Incêndios: quatro fatores explicam o que não acontecia em Portugal há 8.650 dias (mas que vai ser cada vez mais frequente)

17 set, 07:30

Climatologista Carlos da Câmara explica o que aconteceu e sublinha que não se pode dissociar isso das alterações climáticas

Falar de incêndios em Portugal é falar de 2017 e de dois grandes fogos que, juntos, mataram mais de 100 pessoas nesse ano, no qual Pedrógão Grande foi um dos grandes focos. Houve um downburst – um fenómeno climático que ajuda à propagação do fogo –, dias quentes e muitas coincidências que tornaram os fogos indomáveis.

Mesmo assim, o climatologista Carlos da Câmara garante que o que se vive em Portugal por estes dias, com dezenas e dezenas de incêndios ativos e ignições constantes em Albergaria-a-Velha, Oliveira de Azeméis, Nelas, Baião, Vila Pouca de Aguiar ou muitos outros, é muito mais raro do que aconteceu há sete anos. É, concretamente, 8.650 dias mais raro.

"Se me perguntar se esta situação é anómala, é anómala no sentido em que o perigo de incêndio em alguns concelhos, nomeadamente em Aveiro e Viseu, esteve no topo. Nunca se registou nenhum valor de perigo meteorológico tão elevado desde 2001", refere, em declarações à CNN Portugal, o especialista, indicando que a situação a norte do Tejo é, de facto, "verdadeiramente anómala".

E para essa situação anómala contribuíram para este cocktail: simultaneamente a uma vaga de calor, que até se intensificou esta segunda-feira e continuará intensa nos próximos dias, as autoridades registaram uma humidade do ar muito baixa, à qual se juntou um vento de leste muito intenso. Aliando isso ao que vinha de trás, a ausência de precipitação que se observou durante o verão, faz com que se juntem "quatro fatores que levam a uma enorme perigosidade de incêndio".

"Tendo havido uma primavera bastante chuvosa e com temperaturas amenas, que se prolongou em junho e julho, houve condições para se criar uma grande quantidade de biomassa, que foi stressando ao longo do verão", acrescenta o especialista. O mesmo é dizer que as chuvas anteriores fizeram crescer vegetação, que mais tarde veio a secar com o calor e a transformar-se num autêntico combustível para as chamas que chegaram.

É, de resto, o contrário de 2017, em que os campos estavam totalmente secos, uma vez que se vinha de seca extrema. "Conjugaram-se aqui fatores, não só ao nível do dia, ao nível do curto prazo, mas ainda ao facto pré-estação de incêndio, que era uma quantidade de biomassa grande", sublinha.

Assim, continua Carlos da Câmara, a partir do momento que surgiram as ignições, e surgiram e continuam a surgir em grande número, era uma questão de tempo até se transformarem em grandes incêndios.

"Se olharmos para os fogos de 2017 e para os que temos agora... a situação não é comparável. Se olhar para 2017, dias como este, houve uma série deles", reitera, garantindo que não se lembra de ter visto mapas "tão carregados de classes de perigo de incêndio extrema e excecional como em 2017".

Do que aconteceu e está a acontecer em quase metade de Portugal, Carlos da Câmara espera que se tire uma conclusão e uma lição: "Com as alterações climáticas, dias excecionais como estes vão aumentar, vão tornar-se dias mais frequentes".

"É bom que percebamos que situações como esta vão tornar-se, não é a norma, mas a curto prazo vão aumentar", frisa, antecipando que em breve possamos falar de temporadas em que a situação vai ser "três ou quatro vezes pior".

Por isso mesmo o climatologista pede "que se mude de paradigma", até porque Portugal não tem um ordenamento do território ideal para lidar com este tipo de fenómenos de forma mais recorrente.

"Isto é preciso ser olhado de uma forma muito séria, percebendo que o que aí vem, de certeza que vai ser muito mais complicado. Fazendo uma comparação, eu digo que eu sou uma espécie de dono do casino. Eu não sei, de vez em quando, a banca vai ao ar, mas estatisticamente o dono ganha. Infelizmente aqui o climatologista ganha estatisticamente esta luta e é preciso perceber que para isso é preciso mudar, quer o ordenamento do território, quer toda a política de controlo de ignições", conclui.

País

Mais País

Mais Lidas

Patrocinados