Combustíveis já desceram, alimentos não — e não devem descer nos próximos meses. Eis porquê

13 ago 2022, 22:00
Preços, inflação, reduflação, estagflação, economia, legumes, cabaz, supermercado. Foto: rtur Widak/NurPhoto via Getty Images

É uma combinação de fatores que não traz motivos para respirar fundo nos próximos tempos. A guerra é a face mais visível de um cabaz alimentar mais dispendioso. Mas há outros motivos que deixam as refeições mais caras a cada dia que passa

Se os preços dos combustíveis têm seguido uma tendência de descida ao longo das últimas semanas, aproximando-se dos valores verificados no início da guerra, não se pode esperar o mesmo no que respeito aos alimentos.

“A procura continuará a ser elevada, enquanto a oferta continuará limitada este ano e no próximo. Esta escassez pode até piorar em 2023 e depois”, justifica o gestor Felix Odey, da empresa de gestão de ativos Schroders, que fez uma análise sobre a evolução do preço de várias matérias-primas agrícolas desde o início da guerra na Ucrânia e procurou identificar as razões pelas quais os preços se deverão manter altos num futuro próximo. Há quatro motivos para isso: a guerra na Ucrânia, o aumento do preço dos fertilizantes, a instabilidade do clima e as barreiras às exportações.

1.Guerra na Ucrânia

A invasão russa da Ucrânia aumentou a pressão sobre a oferta, provocando aumentos nos preços das matérias-primas. Em Portugal, a inflação disparou para 9,1% em julho, o valor mais alto dos últimos 30 anos. Segundo os analistas, este impacto será duradouro.

Para a Schroders, cujas conclusões são citadas pelo “El Mundo”, a guerra é o principal foco de incerteza no curto e médio prazo. Isto porque Ucrânia e Rússia são países essenciais para produção e a exportação de alimentos. O óleo de girassol e os cereais – como o milho, o trigo e a cevada – têm sido os mais afetados.

“A interrupção do fornecimento a longo prazo por parte da Ucrânia não é clara. Em muitas das regiões agrícolas mais importantes, tiveram lugar intensos combates, as terras de cultivo foram assoladas em grande escala por minas e foi destruída maquinaria agrícola”, clarifica o especialista Felix Odey.

O impacto faz-se sentir também nos preços de outros bens, por exemplo no óleo de palma, um dos substitutos possíveis do óleo de girassol.

Este aumento de preços generalizados, diz o gestor, “reduz o incentivo para que os agricultores de outras áreas se dediquem ao trigo, o que resolveria algumas das limitações da oferta, já que conseguem obter preços razoáveis com outras culturas”.

2.Fertilizantes

Um dos elementos que ajudam a explicar a subida acentuada nos preços dos alimentos está nos fertilizantes agrícolas, que também têm assistido a esta tendência de encarecimento. A guerra, por exemplo, está a condicionar a exportação dos chamados fertilizantes de potássio.

Os fertilizantes mais caros podem contribuir para reduzir o retorno dos agricultores, uma vez que produzir o mesmo que outrora está agora mais caro. E também para mudar o perfil de culturas, “limitando a capacidade de resposta” de outras regiões às carências alimentares.

A Schroders dá o exemplo dos Estados Unidos da América, onde o peso dos fertilizantes aumentou de 14% em 2020 para 23% em 2022. Por esse motivo, os agricultores norte-americanos estão a plantar níveis recorde de soja, que requerem menos fertilizante, e menos trigo e milho, mais exigentes nesta matéria.

Nesta fase, os agricultores estão também a evitar comprar fertilizantes, na expectativa de que os preços destes produtos desçam ao longo do ano.

3.Alterações climáticas

Felix Odey, da Schroders, antecipa que a tendência de encarecimento dos produtos alimentares se deve manter nos próximos anos. Mas, avisa, a escassez poderá piorar de 2023 para a frente. “Isto deve-se aos padrões climáticos imprevisíveis, que aumentam a incerteza da oferta”, afirma.

Em Portugal, este cenário é notório com a situação de seca. O calor extremo e a escassez de água têm colocado em causa a produção agrícola e a própria alimentação animal. No Alentejo, por exemplo, a quebra na produção de cereais chega aos 50%, dificultando ainda mais o fornecimento nacional num contexto de guerra. A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, chegou a pedir, em Bruxelas, medidas para minimizar os efeitos da seca.

4.Exportações limitadas

Com as carências alimentares, as políticas protecionistas podem também limitar as exportações, deixando várias regiões do mundo numa situação ainda mais frágil, em especial países da região do Médio Oriente e Norte de África.

“À medida que o mercado estreita, a oferta depende mais de produtores marginais, isto é, dos que produzem uma quantidade relativamente pequena. Isto aumenta o risco de volatilidade dos preços dos alimentos devido a fenómenos meteorológicos extremos”, explica o analista.

Uma das respostas à escassez das matérias-primas agrícolas poderá passar por uma alteração dos seus fluxos e usos. Por exemplo, cerca de 20% do trigo produzido em todo o mundo vai para ração animal. Por isso, poderão ser introduzidos substitutos para tentar preservar o trigo para o consumo humano.

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