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Diretor executivo CNN Portugal

Eu não aceitaria esta demissão da administração do Hospital de São João

20 dez 2021, 18:48

Senhores políticos, aprendam: finalmente alguém em Portugal assume responsabilidade pelas funções que desempenha. Senhora ministra: não aceite. A administração do Hospital de São João é das melhores do país

nota: este artigo foi escrito antes de a ministra da Saúde ter anunciado que não aceita a demissão da administração do Hospital de São João

E eis que a responsabilidade não vive casada nem morre solteira. Neste lugar do Porto faz-se assim, dá-se a cara, a voz e o cargo, dá-se respeito à tragédia e dignidade às instituições. Não se atrasam decisões à espera de inquéritos nem há passe-vite para o motorista, para o azar ou para faltas de sinalização. A administração do Hospital de São João apresentou a demissão.

A demissão foi anunciada à imprensa horas depois do incêndio no serviço de pneumologia que causou uma vítima mortal e quatro feridos graves. Agora leia a explicação do presidente do Conselho de Administração, Fernando Araújo: “Apesar da avaliação inicial excluir falha infraestrutural da instituição (…) existe um sentido ético no exercício das responsabilidades públicas que não pode ser esquecido”.

O facto relevante do acidente não é a demissão, é o incêndio, e a dor e a compaixão das vítimas e seus familiares prevalece sobre tudo o resto, incluindo o que diz ou faz a administração do hospital. 

Mas nesta segunda linha de leitura prevalece a ética e a responsabilidade. É esta a lição da Administração do Hospital de São João. Que não ter culpa não é não ter responsabilidade. Que quando uma tragédia ocorre não é digno ficar à espera que a passagem do tempo construa o esquecimento coletivo que deixa isolados o luto e a dor individual. Que uma tragédia debaixo da guarda de alguém não é irrelevante para esse alguém.

O inquérito apurará como havia um isqueiro naquela sala e se os equipamentos estavam protegidos de acordo com as regras obrigatórias de segurança. E só então teremos informações completas para aferir a responsabilidade do hospital - se a houve. Mas a administração não esperou. E isso só importante porque isso deixou de ser importante. Em Portugal quase ninguém assume hoje responsabilidade por coisa nenhuma, valendo-se sempre de argumentos e de passa-culpas. E, assim, o que era normal deixou de ser. É só por isso que uma demissão hoje é uma notícia surpreendente. E é por isso mesmo que aqui a assinalo.

Mas o pedido de demissão tem uma consequência perversa: a perda de uma das melhores administrações hospitalares do país.

Nunca falei com nenhum deles, nunca os vi mais gordos, mas vi e já antes analisei a forma como o Hospital de São João lidou com a pandemia. E basta comparar com o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, instituição de dimensão semelhante. No São João nunca houve caos com a covid-19. E porquê? Porque houve planeamento, antecipação, gestão - precisamente as funções de um conselho de administração. Em janeiro de 2020, mais de um mês antes do primeiro caso em Portugal, já o hospital criava um gabinete de crise. Depois geriu a sua capacidade, criando linhas para doentes covid e não covid, evitando suspensão de atos médicos e abandono de pacientes de outras patologias. Como cheguei a comentar então, o SNS devia ter usado o exemplo do São João como caso de estudo para outros hospitais. 

Por isso, senhora ministra da Saúde, não aceite esta demissão. Dê-lhe a dignidade a gravidade que a tragédia exige, acelere o inquérito ao sucedido mas não atrase a decisão sobre o pedido. E, já agora, passe a mensagem no Conselho de Ministros e deixe-a lá afixada para os que vierem depois das eleições de 30 de janeiro.

Os profissionais de saúde foram os heróis da pandemia, estes gestores não. São só pessoas normais. Sim, Fernando Araújo, Maria João Baptista, Maria Filomena Cardoso, Carla Araújo e Luis Porto Gomes, os membros demissionários do Conselho de Administração do São João, nem sequer são os melhores do mundo, são só pessoas normais: as que fazem a coisa certa. E é isso que é cada vez mais anormal.

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