Major-general Agostinho Costa considera que a Casa Militar do Presidente da República "nunca devia ter permitido" um voo em conjunto de duas das principais figuras do Estado. No passado, Marcelo e Costa já tinham viajado num mesmo avião para Paris, mas optaram por fazê-lo em separado para São Paulo
Esta segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro aterraram no mesmo helicóptero em Baião, distrito do Porto, durante a visita que vão fazer aos locais mais afetados pelos incêndios de setembro.
Não é um caso inédito e nem há lei, ou sequer norma, que impossibilite o Presidente da República e o primeiro-ministro de viajarem em conjunto numa aeronave. No entanto, impera desde há muito uma “lei” de bom senso que aconselha a que não aconteça. E não só a estas duas figuras, mas igualmente ao Presidente da Assembleia da República — até porque o Artigo 132.º da Constituição determina que em caso de morte do Presidente da República, é o Presidente da Assembleia a assumir funções, para evitar uma crise institucional.
O major-general Agostinho Costa, especialista em assuntos militares, considera a decisão de Marcelo e Montenegro viajarem conjuntamente “uma falha de segurança inqualificável e lamentável”, que a Casa Militar do Presidente da República “nunca devia ter permitido”.
“Isto não devia ter acontecido, que dois dos mais altos representantes do Estado voassem juntos, até porque um voo é, por natureza, uma atividade de elevado risco, mais a mais um helicóptero — ainda há pouco tempo morreram militares da GNR num acidente de helicóptero”, lamenta Agostinho Costa.
Uma situação mais ou menos semelhante ocorreu com Marcelo Rebelo de Sousa e o anterior chefe do Governo, António Costa. Em junho 2016, o Presidente da República e o primeiro-ministro viajaram em conjunto, não de helicóptero, mas em avião, para Paris, no âmbito das comemorações do 10 de Junho. Em 2017, de novo pelo 10 de Junho, mas em São Paulo, Brasil, decidiram viajar em separado.
Outras situações houve de voos partilhados entre Presidente e primeiro-ministro, como aconteceu em 1980, ano em que o Presidente Ramalho Eanes e o malogrado primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro viajaram na mesma aeronave para marcarem presença funeral de Estado do então Presidente da antiga Jugoslávia, Marechal Tito. Alguns anos antes, em 1976, a primeira e única situação de turbulência de que há registo ou memória: regressados em conjunto dos Açores, em avião militar, o Presidente Ramalho Eanes e o primeiro-ministro Mário Soares acabaram por ter uma aterragem sobressaltada em Lisboa — nunca tendo sido divulgada a razão do sobressalto.
Nesta visita a Baião e outros locais, o Presidente Marcelo e o primeiro-ministro Monteiro fazem-se acompanhar por outros membros do Governo, como o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, a Ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, e o secretário de Estado da Proteção Civil, Paulo Ribeiro. O major-general Agostinho Costa insiste que a Força Aérea “tem alternativas para que um Presidente e um primeiro-ministro e membros do Governo viajem para um destino sem ser na mesma aeronave”.
E recorda situações que estão na memória coletiva e deveriam levar à reflexão: “O passado recente atesta-nos dos perigos. [Em 2010] o Presidente polaco [Lech Kaczynski] e a entourage presidencial polaca morreram num acidente com um avião militar na Bielorrússia. Além, claro, do recente caso iraniano e da morte do presidente Ebrahim Raisi num acidente de helicóptero. Os voos acarretam demasiados riscos, seja por falha eletrónica, seja por falha humana. Esta situação [de Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro] não tem qualificação possível. É uma regra de bom senso viajarem separadamente”, conclui o major-general.