A responsabilidade sobre a situação do INEM vai sendo trocada entre PS e PSD, mas Marcelo Rebelo de Sousa já veio pedir nomes, “doa a quem doer”. As recentes mortes, alegadamente por atrasos do INEM, deixaram visíveis mazelas já antigas, mas falta saber se o seu agravamento é de agora ou não. As respostas serão dadas esta quinta-feira ao longo de cinco audições
Foram nove dias de greve e um sem-fim de problemas que ficaram a nu. As falhas no socorro por parte do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) durante a greve às horas extraordinárias dos técnicos de emergência pré-hospitalar podem ter sido responsáveis por 11 mortes e motivaram até ao momento sete inquéritos no Ministério Público, um dos quais já arquivado. Há ainda um inquérito em curso da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
O presidente interino do INEM, Sérgio Dias Janeiro, já veio admitir os piores tempos de sempre no atendimento das chamadas de emergência, mas falta ainda saber o porquê de tal acontecer e de esta não ser apenas uma realidade em período de greve.
São muitas as questões ainda por responder e a procura de respostas acontece esta quinta-feira, com cinco audições na Assembleia da República. Os deputados vão ouvir a Comissão de Trabalhadores do INEM; Luís Canária, presidente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar – ANTEPH; Paulo Paço, presidente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Médica – ANTEM; Rui Lázaro, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar – STEPH; e, por fim, Sérgio Dias Janeiro, presidente do Conselho Diretivo do INEM. A CNN Portugal vai acompanhar AO MINUTO estas audições.
Estas serão algumas das questões em cima da mesa:
1 - A greve às horas extra foi ignorada pelo Ministério da Saúde e pelo INEM?
Este é um dos pontos destacados no requerimento apresentado pelo Chega para as cinco audições desta quinta-feira. O partido diz que não compreende “como, perante um aviso de greve, da qual não seria difícil de antever os seus elevados riscos, a direção do INEM e a própria tutela parecem ter negligenciado a necessidade de implementar um plano de contingência adequado, garantindo assim a continuidade dos serviços essenciais e a segurança dos cidadãos em situação de emergência”.
Cristina Vaz Tomé, secretária de Estado da Gestão de Saúde, admitiu em declarações à CNN Portugal que o Governo “não tinha conhecimento do impacto” da greve do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH). No entanto, o Expresso noticiou que o sindicato dos técnicos de emergência pré-hospitalar deu dez dias à ministra da Saúde para iniciar negociações e travar a paralisação, mas ficou sem resposta.
2 - Foram ou não decretados serviços mínimos para os dias de greve?
O presidente do INEM assumiu que foi impossível cumprir os serviços mínimos durante a greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH), ao não conseguir obter uma escala acima dos 70% de trabalhadores. Sérgio Janeiro explicou que quando o INEM percebeu que “poderia haver um incumprimento dos serviços mínimos num turno” procedeu, “de todas as formas, à convocação” de TEPH. Já o Sindicato alega que o INEM não designou quem deveria cumprir os serviços mínimos, que no pré-aviso estavam propostos apenas para o turno da noite. “A lei diz que têm de ser designados, têm de os identificar. Uma vez que [o mail do INEM] foi enviado às 15:57, três minutos antes do turno das 16:00, já não surtia efeito para o turno da manhã. Em bom rigor, nem para o da tarde, pois alguém que more na Margem Sul e receba um ‘email’ três minutos antes de começar o turno como é que cumpre?”, questionou Rui Lázaro, presidente deste sindicato, acrescentando que “se o INEM não concordasse deveria ter comunicado à Direção-Geral da Administração e do Emprego Público”, para que as partes se entendessem e o conselho arbitral depois os definisse, o que não aconteceu.
Na sequência deste episódio, o Governo decidiu mandar instaurar uma inspeção à ação do INEM durante a greve, em especial ao que se passou a 4 de novembro - dia em que decorreu também a paralisação da Função Pública. É que o acordo coletivo de trabalho dos técnicos de emergência pré-hospitalar, que atendem as chamadas de emergência, prevê que sejam cumpridos sempre determinados serviços mínimos durante qualquer greve, mesmo que o Estado não os decrete.
3 - O que tem de ser feito para colmatar a falta de técnicos?
“Temos hoje menos 483 [técnicos de emergência pré-hospitalar] do que deveríamos. Deviam ser 1.341”. As palavras são da ministra da Saúde, que aponta este como um dos calcanhares de Aquiles do INEM. Os técnicos de emergência pré-hospitalar representam 80% dos quadros do INEM, mas ainda assim estão num número bastante abaixo do necessário, não só à boleia da grande taxa de abandono da profissão (40%), mas também da incapacidade formativa do INEM. Atualmente estão no ativo cerca de 700 técnicos de emergência pré-hospitalar quando seriam necessários 1.480. E esse é um dos pontos que será abordado nas audições desta quinta-feira: o porquê de apenas se formarem 200 técnicos de cada vez (e apenas em duas vezes por ano), atrasando, de forma crónica, a capacidade de preencher todas as vagas necessárias.
4 - Em que condições trabalham os profissionais do INEM?
