Na missiva, a que a CNN Portugal teve acesso, o médico que desistiu de ser presidente do instituto exigia que a ministra Ana Paula Martins desse garantias sobre a manutenção do serviço que foi alvo de um ajuste direto de 12 milhões e que o Tribunal de Contas se prepara para chumbar. E avisa que sem esse contrato o país corre o “risco de se perderem vidas”
O contrato para as operações dos quatro helicópteros do INEM está no centro de toda a polémica que há várias semanas envolve este organismo, que fez um ajuste direto com a empresa Avincis, e o Ministério da Saúde, que quer antes dar essa missão à Força Aérea Portuguesa. E é precisamente neste tema que se centra a carta que o médico Vítor Almeida escreveu à ministra Ana Paula Martins a explicar porque desistiu de assumir o cargo de presidente do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica).
Na missiva, a que a CNN Portugal teve acesso, Vítor Almeida garante que é essencial manter o Serviço de Helicópteros de Emergência Médica (SHEM) tal qual como está, diz que a Força Aérea não tem capacidade para assegurar no imediato este serviço, pede garantias por escrito e formais sobre a questão, uma vez que, recorda, o Tribunal de Contas poderá chumbar o ajuste direto para aquela empresa e avisa que não há “plano B” para o transporte aéreo emergente, o que pode levar à paragem do SHEM com “risco de se perderem vidas”.
Ajuste de milhões, dilemas éticos e risco de vida
Vítor Almeida seria o novo presidente do INEM, depois de Luís Meira se ter demitido em confronto com a ministra da Saúde, na sequência da polémica que envolveu os helicópteros. Este organismo avançou, a 28 junho, com um contrato por ajuste direto com a Avincis pagando 12 milhões de euros por 12 meses, depois do Tribunal de Contas (TdC) ter avisado que dificilmente aceitaria essa situação. Isto é, num contrato anterior também feito por ajuste direito com a mesma empresa, o TdC tinha deixado claro que uma nova contratação teria de ser por concurso público internacional. Mas os responsáveis do INEM alegaram que a falta de resposta do Ministério da Saúde aos vários contatos os deixarem sem margem para ação nas vésperas do final do prazo do contrato e decidiram avançar com um novo ajuste para evitar a paragem dos helicópteros.
“Se o ajuste direto receber (…) um aval negativo do Tribunal de Contas é minha conclusão que o Presidente do INEM terá de resolver um dilema jurídico e ético: deve o Conselho de Administração do INEM parar de imediato o SHEM e cumprir a decisão vinculativa do TdC, sob risco de se perderem vidas?” ou “deve manter o regular funcionamento do SHEM contrariando o TdC e com isso a posteriori correr risco de consequências jurídicas (designadamente criminais)?”, defende Vítor Almeida na carta.
Ao longo do texto que dirigiu à ministra, o médico explica que até àquele dia 6 de julho acreditava que o ajuste direto iria ser aprovado pelo TdC, o que permitiria a continuidade do serviço dos helicópteros por 12 meses, dando tempo para que se lançasse depois um concurso público. Mas, diz, a notícia no mesmo dia no JN que dava como certo o chumbo do TdC “mudou radicalmente” o cenário. “Na minha ótica não existem certezas jurídicas que garantam o funcionamento de mais 12 meses deste serviço primordial do INEM” e “não há plano B com a Força Aérea a executar de imediato”.
Explicando que foi informado dias antes, numa reunião, pela secretária de Estado da Saúde, Cristina Vaz Tomé, da vontade do Governo em envolver a Força Aérea Portuguesa (FAP) neste serviço de helicópteros, Vítor Almeida frisa que, apesar da qualidade dos militares, estes não têm a capacidade desejada. ”Neste preciso momento, como sabemos, a FAP não consegue assegurar um SHEM com as mesmas características atualmente existentes.”
Médico queria garantias por escrito
Por isso, considera que sem ajuste direto aprovado, a emergência médica ficaria numa situação muito grave. “Enquanto não considerar que tudo está devidamente esclarecido por escrito, nomeadamente a estratégia que, certamente já terão definida, para ultrapassar, com a urgência que se impõe, este sério e preocupante cenário, que é para mim uma condição sine qua non, não posso, em consciência aceitar o convite que me foi endereçado.”
Ao mesmo tempo, e antes de terminar a carta, Vítor Almeida deixa uma sugestão a Ana Paula Martins: “Impõe-se que qualquer futura nomeação de uma nova equipa tenha por base garantias escritas e formais de continuidade do SHEM com o aval do Tribunal de Contas, bem como o reforço orçamental efetivo e imprescindível para o INEM.”