Juiz indiano trava queixa contra suspeito de agressão sexual porque a vítima usava roupa “provocante”

CNN , Rhea Mogul e Manveena Suri
22 ago 2022, 14:35
Dança Bihu nas cerimónias no Dia da Independência da ìndia em Guwahati  a 15 de agosto de 2022. Foto Anuwar Hazarika Nur via Getty Images

Um juiz no sul da Índia determinou que uma mulher usou roupas “provocantes” e recusou-se a dar providência à sua queixa de agressão sexual, suscitando a indignação pública num país onde a violência contra mulheres e raparigas faz manchetes frequentemente.

O juiz do tribunal distrital de Kerala teceu os comentários na semana passada, ao conceder fiança antecipada a um homem de 74 anos acusado de assédio sexual e agressão, tal como consta nos documentos do tribunal. O homem não tinha sido formalmente acusado.

Fotografias anexadas ao pedido de fiança do homem mostram a mulher a usar vestidos “sexualmente provocantes”, refere a ordem judicial, acrescentando que, com base na primeira impressão do tribunal, a queixa “não tinha bases de sustentação”.

Ainda segundo a ordem judicial, seria “impossível acreditar” que o acusado, um homem inválido, conseguisse puxar a mulher para o seu colo “à força” e “apalpar sexualmente o seu peito”.

A CNN contactou o advogado do acusado, mas não obteve resposta na altura da publicação deste artigo.

A notícia provocou indignação na Índia, onde as mulheres enfrentam discriminação generalizada e as alegações de agressão sexual são frequentemente descartadas devido à falta de recursos legais e a um sistema jurídico manifestamente lento.

A presidente da Comissão para as Mulheres de Deli, Swati Maliwal, condenou o juiz distrital e instou o Supremo Tribunal de Kerala a dar seguimento ao caso.

"Quando é que a mentalidade que culpa as vítimas de abuso sexual vai mudar?", escreveu na quarta-feira no Twitter.

V.P. Sanu, presidente da Federação de Estudantes da Índia, considerou os comentários do juiz “retrógrados”. “A lógica que as mulheres convidam à agressão sexual através da maneira como se vestem atribui as culpas à vítima e invoca estereótipos de vítimas de violação”, escreveu na quarta-feira no Twitter.

O problema de agressão sexual na Índia

Os crimes sexuais contra as mulheres são generalizados na Índia, mas os casos brutais de violação e agressão são muitas vezes negligenciados pelo sistema judicial do país.

Em 2017, um juiz do Supremo Tribunal de Deli afirmou que um homem merecia “o benefício da dúvida” quando o absolveu de acusações de violação, acrescentando que mesmo o “não” proferido em surdina pela mulher poderia sugerir consentimento por parte da alegada vítima.

Num outro caso, datado de janeiro de 2021, um juiz do Supremo Tribunal de Bombaim considerou que um homem de 39 anos não era culpado de agredir sexualmente uma rapariga de 12 anos por não lhe ter tirado a roupa, o que significa que não houve contacto pele com pele.

“Tendo em conta a natureza intransigente da punição prevista para esta ofensa, o tribunal considera que são necessárias provas mais rigorosas e alegações mais graves”, referiu o juiz.

Reformas jurídicas e penas mais graves por violação foram introduzidas na sequência da brutal violação de uma estudante de medicina que ocorreu em Deli, em 2012 – incluindo a criação de tribunais específicos e mais céleres para a resolução de casos de violação e uma alteração na definição de violação que passou a incluir penetração anal e oral.

Mas ativistas e advogados dizem que é preciso fazer mais para proteger as mulheres.

Na segunda-feira da semana passada, 11 homens condenados a cumprir pena de prisão perpétua pela violação de uma mulher muçulmana grávida durante os motins hindu-muçulmanos em 2002 foram libertados em remissão, o que suscitou a condenação por parte de familiares, advogados e políticos.

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