A Índia faz 75 anos – como está hoje o país perto de ser o mais populoso do mundo?

CNN , Rhea Mogul
15 ago 2022, 16:05
Dança Bihu nas cerimónias no Dia da Independência da ìndia em Guwahati  a 15 de agosto de 2022. Foto Anuwar Hazarika Nur via Getty Images

Modi compromete-se a transformar a Índia num país desenvolvido quando a nação faz 75 anos

Em frente ao histórico Forte Vermelho em Deli, o primeiro-ministro Narendra Modi comprometeu-se, esta segunda-feira, a transformar a Índia num país desenvolvido nos próximos 25 anos.

"A forma como o mundo vê a Índia está a mudar. Há esperança na Índia e a razão é a capacidade de 1,3 mil milhões de indianos", disse Modi. "A diversidade da Índia é a nossa força. Ser a mãe da democracia dá à Índia o poder inerente para escalar a novas alturas".

As palavras de Modi surgem quando milhões celebraram 75 anos de independência indiana, desde o golpe da meia-noite de 15 de agosto de 1947, que pôs fim a quase 200 anos de domínio colonial britânico.

Na altura, o primeiro primeiro-ministro indiano, Jawaharlal Nehru, disse que o país estava num caminho de renovação e renascimento.

"Chega um momento, que não acontece senão raramente na história, em que saímos do velho para o novo", disse Nehru. "Quando uma era termina, e quando a alma de uma nação, há muito reprimida, encontra a sua expressão".

Setenta e cinco anos mais tarde, a Índia de hoje é quase irreconhecível face à da época de Nehru.

Desde que ganhou a independência, a Índia construiu uma das economias de crescimento mais rápido do mundo, é o lar de algumas das pessoas mais ricas do mundo e, de acordo com as Nações Unidas, a sua população em breve ultrapassará a da China como a maior do mundo.

Mas apesar da riqueza crescente da nação, a pobreza continua a ser uma realidade diária para milhões de indianos, e continuam a existir desafios significativos para uma nação diversificada e em crescimento de regiões, línguas e credos díspares.

Mulheres com trajes tradicionais participam numa parada para assinalar o 75º aniversário do Dia da Independência da Índia, em Mumbai, a 14 de Agosto de 2022. Getty Images

Ascensão de uma potência económica

Após a independência, a Índia encontrava-se num caos. Saindo de uma divisão sangrenta, que matou entre 500.000 e 2 milhões de pessoas, e desenraizou mais cerca de 15 milhões, o país era sinónimo de pobreza.

A esperança média de vida nos anos após a partida britânica era de apenas 37 anos para os homens e de  36 anos para as mulheres, e apenas 12% dos indianos eram alfabetizados. O PIB do país era de 20 mil milhões de dólares [19,6 mil milhões de euros ao câmbio atual], de acordo com os académicos.

Avançando rapidamente três quartos de século, a economia indiana de quase três biliões de dólares [2,94 milhões de millhões de euros] é agora a quinta maior do mundo e está entre as que mais rapidamente crescem. O Banco Mundial promoveu a Índia do estatuto de rendimento-baixo para o de rendimento-médio - um escalão que denota um rendimento nacional bruto per capita entre 1.036 e 12.535 dólares [cerca de 1.016 e 12.290 euros].

8 de fevereiro de 1947. O chefe de Estado Indiano, Pandit Jawaharlal Nehru (a olhar para a câmara), em reunião sobre a Assembleia Constituinte em Nova Deli para decidir a nova Constituição da Índia independente. Foto Bert Hardy via Arquivo Getty Images

A taxa de alfabetização aumentou para 74% nos homens e 65% nas mulheres e a esperança média de vida é agora de 70 anos. E a diáspora indiana espalhou-se por todo o lado, estudando em universidades internacionais e ocupando cargos de topo em algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, incluindo o presidente executivo do Google. Sundar Pichai, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, e o chefe do Twitter, Parag Agrawal.

