Estadia grátis, oferta de bebidas. Os pedidos estranhos dos influenciadores aos hotéis, num "trabalho mesmo, mesmo cansativo"

CNN , Melissa Mahtani
26 jun 2022, 19:00
Influencers

Adoramo-los ou detestamo-los, mas à medida que o mundo das viagens abre as fronteiras, os influenciadores voltam ao ativo.

É uma boa notícia para alguns hotéis como o Langham, na Fifth Avenue em Nova Iorque.

"Noventa por cento das pessoas com quem trabalhamos são incríveis, são muito diligentes, este é o seu negócio e fazem-no bem", afirma Louise O'Brien, diretora regional de relações públicas para as Américas do Langham Hospitality Group.

"Eles sabem como rentabilizar a sua habilidade, que é a fotografia e a criação de conteúdos", diz ela, acrescentando que, muitas vezes, "trazem um olhar atento ao nosso hotel e mostram-nos algo que não tínhamos ainda pensado fazer, divulgando o nosso hotel sob uma perspetiva realmente interessante."

O'Brien diz que a pandemia de Covid-19 levou o hotel a ser mais pró-ativo do que reativo na procura de influenciadores que conhecem na indústria para criarem conteúdos relacionados com a sua estada, e diz que a abordagem dedicada veio para ficar.

 

Mas nem todos os hotéis partilham o entusiasmo de O'Brien.

"Chamo-lhes influenzas", diz Gail Behr, proprietária do hotel Dorp na Cidade do Cabo. Ela diz que é contactada cinco a seis vezes por semana por pessoas que são a antítese do que o hotel representa.

"Pousar para fotografias num quarto de hotel com muito pouca roupa vestida não nos ajuda em nada, não é a clientela que procuramos", explica.

Uma rápida visita ao website do hotel é suficiente para perceber porquê. Revelando interiores cuidadosamente curados, com espaços confortáveis e convidativos, descrevendo-se mesmo como um espaço um pouco curioso e antiquado.

"Tudo online é excessivamente promissor, apresentado como sendo glamoroso ou maravilhoso", afirmou Behr, contrastando isso com a forma como passa os seus dias procurando captar alguma da verdadeira magia que ocorre no seu hotel, como encontrar os membros do staff cantando espontaneamente os parabéns a alguém ou descobrir camaleões a brincar no jardim.

"Se alguém me escrevesse e dissesse ‘Tenho excesso de peso, não vou parecer glamoroso no seu hotel, uso roupa preta porque me sinto mais confortável nela, sou meio careca, mas sou muito engraçado e estou obcecado pelo Dorp e adoraria ficar hospedado aí', eu diria que sim, para vir - alguém com sentido de humor que fosse real e genuíno", acrescenta ela, lamentando o facto de até a palavra "autenticidade" se ter tornado numa falsa palavra que está na moda.

Richard Hanlon, proprietário do majestoso Bujera Fort em Udaipur, na Índia, partilha uma visão semelhante.

"O problema com os influenciadores é que não existe controlo de qualidade", diz ele, deixando a sugestão de que "alguém precisa de criar um TripAdvisor que os classifique."

Conta como recebe regularmente pedidos estranhos - exigindo cinco quartos para três noites com transferências gratuitas do aeroporto e álcool gratuito - e diz que estas pessoas nem sequer são o tipo de clientela a que o hotel se destina.

"A maioria das pessoas que nos contactam são raparigas de 18 anos de idade, claramente no seu ano sabático, a tentarem arranjar uma borla", diz ele. "Quando as procuramos no Instagram, torna-se evidente que compraram os seus seguidores e que a sua publicidade é paga.”

'Não façam isto pelas estadas gratuitas'

No entanto, tanto Hanlon como Behr são rápidos a esclarecer que apreciam e estarão sempre dispostos a que jornalistas ou pessoas que escrevam publicações profissionais genuínas fiquem lá hospedados e afirmam que têm tido muito sucesso com esse tipo de parcerias.

Hanlon dá como exemplo um artigo recente na revista House & Garden, explicando que, não só os jornalistas eram "absolutamente profissionais", como fizeram com que o hotel começasse a receber reservas apenas poucas horas após a publicação da revista.

"Essas publicações não estão à procura de estadas gratuitas, na verdade alguma da publicidade mais útil que temos tido é de clientes que pagam a sua reserva e que só descobrimos serem 'influenciadores' a meio da sua estada", diz ele.

A influenciadora de longa data Jessica Wright -- mais conhecida no Instagram como @bontraveler -- concorda.

"A primeira coisa que digo às pessoas que querem ser influenciadoras é que não façam isto pelas estadas gratuitas -- se estão nisto pelas estadas gratuitas, não estão a valorizar os sítios."

Wright, que começou em 2014, diz que estes dão má fama aos verdadeiros influenciadores e afirma que as pessoas subestimam o valor que pessoas como ela podem proporcionar.

