no meio.»

Nessa entrevista também revelou que tem Cristiano Ronaldo como referência. «A minha inspiração é o Cristiano Ronaldo, pelo que podemos fazer se trabalharmos muito e acreditarmos em nós próprios», disse.

Ele trabalha muito. Mudryk faz treino extra com um preparador físico, incluindo trabalho de força, mas também de velocidade. Numa entrevista a um youtuber ucraniano, definiu como objetivo atingir os 40km/h em sprint. O registo máximo que atingiu na Liga dos Campeões foi 36.6 km/h.

Na Liga ucraniana, Mudryk apontou sete golos e fez seis assistências em 12 jogos na primeira metade da atual temporada. De caminho, chegou à seleção principal, ele que já tinha passado por vários escalões das seleções jovens. Estreou-se em junho, saindo do banco nos jogos do play-off para o Mundial com Gales e Escócia. A partir daí foi opção regular para Oleksandr Petrakov na campanha da Liga das Nações. Soma nesta altura oito internacionalizações e é uma das grandes esperanças de futuro também para a seleção, a motivar comparações com Shevchenko, a maior referência do futebol ucraniano. 

«Tem potencial para ganhar a Bola de Ouro»

Já era um dos nomes recorrentes no mercado há vários meses. E começava a revelar alguma impaciência. Em novembro, o jornal SportArena citava Mudryk a dizer-se «chocado» por o Shakhtar ter fixado em 100 milhões de euros o valor da sua transferência: «Estou convicto de que é muito improvável que comprem um jogador da Liga ucraniana por 100 milhões.»

Nas últimas semanas, o Arsenal estava aparentemente na frente da corrida, um interesse correspondido. Em setembro, Mudryk dizia à CBS que o seu sonho era a Premier League, que gostava da forma de jogar do Arsenal e que «seria difícil dizer não» aos Gunners, ainda que não dependesse dele. E há dias publicou nas redes sociais uma história em que até aparecia com a camisola do Arsenal.

Era sobre o Arsenal que se falava em finais de dezembro, quando questionaram De Zerbi sobre o valor de Mudryk, antes do encontro entre o Brighton e os Gunners. O treinador italiano evitou alongar-se em comentários, mas depois deu uma resposta curta. E que resposta. «O Mudryk é um jogador fantástico, mas o Brighton não pode comprá-lo. Gosto dele, porque gosto de todos os meus ex-jogadores», começou por dizer, antes de atirar: «Mudryk pode vencer a Bola de Ouro no futuro. Conheço o valor do Mudryk. Tem potencial para vencer a Bola de Ouro.»

Ora cá está uma manchete. E uma meta que foi traçada pelo próprio jogador, em várias ocasiões. «Ninguém esperava que eu fosse eleito jogador do ano do Shakhtar em 2021 e ninguém espera que eu ganhe a Bola de Ouro, mas um dia pode acontecer. É um dos meus objetivos pessoais», voltou a dizer há poucos dias, quando recebeu o troféu de melhor jogador do clube em 2022, atribuído pelos adeptos, na véspera de partir para Londres.

O destino não foi o Emirates, mas sim Stamford Bridge. Já depois de uma publicação a pedir «amor» para Mudryk, a que não será alheio o piscar de olhos do jogador ao Arsenal, o Chelsea anunciou a contratação no decorrer do jogo com o Crystal Palace.  Ao intervalo, o jogador subiu ao relvado. No estádio que foi durante muito tempo a casa do russo Roman Abramovich e que tem agora donos norte-americanos, a apresentação de Mudryk embrulhado numa enorme bandeira da Ucrânia não foi seguramente um pormenor ao acaso.

Nesta segunda-feira, o presidente do Shakhtar, o oligarca ucraniano Rinat Akmetov, fez ainda uma associação mais direta entre a transferência da estrela do clube e a situação na Ucrânia, quando anunciou que iria doar cerca de 25 milhões de euros para um fundo de apoio aos militares, às suas famílias e aos defensores de Mariupol e da Azovstal, a fábrica de que é proprietário e que foi refúgio e símbolo da resistência ucraniana.

 

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