Modi saúda uma nova "Índia divina" na inauguração do controverso templo hindu antes das eleições

CNN , Helen Regan e Rhea Mogul
22 jan 2024, 10:56
Templo Ram na Índia (Associated Press)

Índia: templo de Ram em Ayodhya cimenta o legado hindu-nacionalista de Modi. O templo no norte da Índia está a ser preparado há mais de 30 anos.

Milhões de pessoas assistiram, em toda a Índia, à inauguração de um enorme templo hindu esta segunda-feira, numa cerimónia considerada como o momento culminante das ambições nacionalistas hindus do primeiro-ministro Narendra Modi, meses antes de tentar ganhar um terceiro mandato nas eleições.

A inauguração do Ram Janmabhoomi Mandir - um templo dedicado ao Senhor Ram - em Ayodhya, no norte da Índia, está a ser preparada há mais de 30 anos e espera-se que dê um grande impulso à campanha eleitoral de Modi.

O Ram Mandir é a realização do sonho de Modi de criar o que ele chamou de "nova Índia", que muitos consideram ser a transformação do país numa nação distintamente hindu.

Para os detractores de Modi, a inauguração do templo é a conclusão de uma campanha de décadas para afastar a Índia das raízes seculares sobre as quais o país foi fundado após a independência.

"Hoje chegou o nosso Senhor Ram. Depois de séculos de espera, o nosso Ram chegou. Depois de séculos de paciência sem precedentes, de sacrifícios incontáveis, de renúncias e penitências, o nosso Senhor Ram chegou", disse Modi num discurso perante uma multidão de sete mil pessoas, que incluía estrelas de cinema, jogadores de críquete de topo e magnatas, a partir do templo recém-construído e decorado com flores coloridas.

"Ram não é uma disputa, Ram é a solução", acrescentou.

A cerimónia de segunda-feira cumpre uma promessa de longa data feita aos eleitores por Modi e pelo seu governo do Partido Bharatiya Janata (BJP), que os levou ao poder em 2014.

Durante anos, Modi e os seus aliados políticos prometeram construir um templo no local de uma mesquita do século XVI, que foi destruída por violentos hindus de linha dura num ataque mortal em 1992 que impulsionou o movimento nacionalista hindu do país.

A demolição da mesquita, impulsionada pelo BJP e por outros grupos de direita, catapultou o partido para a política dominante, vencendo as eleições gerais quatro anos mais tarde.

Modi não mencionou diretamente o Babri Masjid no seu discurso, nem os muçulmanos do país, muitos dos quais sentem dor e tristeza perante os acontecimentos que se desenrolaram em Ayodhya. Falou, no entanto, de avançar e do "início de um novo ciclo temporal".

"A partir de hoje, a partir deste momento sagrado, temos de lançar os alicerces para os próximos 1.000 anos. Ao avançarmos com a construção do templo, todos nós fazemos agora o juramento de construir uma Índia nacional, capaz, bem sucedida, bela e divina", disse Modi.

Um devoto hindu visto com o rosto pintado em Ayodhya, Índia, a 22 de janeiro. Foto Vedika Sud/CNN
Mulheres hindus cantam slogans sagrados para celebrar a próxima inauguração de um grande templo para o Senhor Ram, na cidade de Ayodhya, no norte da Índia, durante uma procissão em Mumbai, Índia, no dia 21 de janeiro de 2024. Foto Rafiq Maqbool/AP

Na segunda-feira, no interior do santuário do templo, Modi presidiu ao Pran Pratishtha, ou cerimónia de consagração, de um ídolo do Senhor Ram, uma das divindades mais veneradas do hinduísmo. Representada como um jovem rapaz, a estátua de pedra negra foi adornada com jóias de ouro, pedras preciosas, diamantes e flores.

No exterior, helicópteros militares sobrevoaram o templo e a cidade, lançando pétalas de flores sobre o vasto edifício e a multidão de dignitários.

Entre os oradores do evento encontrava-se Mohan Bhagwat, chefe do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), a organização de direita que é a mãe do BJP, que afirmou que o templo "se tornou um símbolo de uma nova Índia que se erguerá".