Grande parte desta transformação foi motivada pelas "reformas de rutura" dos anos 90, quando o então primeiro-ministro PV Narasimha Rao e o seu ministro das Finanças Manmohan Singh abriram o país ao investimento estrangeiro, após uma aguda crise de dívida e uma inflação crescente os forcarem a repensar o modelo de protecionismo e intervenção estatal do socialista Nehru.

As reformas ajudaram a turbinar o investimento de empresas americanas, japonesas e do sudeste asiático nas principais cidades, incluindo Mumbai, a capital financeira, Chennai e Hyderabad.

O resultado é que hoje, a cidade do sul de Bengaluru -- apelidada de "Sylicon Valley da Índia" -- é um dos maiores pólos tecnológicos da região.

Ao mesmo tempo, a Índia assistiu a uma proliferação de bilionários - é hoje o lar de mais de 100, contra apenas nove na viragem do milénio. Entre eles estão o magnata das infraestruturas Gautam Adani, cujo património líquido é superior a 130 mil milhões de dólares [118 mil milhões de euros], segundo a Forbes, e Mukesh Ambani, fundador da Reliance Industries, que vale cerca de 95 mil milhões de dólares [93 mil milhões de euros].

Mas os críticos dizem que a ascensão de tal ultra-riqueza realça como a desigualdade permanece mesmo muito depois do fim do colonialismo - com os 10% mais ricos do país a controlar 80% da riqueza da nação em 2017, segundo a Oxfam. Nas ruas, isso traduz-se numa dura realidade, em que os bairros de lata alinham nos passeios por baixo de edifícios altos, e as crianças vestidas com roupas esfarrapadas imploram rotineiramente por dinheiro.

Mas Rohan Venkat, consultor do Centro de Investigação Política da Índia, diz que os ganhos económicos mais amplos da Índia como nação independente mostram como ela tem confundido os céticos de há 75 anos atrás.

Os bairros de lata alinham-se na costa perto do bairro de Cuffe Parade, em Mumbai, Maharashtra, Índia. Foto Getty Images

"Num sentido lato, a imagem da Índia (pós-independência) era o de um lugar extremamente pobre", disse Venkat.

"Certamente a imagem da Índia (para o Ocidente) era fortemente sobreposta por tropas orientalistas -- os seus encantadores de serpentes, pequenas aldeias. Algumas delas não estavam totalmente erradas... mas muitas eram simples estereótipos.

Desde então, a trajectória da Índia tem sido "excepcional", segundo Venkat.

"Para testemunhar a maior transferência (de poder) de uma elite que governava o Estado, para agora ser uma marca universal completa... estamos perante uma incrível experiência política e democrática que é única".

Ascensão de um gigante geopolítico

Durante anos após a independência, as relações internacionais da Índia foram definidas pela sua política de não-alinhamento, posição da era da Guerra Fria favorecida por Nehru que evitava estar do lado dos Estados Unidos ou da União Soviética.

Nehru desempenhou um papel de liderança no movimento, que ele via como uma forma de os países em desenvolvimento rejeitarem o colonialismo e o imperialismo e evitarem ser arrastados para um conflito no qual tinham pouco interesse.

Essa posição não se revelou popular em Washington, impedindo o estreitamento de laços e adiando a viagem de estreia de Nehru aos EUA para Outubro de 1949, para se encontrar com o Presidente Harry S. Truman. Durante a década de 1960, a relação tornou-se ainda mais tensa, uma vez que a Índia aceitou a assistência económica e militar dos soviéticos e este gelo permaneceu em grande parte até 2000, quando a visita do Presidente dos EUA Bill Clinton à Índia levou a uma reconciliação.

Hoje, enquanto tecnicamente a Índia permanece não alinhada, a necessidade de Washington de equilibrar a ascensão da China levou-a a cortejar Nova Deli como parceiro-chave no grupo de segurança cada vez mais activo conhecido como Quad.

Soldados da Força de Segurança de Fronteira indiana seguram a bandeira nacional durante uma parada  de motas no 75º aniversário da independência do país, no posto avançado da fronteira Índia-Paquistão em Panjgrain, a cerca de 60 km de Amritsar, a 10 de Agosto de 2022.