Este também tem sido um dos pontos mais falados por parte dos técnicos e será um dos aspetos que os deputados irão querer trazer para a discussão. Os baixos salários (“pouco mais de 900 euros”, como diz o sindicato), a falta de perspetiva na progressão na carreira e a dependência de horas extraordinárias para assegurar os turnos têm sido as queixas repetidas ano após ano. Sabe-se agora também que cerca de 23% dos profissionais de emergência médica apresentavam sintomas de stress pós-traumático, o que afeta negativamente a rapidez e precisão nas decisões em situações de socorro às vítimas.
5 - Problemas no INEM são herança socialista ou má gestão social-democrata?
Os problemas no INEM não são de agora, como lembrou o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes. E o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar já o tinha dito no verão, tendo até colocado em cima da mesa uma greve pela carência de condições e pela má gestão do Instituto. Já depois desta recente e polémica greve, Rui Lázaro voltou a colocar o dedo na ferida, dizendo que há “três” anos que têm vindo a ser “denunciados casos em tudo iguais aos que vivenciamos nos últimos dias”, defendendo que tal “deveria ter sido suficiente para alertar o poder político” e para que houvesse negociação com o Governo.
Da esquerda à direita, são várias as críticas à gestão atual e anterior do INEM. O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu que a situação que se vive atualmente no INEM veio “desmascarar” os problemas na saúde, no socorro às populações e na falta de profissionais.
No que toca ao passa-culpas políticas, Ana Paula Martins criticou o ‘legado’ herdado pelos dois governos do PS, dizendo que “o INEM esteve praticamente abandonado” durante a governação socialista. Já o PS devolveu, dizendo que o primeiro-ministro é o principal responsável pelo que aconteceu na resposta do INEM no contexto da recente greve, rejeitando responsabilidades do anterior Executivo. Além disso, o PS diz que o atual Governo “faltou à verdade sobre o ajuste direto do helitransporte e foi desautorizado pelo Tribunal de Contas, por ter recusado financiamento para o lançamento do concurso público, um infeliz episódio que levou à demissão do conselho diretivo em funções e uma consequente novela de convites para nova liderança do instituto”, lê-se no requerimento do Partido Socialista para a audição do presidente do INEM na Comissão de Saúde.
6 - Como deve ser a prometida refundação do INEM?
Em declarações na audição conjunta das comissões parlamentares de Orçamento e Finanças e Saúde, no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2025, a ministra da Saúde sublinhou ainda a necessidade de rever o estatuto do INEM, para poder avançar com a sua refundação. Quanto este ponto, o requerimento do PS lembra que “sobre esta promessa nada consta no Orçamento do Estado para 2025”. “No passado dia 6 de maio, na Comissão de Saúde, prometeu também abrir a dedicação plena aos médicos do Instituto e, até ao momento, nada respondeu à Comissão de Trabalhadores”, lê-se no documento apresentado à Assembleia da República.
Na comissão da semana passada, além de não ter dito em que moldes tal refundação poderá vir a acontecer, Ana Paula Martins apressou-se ela própria a colocar um travão na questão, dizendo que tal apenas poderá acontecer quando for nomeada uma nova direção, fator que está dependente da CReSaP, que só a 6 de novembro enviou para Diário da República o aviso da abertura de um concurso, apesar de o Ministério da Saúde o ter pedido no dia 4 de setembro. Sobre a alegada privatização do INEM, nem uma palavra de Ana Paula Martins. Para já, foi anunciado o regresso dos enfermeiros aos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) e que os enfermeiros de emergência vão assegurar a triagem dos doentes urgentes.
O primeiro-ministro, por seu lado, já prometeu apresentar “muito brevemente” um plano para a resolução desta crise, mas até então não foram dados quaisquer detalhes.
7 - Afinal, de quem é a culpa?
Esta é a questão das questões e possivelmente aquela que dificilmente terá resposta. O Presidente da República já veio colocar urgência na questão, dizendo que é preciso apurar responsabilidades, “doa a quem doer”. A ministra da Saúde já veio dizer que assume “total responsabilidade” pelo que aconteceu, mas sem dizer que tipo de responsabilidade. Ana Paula Martins trouxe para si o tema e a crise - retirando o INEM da alçada da secretária de Estado da Gestão da saúde, Cristina Vaz Tomé -, mas sem qualquer mea culpa.
Da parte do presidente do INEM, contratado em regime de substituição por 60 dias, após a demissão de Luís Meira e a nega de Vítor Almeida, não houve ainda qualquer assunção de responsabilidades. No entanto, e já por mais do que uma vez, Ana Paula Martins coloca Sérgio Dias Janeiro como candidato à presidência do INEM, mesmo com o concurso ainda a decorrer.
Entretanto, o procurador-geral da República Amadeu Guerra assumiu que os inquéritos abertos sobre as mortes por alegadas falhas no INEM podem apurar responsabilidades políticas, isto é, do próprio Governo neste caso.
O Bloco de Esquerda já veio pedir a demissão de Ana Paula Martins, assim como o Chega, que a acusa de ser “incapaz de assumir a sua responsabilidade”, ameaçando com a apresentação de uma resolução de censura contra Ana Paula Martins. A Iniciativa Liberal questiona porque é que a secretária de Estado da Gestão da Saúde, bem como o presidente do INEM, continuam em funções.