“Foi tudo muito rápido”. Vários concelhos do país acordaram num cenário infernal, com o fogo a alastrar-se de forma descontrolada, repentina e imprevisível. Com pouco, muitos tentaram fazer a diferença e ajudar os bombeiros no terreno. Os repórteres da CNN Portugal estiveram nos locais mais críticos e falaram com quem lutou contra as chamas
“É um inferno autêntico, é um calor que nem dá para descrever, são imagens que nos deixam com um bocado de medo, não sabemos qual o rumo que o fogo vai tomar”. Gustavo estava junto dos bombeiros quando falou com a CNN Portugal. Era uma das muitas pessoas que desde manhã bem cedo decidiu arriscar tudo para conseguir salvar o que é seu e de quem lhe está mais próximo. “Estávamos a apagar de um lado e [o fogo] a acender do outro”, contou-nos este morador de Albergaria-a-Velha, cuja casa fica numa rua muito próxima de uma zona de mato que, a meio da tarde, ainda ardia.
Esta cidade de Aveiro foi desde o começo da manhã um dos muitos palcos do inferno que se vive em Portugal continental, com mais de 30 incêndios ativos combatidos por mais de 600 meios e mil operacionais, que vão contando com a ajuda de quem habita em pleno inferno e tenta salvar tudo o que tem, do pouco ao muito. Além de todos os concelhos de Aveiro, as chamas também lavram em Baião e Gondomar (no Porto), Mangualde e Nelas (em Viseu), Torres do Mondego (Coimbra), Cabeceira de Basto (Braga) e Vila Pouca de Aguiar (Vila Real). E independentemente do local, todos disseram o mesmo: “Foi tudo muito rápido”.
“Tem sido um autêntico pesadelo, foi tudo muito rápido desde as sete da manhã, as chamas rapidamente chegaram à minha rua, primeiro atrás da casa dos meus vizinhos, depois da minha casa e da minha empresa”, um espaço de produção de cogumelos “com materiais altamente sensíveis e inflamáveis”, contou-nos Gustavo, junto a um pequeno grupo de bombeiros que lançavam água para as pequenas chamas junto à estrada que liga o mato às casas.
Com habitações a paredes meias com árvores e montes a arder e campos de visão inferiores a cinco metros, foram muitos os que saíram de casa em Albergaria-a-Velha para lutar contra o fogo, uma luta muitas vezes em vão, tal era o vento e a imprevisibilidade do rumo das chamas, as faúlhas que saíam disparadas para tudo quanto era local, tornando todos os espaços um incêndio iminente. “Eram seis e pouco da manhã quando começamos a ver para o lado da serra aquele clarão vermelho e passados poucos minutos isto alastrou”, relatou uma outra moradora de Albergaria-a-Velha, com o seu cão ao colo.
Os cortes de água foram quase imediatos, até, alvo de uma queixa quase em uníssono por quem tentou combater as chamas. “Não tenho água em casa, muitas pessoas vieram aqui ajudar, pessoas que vieram mesmo da (vila de) Branca ajudar com água”, revelou Daniela, não escondendo o pânico sentido logo de manhã. “Isto tem sido assustador, comecei o dia com notícias de familiares e amigos que estavam com as casas em risco”, continuou, admitindo que é impossível manter a calma: “Já houve pequenos reacendimentos, o vento muda de sentido. O fogo realmente é imprevisível, isto é desolador, assustador”.
Num balanço feito durante a tarde, o presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, António Loureiro, reconheceu que tem sido “complexo gerir este fogo” e que “o incêndio está espalhado por todas as freguesias”, com, pelo menos, 20 casas afetadas, assim como várias viaturas, dois armazéns e um escritório. Albano Ferreira, comandante dos bombeiros de Albergaria-a-Velha falou de uma progressão muito rápida das chamas, com o vento a dificultar o trabalho dos bombeiros e a colocar ainda mais em risco a população. “O concelho está praticamente todo tomado”, admitiu, prevendo uma “madrugada muito complicada”.
Em plena estrada, a apresentadora Maria Cerqueira Gomes viveu um verdadeiro “pesadelo”. Tal como outros condutores que seguiam caminho na A1, viu-se perante um cenário dantesco, ficando parada no meio do caos, impossibilitada de procurar alternativas. “Consegui perceber quando saí do Porto que havia qualquer coisa de errado”, e essa qualquer coisa era um dos piores incêndios de Albergaria-a-Velha, que começou no concelho vizinho de Sever do Vouga e que ainda se mantém ativo, perspectivando-se mais uma “noite muito difícil”, como admitiu o autarca Pedro Lobo. “Tive de sair da A1 em Santa Maria da Feira e desde que entrei em zonas florestais comecei-me a aperceber que o fumo e fogo e já não conseguia ver o carro da frente”, contou-nos ao telefone enquanto tentava seguir viagem. “Estou a 5km/hora nesta estrada”.
“Não me lembro de uma situação tão assustadora, não há forma de sair daqui, não sei como sair daqui”, disse-nos, relatando imagens que mesmo depois de vistas lhe soavam irreais. “Eu vi chamas no meio de rotundas, pergunto-me como é que o fogo foi ali parar, é uma cena assustadora”.
