O debate sobre a carga fiscal em Portugal tem-se intensificado nos últimos anos. Nos últimos dias, os governantes registaram a advertência do Fundo Monetário Internacional ao país: as receitas fiscais, nomeadamente o IRS e o IRC, não podem continuar a cair. O FMI alerta que o país deve assegurar uma “política fiscal prudente”, de forma a reduzir o peso da dívida pública, que ainda excede os 90% do PIB. É uma mensagem clara para um país quem continua preso a um ciclo de dependência fiscal que sufoca o seu desenvolvimento económico.
O recorde de receita de IRC e o dilema fiscal
Apesar da advertência do FMI, os números de 2024 prometem um recorde histórico na arrecadação de IRC, com uma receita projetada a ultrapassar os 10 mil milhões de euros, segundo o Eco Online a partir de dados da consultora Deloitte. No entanto, este facto, muito longe de ser um motivo de celebração, reforça o dilema em que o país se encontra: as empresas estão a ser sufocadas pelo IRC, que é o segundo mais elevado dos 38 países da OCDE. Portugal, com uma taxa de IRC de 31,5%, só é superado pela Colômbia (35%). Esta carga excessiva sobre as empresas torna-se ainda mais evidente, e dramática, quando se compara o país com economias que, tendo reduzido substancialmente a tributação empresarial, acabaram por superar Portugal em crescimento económico e produtividade.
Note-se nos exemplos da República Checa, Estónia ou Polónia, que mantêm as suas taxas de IRC abaixo dos 20%. São países que, ao longo das últimas duas décadas, ultrapassaram Portugal em PIB per capita, demonstrando que uma política fiscal menos asfixiante pode estimular o crescimento económico. O que impede, então, Portugal de seguir este caminho?
A ilusão do “choque fiscal” e o peso do Estado
O Governo português prometeu um “choque fiscal”, mas, até ao momento, essa promessa parece cada vez mais uma miragem. As negociações recentes sobre a valorização salarial e o crescimento económico até 2028 parecem ter enterrado a possibilidade de uma descida gradual do IRC. Assim, o país continua refém de uma política que, apesar das suas intenções, perpetua o ciclo de alta carga fiscal, estagnação da produtividade e um sentimento generalizado de injustiça económica.
O próprio primeiro-ministro reconheceu, no seu discurso de tomada de posse, que “a carga fiscal é um bloqueio à economia, à produtividade e ao sentimento de justiça”. Esta declaração, por si só, deveria ser um catalisador para uma reforma urgente. No entanto, para além do discurso, é necessária ação concreta e, sobretudo, coragem política para enfrentar o verdadeiro problema: o peso do Estado.
Portugal tem um Estado cuja dimensão e despesa pública são desproporcionais face à riqueza que se gera. As reformas necessárias à Administração Pública são frequentemente apontadas por várias entidades, como o Conselho das Finanças Públicas, mas teimam em não ser concretizadas. Sem uma redução substancial da despesa pública, qualquer tentativa de aliviar a carga fiscal será meramente paliativa, arriscando-se a comprometer ainda mais o equilíbrio orçamental.
A solução passa por uma reforma abrangente e corajosa
O caminho para libertar a economia portuguesa deste fardo fiscal passa, indiscutivelmente, por uma redução significativa da taxa de IRC. Um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos estima que uma descida de 7,5 pontos percentuais no IRC poderia resultar num aumento do PIB de 1,44%. No entanto, esse crescimento económico não seria suficiente para compensar a perda de receita fiscal, pelo que seria necessário considerar formas de “pagar” o défice gerado. As opções incluem o aumento de impostos sobre consumo e trabalho ou a tão necessária redução da despesa pública, incluindo a calibragem das transferências sociais.
Apesar das opções, qualquer aumento de impostos sobre o consumo ou o trabalho apenas perpetuaria o ciclo de asfixia fiscal, desta vez transferido para os cidadãos. Já hoje, Portugal tem a oitava maior carga fiscal sobre o trabalho na OCDE. Assim, a verdadeira solução está na terceira via: uma profunda e corajosa reforma do Estado, que permita reduzir a despesa pública de forma sustentada e eficaz.
A realidade é clara: a carga fiscal em Portugal, nomeadamente o IRC, está a penalizar o crescimento económico e a asfixiar a capacidade das empresas de inovar e melhorar os salários. A “pena capital fiscal” que recai sobre o nosso tecido empresarial está a matar o futuro económico do país, e apenas uma reforma estrutural pode inverter esta tendência. Mais do que nunca, precisamos de coragem política para reformar a Administração Pública, reduzir a despesa e implementar um verdadeiro choque fiscal, que liberte a economia portuguesa do jugo fiscal que a tem condenado à estagnação.
As medidas necessárias não são populistas. Não são amigas da despesa pública e de transferências sociais. Os governantes que tiverem a coragem de levar a cabo este processo, de salvação do país, durarão apenas uma legislatura, mas salvarão o país.