"Quando estamos numa propriedade, estamos a fotografar do nascer ao pôr-do-sol sem parar. Encaro esta tarefa como sendo o meu trabalho, o de capturar um destino, inspirar nas redes sociais e informar no website e blog", afirma, comparando este processo a uma jornada de vendas diversificada para guiar as pessoas através das diferentes plataformas que visitam antes de reservarem a sua própria viagem.

Refere como exemplo um TikTok que realizou em setembro de 2020 para o hotel Geneseo Inn em Paso Robles. O vídeo tornou-se viral, acumulando 1,7 milhões de visualizações, 190,6k gostos, e 1.107 comentários.

Wright diz que o telefone do hotel esteve a tocar durante semanas, proporcionando um claro retorno do seu investimento nela.

A parceria com os influenciadores das redes sociais não é novidade para as marcas. O grupo Marriott foi um dos primeiros a abraçar a ideia em 2015, quando assinaram um acordo exclusivo com Jackson Harries da JacksGap, um canal do YouTube com mais de quatro milhões de assinantes, que viu Jack criar vídeos curtos centrados nos destinos Marriott.

Após esse sucesso, a marca evoluiu nos anos seguintes com outros influenciadores na sua plataforma Snapchat e até lançou um concurso TikTok no início deste ano para encontrar três pessoas para completar uma digressão "30 Stays, 300 Days" (30 Estadas, 300 Dias) pelas suas propriedades internacionais. Outras cadeias de hotéis, como o hotel Ace, recebem tantos pedidos de influenciadores que simplificaram o processo com formulários online específicos de "pedido de estada para influenciadores de redes sociais."

Uma indústria em expansão

Mas à medida que as viagens retornam pós-pandemia, a investigação do núcleo de marketing dos influenciadores mostra que estes tipos de parcerias representam um grande negócio que está prestes a tornar-se ainda maior. Preveem que a indústria está em vias de crescer para aproximadamente 16,4 mil milhões de dólares só este ano, com mais de 75% dos comerciantes de marcas a dedicarem um orçamento específico a serviços relacionados com influenciadores.

Isto criou um espaço no mercado para ajudar um tipo diferente de negócio a prosperar - empresas de consultoria como a Sidewalker Daily ou Travel Mindset que se espalham pelo mundo, tanto dos influenciadores, como da indústria da marca/marketing.

Nina Zadeh, cofundadora do Sidewalker Daily, afirma que existe um grande fosso entre a perceção do que se pensa que os influenciadores - ou criadores de conteúdos, como eles preferem ser designados - fazem, e a realidade.

"As pessoas tendem a pensar nos influenciadores como pessoas que se sentam à beira da piscina e se limitam a passar o dia todo no Four Seasons, mas o trabalho do influenciador de viagens é mesmo, mesmo cansativo", diz ela.

 

Ela fala-nos do trabalho árduo necessário nas filmagens da madrugada "para conseguir o perfeito nascer do sol na montanha onde se pode simplesmente ver o vulcão ao fundo" e as longas viagens de imprensa onde os criadores precisam de estar constantemente presentes.

"Estão lá em trabalho, estão lá para criar um certo número de produtos para o seu cliente", acrescenta.

Zadeh afirma que, tradicionalmente, a indústria estava habituada a maiores barreiras para se instalar no mercado, em que os hotéis tinham de contratar um fotógrafo para uma sessão fotográfica para fazer uma produção completa com custos elevadíssimos "tendo de escolher alguém que nos parecesse talentoso e esperar que funcionasse."

E explica que, hoje em dia, as marcas podem usar esse orçamento de produção completo e trabalhar com diferentes criadores no espaço fotográfico ou de vídeo. Criadores de conteúdo que podem tirar a fotografia subaquática perfeita ou fazer um vídeo específico com um drone que capta a propriedade em todo o seu esplendor.

"Esta é uma produção de alto nível a uma taxa muito competitiva, em relação ao que se estava a pagar por estas grandes sessões fotográficas uma vez por ano. E, na verdade, estes influenciadores têm audiências às quais estas marcas de viagens desejam chegar, e têm confiança na sua comunidade."

Jade Broadus, vice-presidente da Travel Mindset, diz que as estatísticas o provam.

"As publicações nas redes sociais dos nossos influenciadores têm um tempo na plataforma de cerca de 3 minutos ou mais, em comparação com menos de :53 segundos em alguns websites de viagens, e quase sempre, as publicações recebem significativamente mais envolvimento da comunidade do que a publicação tradicional - que é muito mais cara."

"Muitas vezes as marcas pensam que os influenciadores só criam publicações no Instagram, e pode ir muito além disso", acrescenta. "Há tantos conteúdos diferentes que os influenciadores podem criar para mostrar as propriedades da melhor maneira. Se publicar um anúncio de uma página, será de cerca de 50.000 dólares. E é apenas aquela única imagem.

"Mas com os influenciadores, se eles estiverem lá duas noites ou o que quer que seja, podem mostrar a sua propriedade de diferentes maneiras."

