Desaceleração da inflação parece estar para durar. Mas ainda não caminhamos sobre terreno seguro: "Não há remédios sem dor"

5 out, 22:00
Banco Central Europeu, em Frankfurt (AP Photo/Michael Probst)

A inflação teve um pico no final de 2022 e chegou a atingir uma taxa de 10,6%. Agora já se encontra abaixo dos 2%. Um abrandamento que muito se deveu, explicam os economistas, à subida das taxas de juro — que até podem vir a baixar, mas não muito. Evitou-se uma recessão nos países da moeda única, mas continuamos com demasiadas incertezas devido ao conflito no Médio Oriente e o nosso crescimento económico é insuficiente

A taxa de inflação na zona euro recuou para 1,8% em setembro, ficando abaixo da meta de 2% definida pelo Banco Central Europeu (BCE), algo que já não acontecia desde junho de 2021, há mais de três anos. E para encontrar um valor tão baixo como o registado em setembro, é mesmo preciso recuar ainda um pouco mais, a abril desse mesmo ano.

Os resultados divulgados pelo Eurostat, o órgão estatístico da União Europeia, não surpreendem e confirmam o processo de abrandamento dos preços que se verifica praticamente sem interrupção desde outubro de 2022, quando a subida dos preços atingiu uns inimagináveis 10,6%.

Mas já se pode dizer que a instituição liderada por Christine Lagarde conseguiu domar a inflação?

O abrandamento é, necessariamente, um bom sinal, no entanto, se há analistas para quem o percurso da inflação será de necessária melhoria, sem volta atrás, também há quem peça cautela. E quem alinha por esse discurso cauteloso é a própria presidente do BCE que já avisou que a inflação "poderá aumentar temporariamente no quarto trimestre de 2024”, embora se mostre confiante de que a inflação deverá regressar “atempadamente ao objetivo” de 2%. 

Recorde-se que as projeções do BCE preveem que a taxa de inflação média atinja os 2,5% em 2024, 2,2% em 2025 e 1,9% em 2026. E que o BCE, depois de ter aumentado as taxas de juro pela última vez em setembro de 2023, já as reduziu por duas vezes este ano. 

Os economistas ouvidos pela CNN Portugal avaliam, unanimemente, esta descida da inflação como uma “boa notícia” e um sinal de “estabilidade”. João Moreira Rato refere, contudo, que não é surpreendente ou sequer “uma realidade europeia”. “A situação é parecida nos EUA, por exemplo. Em ambas as geografias, a taxa de inflação desceu bastante e em nenhuma se registou um cenário recessivo. Houve abrandamento, mas não houve recessão. E isso é mérito, também, dos bancos centrais, que conseguiram ancorar expectativas da inflação”, explica o economista. 

Ricardo Ferraz diz também que a descida “já se antecipava”. E explica, pedindo alguma cautela: “O próprio governador do Banco de Portugal [Mário Centeno] disse que a inflação não iria ser um problema. O problema é, de certa forma, a incerteza internacional, nomeadamente os conflitos. Se se registar um conflito entre Israel e outros países árabes como o que houve nos anos 70, haverá um choque petrolífero e ninguém pode antecipar como acabará. Há demasiada incerteza.” 

O economista Paulo Trigo Pereira pede igualmente, e pela mesma razão, “um otimismo cauteloso”. “A descida da inflação são, claro, boas notícias. Porque finalmente consegue-se atingir o objetivo de médio prazo [de 2%] do BCE. No entanto, atravessamos, globalmente, uma situação preocupante, e bastaria um agravar do conflito no Médio Oriente para haver uma subida dos preços do petróleo e, assim, a inflação subiria significativamente”, explica.

Paulo Trigo Pereira recusa atribuir mérito pela descida da inflação unicamente a Christine Lagarde — e às políticas muito em torno da subida das taxas de juro —, até porque, diz, “a política do BCE é um pau de dois bicos”. "Porque é claro que manter as taxas de juro elevadas vai contribuir para a descida na inflação. No entanto, manter as taxas de juro baixas contribui igualmente para um fraquíssimo crescimento económico na zona euro, como o que se observa. Obviamente, a missão do BCE só considera o objetivo da inflação. Mas do ponto de vista da política económica ambos deveriam interessar e interessam. O que defendo é uma baixa, ainda que cautelosa, das taxas de juro”, argumenta. 

Para Ricardo Ferraz, o BCE tem mérito em ter, com as suas políticas, “impedido uma recessão” na zona euro — “ainda que com abrandamento do crescimento” —, mas, como em toda a medicação, “não há remédios sem dor”. “Houve abrandamento, houve países da zona euro em recessão, mas como um todo a zona euro não enfrentou uma recessão. O problema é que, mesmo sem recessão, o crescimento económico foi muito pouco. As taxas de juro elevadas têm impacto nisso. O BCE usa a política monetária para resolver alguns problemas. Um medicamento forte como é este de aumentar as taxas de juro, por tanto que faça bem, também faz mal noutras áreas, tem repercussões. E repercutiu-se no crescimento económico. Mas acredito que o BCE continue a jogar pelo seguro e não baixe as taxas de juro.”

E se baixar, vai baixar com cautela. “As reduções, se repararmos, são moderadas e ‘interrompidas’. Se houve uma em setembro, não houve antes, mas tinha havido antes disso. Se houve em setembro, não haverá agora, mas haverá depois. É a maneira de o BCE manter a inflação controlada”, defende o economista. 

Para João Moreira Rato, "a dúvida agora é até onde vamos nas taxas de juro, onde vão parar os cortes — se em 2%, 2,25%, 2,5%”. “Talvez não seja de esperar, ou de necessitar, muito cortes, uma vez que a inflação está a ajustar-se à meta. Mas deve parar (a baixa das taxas de juro] antes do que seria de esperar”, antecipa. 

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