O agrupamento, que também inclui o Japão e a Austrália, é amplamente considerado como uma forma de contrariar o crescente poder militar e económico da China e as suas reivindicações territoriais cada vez mais agressivas na região Ásia-Pacífico.

A Índia, entretanto, tem as suas próprias razões para querer contrabalançar a influência chinesa, nomeadamente a sua disputada fronteira com os Himalaias, onde mais de 20 tropas indianas foram mortas numa sangrenta batalha com homólogos chineses em Junho de 2020. Em Outubro, os EUA e a Índia irão realizar um exercício militar conjunto a menos de 100 quilómetros dessa disputada fronteira.

Como disse Happymon Jacob, professor associado de diplomacia e desarmamento na Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Deli: "A Índia conseguiu afirmar-se na cena mundial devido à natureza da política internacional atual e ao capital militar político e diplomático que foi posta em prática pelos governos anteriores".

Parte do crescente peso geopolítico da Índia deve-se à sua crescente despesa militar, que Nova Deli acelerou para contrariar as ameaças sentidas, tanto da China como do seu vizinho com armamento nuclear, o Paquistão.

Após a sua separação em 1947, as relações entre a Índia e o Paquistão têm estado num estado quase constante de agitação, levando a várias guerras, envolvendo milhares de baixas e numerosas escaramuças através da Linha de Controlo na contestada região de Caxemira.

Em 1947, as despesas líquidas de defesa da Índia foram de apenas 927 milhões de rupias - cerca de 12 milhões de dólares no dinheiro de hoje [ou 11,8 milhões de euros]. Em 2021, as suas despesas militares eram de 76,6 mil milhões de dólares [ou 75,1 mil milhões de euros], segundo um relatório do Stockholm International Peace Research Institute - tornando-a no terceiro maior gastador militar do mundo, atrás apenas da China e dos EUA.

Ambições na cena mundial

Fora da economia e da geopolítica, a crescente riqueza da Índia está a alimentar as suas ambições em campos tão diversos como o desporto, a cultura e o espaço.

Em 2017, o país bateu um recorde mundial quando lançou 104 satélites numa missão, enquanto em 2019, o primeiro-ministro Modi anunciou que a Índia tinha abatido um dos seus próprios satélites numa demonstração militar de força, tornando-se um dos quatro únicos países a ter conseguido esse feito.

Mais tarde, nesse ano, o país tentou aterrar uma nave espacial na lua. Embora a tentativa histórica tenha falhado, foi amplamente vista como uma declaração de intenções.

Uma criança toca num modelo de missão indiana na lua.

No ano passado, o país gastou quase 2 mil milhões de dólares no seu programa espacial, de acordo com McKinsey, seguindo os maiores gastadores, os EUA e a China, por alguma margem, mas as ambições da Índia no espaço estão a crescer. Em 2023, espera-se que a Índia lance a sua primeira missão espacial tripulada.

O país está também está a utilizar a sua crescente riqueza para aumentar as suas perspectivas desportivas, gastando 297,7 milhões de dólares em 2019, antes da expansão do Covid-19.

Neeraj Chopra na cerimónia de entrega de medalhas depois de ganhar a medalha de ouro na competição do arremesso do dardo em masculinos, durante os Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio 2020, a 7 de Agosto de 2021.

A Primeira Liga Indiana - o principal torneio de críquete do país, lançado em 2007 - tornou-se a segunda liga desportiva mais valiosa do mundo em termos de valor por partida, segundo Jay Shah, secretário do Conselho de Controlo de Críquete na Índia, depois de vender os seus direitos de média por 6,2 mil milhões de dólares [seis mil milhões de euros] em Junho.

E Bollywood, a brilhante indústria cinematográfica multibilionária indiana, continua a atrair fãs em todo o mundo, catapultando nomes locais para super-estrelas globais e atraindo milhões de seguidores nas redes sociais. Entre elas, as atrizes Priyanka Chopra e Deepika Padukone têm quase 150 milhões de seguidores na Instagram.