O distrito de Aveiro está sob um manto de fumo negro e Albergaria-a-Velha está longe de ser o único foco de preocupação. Também em Águeda o “incêndio progrediu de forma errática, de forma controlada”, reconheceu o presidente da câmara municipal Jorge Almeida Numa estrada de Soutelo, em Águeda, cercada de mato, também foram muitos os habitantes da região que se juntaram ao combate às chamas. De lenço no rosto para se proteger no fumo, disse que acredita que há muito fogo e poucos meios. “Fala-se em proteger as casas mas o que é certo é que ardem habitações”, vincou, irritado e perante um cenário de frenesim com pessoas e bombeiros a galgar a estrada de um lado para o outro com os poucos recursos disponíveis para fazer frente ao fogo. E a pouco menos de 20 quilómetros o cenário não foi muito diferente em Oliveira de Azeméis, onde as chamas já se tinham alastrado domingo. E se a noite já não se previa fácil, a madrugada veio mostrar isso mesmo. “Foi muito rápido”, começou a dizer Rogério Almeida, que saiu do local de trabalho para conseguir acudir a mãe, uma idosa com mobilidade reduzida, antes de as chamas tomarem a casa.
“Foi muito rápido isto, eu estava no trabalho. O meu filho e a minha nora viram muito fumo e ligaram para a minha mãe, que ainda estava a dormir. Vim a correr, foi tudo muito, muito rápido. Ficamos sem luz, não tínhamos como trabalhar. Quando cheguei o fogo já estava muito perto, não dava para fazer nada”, lamentou. Os bombeiros foram rápidos a chegar e conseguiram controlar alguns danos, ainda assim pouco ou nada sobrou: “umas roupas”, exemplificou, mostrando os eletrodomésticos todos “destruídos” e as paredes carbonizadas, com o interior da casa em mau estado e o exterior totalmente carbonizado. A idosa, os dois filhos e os dois netos que habitavam na casa vão agora morar com Rogério.
Também em Oliveira de Azeméis, Maritza Valente conseguiu salvar a sua casa, mas “no espaço de meia hora a quinta ficou toda em chamas, não consegui salvar nada”. “Ardeu tudo”, referindo-se a uma “propriedade agrícola”. Sem conseguir fazer grandes contas, falou-nos num prejuízo para lá de cinco mil euros. Para Maritza, o “vento foi o fator determinante, numa determinada altura rodopiava, não tinha uma direção certa” e é essa mesma incerteza que inquietou durante toda a tarde os habitantes de Ossela, que, com o passar das horas, continuam a temer viver o que viveram há cerca de 15 anos. “Olhe aqui já fumo atrás deste eucaliptos. Até estou a tremer. Já se vê a lavareda daqui”, relatou uma das habitantes. “Não demora muito e está aqui à beira das casas”, disse em tom de aviso e de alerta: “não vimos ninguém”, falando de bombeiros, que combatiam as chamas do outro lado do monte.
Ainda em Oliveira de Azeméis e já ao final da tarde, Manuel Pinheiro não conseguia esconder a tristeza e irritação. Com uma habitação próxima - que garantiu estar protegida porque está limpa - criticou a falta de meios presentes no local, quase numa antevisão de que o pior ainda estaria para vir sem que nada fosse feito para o travar. “As pessoas têm que se conscientizar que têm de fazer a limpeza dos terrenos”, atirou, alertando que “o fogo vai continuar nesta vegetação rasteira para a parte de monte que ainda não foi atingida”. Num cenário em que as chamas parecem não dar tréguas, por muito que a população se una aos bombeiros, a sensação é inglória. “Estamos a sentir-nos completamente desamparados”, lamentou Manuel Pinheiro.
Na varanda de uma casa em Vale Madeiros, Filipe frisou “excelente trabalho” dos bombeiros, mas a sensação de tranquilidade é uma utopia, uma sensação transversal a todas as localidades onde os incêndios lavram desde madrugada. “Ontem quando fomos descansar o clarão daquele lado era assustador”, disse, enquanto apontava para o horizonte, onde se via ainda uma imensa nuvem de fumo escura. “As pessoas ainda não foram à cama”, disse, adiantando que ninguém conseguiu pregar olho, tal foi o receio de voltar a ter as chamas à porta. E voltaram e numa intensidade ainda pior. “Estava tudo a arder”.
As chamas também se alastraram num abrir e fechar de olhos, muitas vezes sem dar tempo de reação ou até de fuga em Cabeceira de Basto, em Braga. “Foi muito rápido, isto ardeu em seguros”, relatou Ana Luísa. “O fogo estava a cem metros”. Os bombeiros foram rápidos a chegar ao local, assegurou, mas os obstáculos foram também eles rápidos a chegar. “Os bombeiros ficaram sem água porque arderam as mangueiras”, contou.
Com o marido no hospital devido ao incêndio, Ana Luísa não conseguiu conter a emoção de tudo o que perdeu. E foi mesmo tudo, vincou. “Ardeu tudo, ficamos sem nada. Agora é ver se os amigos ajudam, não posso fazer mais nada”, suspirou, ainda na incerteza de todos os danos e perdas. “Uma cadelinha de estimação está ali dentro morta, não a vi, não consegui, começou a arder-me um bocadinho o cabelo e fugi, não consegui fazer nada”, lamentou Ana Luísa
Em Sabroso de Aguiar, Vila Real, o incêndio começou a ser combatido pela população quando os bombeiros estavam a combater as chamas noutros locais. Bruno está a combater este incêndio desde o primeiro minuto. O seu conhecimento enquanto bombeiro é uma mais-valia, mas as chamas são difíceis e a progressão demasiado rápida. “Estava em casa dos meus pais e quando vi uma coluna de fumo e quando vi a cabeça do fogo a evoluir com muita intensidade decidi ligar aos bombeiros”, explicou, mas as chamas tomaram conta de um armazém de floricultura.