"Foi dito, e nós sabemos, que hoje em Ayodhya, juntamente com o Senhor Ram, o eu da Índia regressou", afirmou.

Yogi Adityanath, o ministro-chefe do estado de Uttar Pradesh, onde se situa Ayodhya, e uma das figuras políticas mais polarizadoras do país, chamou ao Ram Mandir o "templo nacional" da Índia e um "importante ritual de despertar cultural".

Durante todo o dia, bandeiras cor de açafrão foram hasteadas e flores de calêndula adornaram as entradas dos edifícios, enquanto dezenas de milhares de devotos percorriam as ruas da antiga cidade em procissões comemorativas.

"Durante 500 anos, o Senhor Ram viveu numa cabana", disse à CNN o devoto Acharya Mohanjodaro Bharadwaj, referindo-se ao momento em que a mesquita da era Mughal foi construída. "Hoje, Modi obrigou-o a sentar-se num templo e todo o país está a festejar como se fosse o Diwali".

As celebrações tiveram lugar em todo o país, com os políticos a encorajarem as pessoas a participar nas festividades nas suas casas e templos, assegurando que seria um acontecimento nacional.

O Uttar Pradesh declarou a segunda-feira feriado público, com as escolas e as lojas de bebidas fechadas em todo o Estado.

Centenas de membros da diáspora indiana reuniram-se em Nova Iorque, EUA, no domingo para celebrar a inauguração sob uma imagem maciça do Senhor Ram projectada num ecrã em Times Square. As embaixadas indianas em todo o mundo organizaram festas para assistir à cerimónia.

A controvérsia

Enquanto milhões de hindus celebraram a inauguração do tão esperado complexo, que é visto por eles como o local de nascimento de Ram, a população muçulmana minoritária do país vê no acontecimento uma recordação dolorosa das divisões religiosas que temem estarem a tornar-se mais pronunciadas sob o governo do BJP, de Modi.

O local do templo foi outrora a sede da Babri Masjid, uma mesquita do século XVI, construída durante o império mogol que governou a Índia de 1526 a 1858.

Mas a localização tem sido disputada há décadas.

Muitos hindus acreditam que a mesquita foi construída sobre as ruínas de um templo hindu, alegadamente destruído por Babar, o primeiro imperador mogol do Sul da Ásia.

Em 1992, impulsionados pelo BJP e por outros grupos de direita, um grupo de hindus de linha dura atacaram a mesquita, desencadeando uma violência generalizada que matou mais de 2.000 pessoas em todo o país.

A violência foi uma das piores registadas na Índia desde os confrontos sangrentos que acompanharam a divisão após a independência, em 1947.

Nos anos seguintes, os nacionalistas hindus mobilizaram-se para construir o Ram Mandir no local da mesquita destruída, preparando o terreno para um confronto emocional e politicamente carregado que durou décadas.

 

Um homem reza nas margens do rio Sarayu por ocasião da cerimónia de consagração do templo de Ram em Ayodhya, a 22 de janeiro de 2024. Money Sharma/AFP/Getty Images

Em 2019, o Supremo Tribunal da Índia concedeu aos hindus autorização para construir o templo no local contestado, pondo efetivamente fim à disputa. A decisão foi vista como uma vitória para Modi e os seus apoiantes, mas foi um golpe para muitos muçulmanos, para quem a destruição do Babri Masjid continua a ser uma fonte de profunda tensão e perda histórica.

Em Ayodhya vivem cerca de três milhões de pessoas, incluindo cerca de 500 mil muçulmanos - e alguns deles receiam ataques no dia da inauguração do templo.

Muitos partilharam mensagens de apoio uns com os outros nas redes sociais, com mensagens de WhatsApp a exortar a comunidade a abster-se de viajar em comboios e autocarros públicos para sua própria segurança.

Maulana Badshah Khan, 65 anos, disse recentemente à CNN que vai ficar em casa na segunda-feira.

"As feridas da demolição da mesquita de Babri estarão sempre presentes. Mesmo que nos sintamos desanimados para as exprimir", disse Khan. "O templo tem o valor simbólico de mostrar aos muçulmanos o seu lugar na Nova Índia".