"A Índia é um país forte. É um actor agressivo", disse Shruti Kapilla, professora de história indiana e pensamento político global na Universidade de Cambridge.

"Nas últimas duas décadas, as coisas mudaram. A cultura indiana tornou-se uma grande história".

Desafios e o futuro

Mas face a todos os sucessos da Índia, os desafios permanecem, enquanto Modi procura "quebrar o círculo vicioso da pobreza".

Apesar do grande e crescente PIB da Índia, este continua a ser um país "profundamente pobre" em algumas medidas. E isso, segundo o consultor Venkat, é uma "tremenda preocupação".

Ainda em 2017, cerca de 60% dos quase 1,3 mil milhões de pessoas da Índia viviam com menos de 3,10 dólares [três euros] por dia, segundo o Banco Mundial, e as mulheres ainda enfrentam uma discriminação generalizada no país profundamente paroquial.

A violência contra mulheres e raparigas tem feito manchetes internacionais, num país onde as alegações de violação são frequentemente subavaliadas, devido à falta de recursos legais para alegados agressores, num sistema legal que é notoriamente lento.

Narendra Modi e António Costa, na visita do primeiro-ministro português à Índia em 2017

"Muitos dos desafios fundamentais da Índia continuam a ser os que eram na altura da independência, de certa forma, com parâmetros e escala diferentes", disse Venkat.

A Índia está também na linha da frente da crise climática.

As recentes ondas de calor - como em abril, quando as temperaturas máximas médias em partes do país subiram a níveis recorde, e Nova Deli viu sete dias consecutivos acima dos 40 graus Celsius - testaram o limite da capacidade de sobrevivência humana, dizem os especialistas.

E são as pessoas mais pobres do país que mais vão sofrer, pois trabalham no exterior, em calor opressivo, com acesso limitado às tecnologias de refrigeração que os especialistas de saúde dizem ser necessárias para enfrentar o aumento das temperaturas.

E à medida que o calor aumenta na terra, a pressão política cresce com receios de que o tecido secular do país e a sua democracia estejam a ser corroídos sob a liderança de Modi, que os críticos acusam de alimentar uma onda de nacionalismo hindu que deixou muitos dos 200 milhões de muçulmanos do país a viver com medo.

Muitos estados dirigidos pelo seu partido governante, o Bharatiya Janata (BJP), introduziram legislação que os críticos dizem estar profundamente enraizada na ideologia Hindutva, que procura transformar a Índia na terra dos hindus. E tem havido um aumento alarmante no apoio aos grupos extremistas hindus nos últimos anos, dizem os analistas - incluindo alguns que apelaram abertamente ao genocídio contra os muçulmanos do país.

Ao mesmo tempo, as detenções de numerosos jornalistas nos últimos anos levaram a preocupações de que o BJP esteja a utilizar as leis da era colonial para anular os críticos. Em 2022, a Índia caiu para o número 150 no Índice de Liberdade de Imprensa publicado pelos Repórteres Sem Fronteiras - a sua posição mais baixa de sempre.

"Os desafios agora são sobre a natureza da democracia da Índia", disse Kapilla. "A Índia está a passar por uma grande e controversa mudança a nível político fundamental".

Setenta e cinco anos depois, a observação de Nehru de que "a liberdade e o poder trazem responsabilidade" continua a soar a verdade.

Os primeiros 75 anos da Índia asseguraram a sua sobrevivência, mas nos próximos 75 anos precisa de enfrentar desafios imensos para se tornar um verdadeiro líder global, e não apenas em termos de população, disse Venkat, do Centro de Investigação Política.

"Embora (a Índia) possa acabar por ser o maior país de crescimento mais rápido do mundo nos próximos anos, ainda estará a quilómetros do seu vizinho da China, ou a aproximar-se do que esperava alcançar neste momento, que era um crescimento de dois dígitos".

"Os desafios são imediatos e estão em todo o lado" disse Venkat, "sendo o principal deles o de como assegurar a sua prosperidade".

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