Broadus afirma que a sua firma usa um software privativo para encontrar e vetar o tipo certo de influenciador para o trabalho.

Como é que a pandemia mudou a indústria?

Embora tanto os influenciadores como os hotéis concordem que a relação entre ambos tem de ser mutuamente benéfica, isso não significa que o futuro desta indústria seja assim tão simples. A pandemia pode não ter prejudicado esta área, mas deu-lhes menos espaço de manobra.

"Há um ano, vender viagens era como vender neve a uma avalanche", conta Scott Keyes, fundador da Scott's Cheap Flights.

"Em vez de trabalhar com um influenciador para tirar uma fotografia numa praia, descobrimos que a forma como podíamos ser úteis era educando as pessoas sobre quais eram os seus direitos enquanto viajantes", explicou ele.

Começaram a utilizar a sua plataforma para informar as pessoas sobre os seus direitos em termos de reembolso de viagens feitas ou caso tivessem uma viagem reservada e tivessem contraído Covid-19.

 

Keyes referiu que, no verão de 2020, também começaram a trabalhar com escritores que promoviam destinos fora de moda para onde as pessoas poderiam viajar quando as fronteiras abrissem, para criar excitação e inspirar futuras viagens. Tiveram um enorme sucesso com esses esforços e planeiam continuar.

A pandemia proporcionou também oportunidades alternativas para os influenciadores mais atentos. Com o encerramento das fronteiras em 2020, a influenciadora Jen Ruiz - conhecida na Instagram como @jenonajetplane - teve de trocar as suas viagens bimensais por diferentes fontes de rendimento.

Passou do blogue à escrita de um livro físico e começou a perseguir um verdadeiro negócio editorial. "Consegui um acordo de cinco dígitos e estou a começar o meu livro de memórias", diz ela.

Ruiz afirma que agora que as viagens regressaram, os negócios estão de novo em alta. Só que agora, ela tem de recusar certas viagens à medida que faz malabarismos entre os seus pedidos de viagens e as suas obrigações no negócio dos livros.

‘Agora já não é preciso muito para convencer as pessoas a viajar’

Num dos locais favoritos dos influenciadores, em Bali, Thomas Talucci, proprietário do retiro de bem-estar Desa Seni, afirma que, apesar de ter sido bombardeado com pedidos, a pandemia tornou-o, na verdade, mais relutante em explorar este tipo de parcerias.

"Na minha visão e filosofia aqui, após a pandemia, continuando a apoiar todo o bom trabalho que fazemos, tendo perdido dinheiro durante dois anos e estar finalmente a reabrir, acho um pouco irresponsável que essas pessoas estejam a pedir estadas gratuitas. Com o turismo a zero por cento, qualquer pessoa que tivesse os seus objetivos alinhados deveria querer apoiar aqueles que estão a retribuir e a apoiar a comunidade local, principalmente depois de terem sobrevivido a este período de tempo", diz ele, acrescentando que "está "cansado de olhar para imagens manipuladas de pessoas em poses sexy e com filtros."

No entanto, Zadeh e a sua empresa de consultoria têm uma visão mais otimista a estas novas adaptações à situação atual. Ela aconselha os seus clientes a terem uma mente aberta, sugerindo que se um hotel não pagar a sua estada, que a paguem eles, mas que peçam então uma parceria a uma marca.

"Há diferentes maneiras de os criadores rentabilizarem estas viagens", revela, explicando que um influenciador pode vender em exclusivo ao hotel ou podem lançar ideias a outros mercados.

"Eles podem ir à Sephora e fazer um pitch 'ei vou estar em Turks e Caicos, quero mostrar a vossa nova linha de verão do blush desta marca', e assim tentam convencer outros mercados para que lhes ofereçam essas estadias."

 

"Só é preciso fazer a ligação", insiste Zadeh, contando a história de um influenciador de produtos beleza que fez uma estada num hotel funcionar, encontrando um ângulo que fosse mutuamente benéfico. "A economia dos criadores de conteúdos está a evoluir a grande velocidade, é para lá que o mundo caminha em termos de comércio social e onde as pessoas estão realmente a comprar."

Broadus concorda que a indústria dos criadores de conteúdos está a crescer cada vez mais.

"Acabei de saber que o TikTok anunciou que vão começar a partilhar parcerias de marcas com os criadores", diz ela. "Portanto, se for um criador de TikTok conhecido e, sobretudo, se costuma fazer vídeos mais longos, agora o potencial não é apenas das suas próprias parcerias com marcas, mas sim das pessoas que estão a pagar diretamente ao TikTok."

Keyes parece traduzir melhor estes tempos que vivemos, dizendo: "Parece que agora já não é preciso muito para convencer as pessoas a viajar - todos os canais de marketing estão a ir de vento em popa."

Portanto, qualquer que seja o domínio da indústria de viagens em que se encontre, parece que, neste momento, o mundo pode estar realmente a seus pés.

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