Linhas ténues entre religião e Estado

Outros acusaram Modi de "transformar a fé hindu numa arma" e de usar o Templo Ram para obter ganhos políticos.

"As objecções incluem o facto de Modi não ser um líder religioso e, por isso, não estar qualificado para liderar a cerimónia e de um templo hindu não poder ser consagrado antes de estar concluído", afirma um comunicado da Hindus for Human Rights, um grupo de defesa sem fins lucrativos com sede nos EUA.

Modi "apressar-se e liderar ele próprio a cerimónia é a última tentativa de transformar o hinduísmo numa arma em nome da ideologia nacionalista repressiva do BJP, antes das eleições nacionais de maio", acrescenta o comunicado.

Modi ascendeu ao poder em 2014 com a promessa de reformar a economia do país e inaugurar uma nova era de desenvolvimento - mas também impulsionou fortemente uma agenda Hindutva, uma ideologia que acredita que a Índia deve tornar-se uma terra para os hindus.

A sua promessa de construir o Ram Mandir ajudou a impulsionar o sucesso eleitoral inicial.

Espera-se que a inauguração do templo na segunda-feira aumente as hipóteses de Modi ganhar um raro terceiro mandato nas eleições gerais previstas para o final do ano, depois de ter cumprido a sua promessa a milhões de eleitores.

No período que antecedeu a inauguração, Modi jejuou e rezou num ritual de 11 dias repleto de simbolismo religioso hindu. No âmbito deste ritual, Modi visitou santuários e templos ligados ao Senhor Ram em todo o país.

Pessoas chegam antes da inauguração do templo do deus hindu Ram em Ayodhya, no norte do estado de Uttar Pradesh, na Índia, a 22 de janeiro de 2024. Rajesh Kumar Singh/AP

"O Senhor fez de mim um instrumento para representar todo o povo da Índia durante a consagração", disse ele numa mensagem gravada no seu canal do YouTube.

No domingo, Modi publicou um vídeo seu, na sua página na rede social X, entrando no mar e submergindo no Templo Arulmigu Ramanathaswamy, no sul do Estado de Tamil Nadu.

Nilanjan Mukhopadhyay, autor de "The Demolition and the Verdict" [tradução à letra, "A demolição e o Veredito"], um livro sobre a demolição da mesquita em 1992, afirma que a decisão de Modi de presidir às festividades de segunda-feira é um sinal da "hegemonia hindu" na Índia.

"As linhas entre a política e as religiões esbateram-se", diz sobre o envolvimento de Modi na cerimónia, num país que é constitucionalmente laico.

"Também se esbateram completamente entre a religião e o Estado indiano. Neste momento, temos o primeiro-ministro indiano a participar numa atividade puramente religiosa, com a participação total da máquina governamental".

Devotos hindus acorrem para assistir à inauguração

O templo só abre ao público na terça-feira, mas espera-se que atraia grandes multidões quando isso acontecer, e milhares de devotos já estavam na cidade na segunda-feira.

Entre os que fizeram a viagem estava Urmila Chandravanshi, de 90 anos, que viajou mais de 700 quilómetros desde o estado central de Chhattisgarh.

Batendo palmas e cantando "vitória para o Senhor Ram", ela disse que estava emocionada por estar em Ayodhya e creditou a Modi a abertura do templo.

Um devoto unge o nome do Senhor Ram na testa antes da inauguração do Templo Ram Mandir, a 20 de janeiro de 2024, em Ayodhya, na Índia. Ritesh Shukla/Getty Images

"Vim aqui para pedir as bênçãos do Senhor Ram e de Sita, estou muito feliz hoje", disse ela.

Outro devoto, Lal Singh Khushwa, disse à CNN que andou 70 quilómetros para visitar o templo.

"Vim aqui para pedir a bênção do Senhor Ram, Modi fez tanto", disse ele. "Sinto-me muito bem por estar aqui".

 

Vedika Sud, Aishwarya S Iyer e Sania Farooqui, da CNN, contribuíram para este artigo.

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