Especialistas defendem que a intensidade com que alguns fenómenos agora ocorrem, como o vento, podem ser os responsáveis pela propagação e intensidade de incêndios fora da época de maior calor, como aconteceu esta noite
Na noite em que a depressão Martinho deixava o centro e sul de Portugal continental debaixo de chuva forte, várias zonas do distrito de Viana do Castelo, no Alto Minho, foram afetadas por um total de 48 incêndios rurais, um cenário que apanhou muitos de surpresa pela dimensão e época em que aconteceu. Foi “algo que não é habitual para esta altura do ano”, como reconheceu Alexandre Penha, adjunto de operações da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) nesta quinta-feira, mas que pode dar algumas pistas do quão intensa pode ser a época de incêndios no verão se fatores como vento forem extremos.
A eventual mão criminosa - ou “má utilização de fogo”, segundo a Proteção Civil - pode ter estado na origem destes fogos, mas foi o vento o grande responsável pela sua escalada, com a região a registar rajadas de 90 quilómetros por hora, que dificultaram o combate às chamas. Para Miguel Miranda, antigo presidente do Instituto Português do Mar e Atmosfera, o vento é “um problema maior” do que muitos consideram pelo papel que pode ter na propagação de fogos, seja durante os dias com temperaturas mais elevadas, como em alturas do ano mais frias, chuvosas ou húmidas, como aconteceu na noite passada.
O especialista é, por isso, rápido a dizer que o que aconteceu na noite de quarta-feira é semelhante ao que se passou na Califórnia, no início do ano: grandes incêndios alastrados por ventos fortes e descontrolados numa altura com temperaturas bastante amenas. O geofísico diz mesmo que este incêndio mostra que a “teoria empírica dos 30-30-30” já não pode ser a bitola para analisar o risco de fogo numa determinada zona ou altura do ano. Miguel Miranda refere-se à tese que diz que “há uma grande probabilidade para os incêndios se propagarem” se os ventos forem superiores a 30 km/hora, se a temperatura estiver acima dos 30 ºC e se os níveis de humidade estiverem abaixo dos 30%, explicando que, neste caso, e tal “como aconteceu na Califórnia”, as condições eram bastante diferentes no que toca à temperatura do ar e à humanidade que se verificam no verão, ambas em níveis abaixo. E isto porque, vinca, “existem outras situações”, como a da última noite, volta a dizer, “em que o vento, sendo muito intenso, pode propagar incêndios mesmo com temperaturas baixas”.
Em Paredes de Coura, o incêndio consumiu dez hectares de floresta, mas foi Arcos de Valdevez a zona mais afetada, com ventos muito fortes a intensificarem cinco grandes fogos. O primeiro incêndio deflagrou no Soajo às 07:10 de quarta-feira, depois às 16:11 na União de Freguesias de Vilela, às 17:29 em Paradela (Soajo), na União de Freguesias de Vilela, São Cosme e Sá, às 21:37 e, em Sabadim às 21:56. Os cinco incêndios foram dados como extintos ao início da manhã de quinta-feira.
O comandante Jorge Mendes esclarece que “os incêndios fora de época sempre existiram”, mas alerta que o mais certo é que passemos a ter “incêndios mais violentos” e em qualquer altura do ano devido às alterações climáticas. “Para quem não acredita nelas [nas alterações climáticas), o certo é que está visível que estão para ficar”, atira o comandante Jorge Mendes, que, tal como Miguel Miranda, aponta estas mudanças no padrão climático como um dos fatores que fazem com que as chuvas e ventos sejam mais intensos. “Não podemos olhar para a época dos incêndios apenas de maio a outubro, tem de ser o ano inteiro, temos de estar preparados o ano inteiro”, vinca.
Joaquim Sande Silva, professor de Ecologia do Fogo e coordenador na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, destaca também a imprevisibilidade do padrão de incêndios, cada vez mais longe de ser apenas na época quente do verão. “A época de incêndio do ano passado foi bastante atípica, parecia que estava a ocorrer muito bem até à segunda semana de setembro, tínhamos uma área ardida baixa e passámos para mais de 100 mil hectares ardidos no espaço de uma semana”, conclui.