Este doente com ELA tem um implante cerebral que traduz os seus pensamentos em comandos de computador

CNN , Catherine Thorbecke, Amanda Sealy e Nadia Kounang
1 jun 2024, 10:00
Implante cerebral: Mark é um dos primeiros humanos a conseguir controlar aparelhos tecnológicos com a mente

Ao olhar para o ecrã de um computador, Mark concentra-se profundamente, com os braços pousados ao lado do corpo. O seu dedo indicador direito treme ligeiramente em cima de uma almofada, e depois soa um alerta do ecrã à sua frente, uma mensagem para o prestador de cuidados de cuja assistência ele precisa.

Sem nunca clicar num rato ou tocar num ecrã, Mark selecionou este comando no seu computador usando simplesmente sinais do seu cérebro. Mark, que a CNN concordou em identificar usando apenas o seu primeiro nome por questões de privacidade, tem um implante dentro do cérebro que está a traduzir a sua atividade neural para comandos num computador.

Mark é apenas a 10.ª pessoa do mundo a receber um implante com este tipo específico de interface cérebro-computador, ou BCI. Ele está a participar num ensaio em humanos com uma empresa chamada Synchron e foi submetido ao procedimento em agosto, após ter sido diagnosticado em 2021 com Esclerose Lateral Amiotrófica – ELA, também conhecida como doença de Lou Gehrig.

A esperança é a de que a tecnologia no cérebro de Mark possa ajudá-lo e a outras pessoas que, como ele, estão a perder funções motoras. “É uma oportunidade para um pedaço de tecnologia ajudar alguém que de outra forma não é capaz de se ajudar a si próprio”, diz Mark à CNN.

O entusiasmo em torno do potencial da tecnologia BCI tem aumentado ao longo do último ano, em parte impulsionado pelo apoio de alto nível do bilionário Elon Musk através da sua empresa Neuralink, bem como pela recente publicação de uma série de estudos promissores de outros intervenientes neste domínio da tecnologia em crescimento.

Mas a tecnologia está longe de ser a corrente dominante e os esforços para a comercializar continuam a enfrentar obstáculos regulatórios, questões éticas e de privacidade. E a própria tecnologia emergente enfrenta inúmeras limitações em si mesma. Por outras palavras, estes procedimentos não chegarão ao consultório do seu médico tão cedo.

Ainda assim, Mark diz que a oportunidade de estar na vanguarda dos testes a esta tecnologia que pode ajudar outras pessoas é importante para si. Sabendo que não há cura para a ELA, Mark diz que inscrever-se no ensaio lhe pareceu uma “opção óbvia”.

“Achei que tinha duas opções: podia afundar-me em autocomiseração ou podia pegar em mim próprio e fazer o que estiver ao meu alcance para ajudar”, diz Mark.

Criar um dicionário com a mente

Descontraído e vestido com uma camisola azul-petróleo clara, Mark não apresenta indicações físicas óbvias de que tem um BCI. E diz que ele próprio não se apercebe disso.

“Não tenho qualquer sensação no cérebro, de que há alguma coisa nele”, disse ao correspondente médico da CNN Sanjay Gupta numa entrevista.

Mark tem duas pequenas cicatrizes, uma no lado direito do peito e a outra no pescoço, mas nenhum indicador visível de um BCI.

O implante cerebral da Synchron, aquele que Mark tem, chama-se Stentrode e consiste num stent com sensores de eletrodos que podem detetar a atividade cerebral elétrica. A Synchron patenteou o Stentrode e a empresa foi a primeira a receber autorização da Food and Drug Administration dos EUA para dar início a ensaios humanos para implantar BCIs de forma permanente.

Como um stent normal, não requer uma cirurgia de cérebro aberto. Em vez disso, é capaz de viajar através da rede natural de veias do corpo, em que o ponto de entrada foi a veia jugular de Mark. O seu cirurgião introduziu o dispositivo através dos vasos sanguíneos até à parte superior do cérebro, onde ficou instalado no seio sagital, uma das principais veias do cérebro, no córtex motor, a parte do cérebro que é responsável pelo movimento.

Quer se trate de um aperto de mão ou dar um passo, cada ação de uma pessoa está associada a uma assinatura elétrica específica das suas ondas cerebrais. O Stentrode aprende a reconhecer esses padrões elétricos e cria um dicionário personalizado de movimentos.

Pode haver uma assinatura elétrica geral para diferentes movimentos, mas a de cada pessoa varia ligeiramente, tornando este dispositivo altamente personalizado.

Quando Mark pensa num determinado movimento, como clicar algures num ecrã de computador, o Stentrode lê esse sinal do cérebro e reconhece o movimento pretendido. Depois essa mensagem viaja através de um cabo muito fino até um transmissor interno, semelhante a um pacemaker, que foi cirurgicamente implantado no seu peito.

São tantos os dados que viajam do cérebro de Mark para o transmissor que este tem de estar ligado a um computador. Esse transmissor externo fica logo acima do transmissor interno e transporta  o sinal do cérebro de Mark para o computador de forma quase instantânea. Atualmente, Mark tem de estar ligado ao computador para utilizar o dispositivo.

No entanto, o objetivo é que os dispositivos da próxima geração acabem por envolver um processo sem fios, para que um doente precise apenas do Stentrode e do transmissor dentro do peito.

Aceitar o diagnóstico de ELA

Mark sentiu pela primeira vez que alguma coisa não estava bem em 2020. Não conseguia estalar os dedos nem fazer um movimento de pinça com a mão esquerda; também se apercebeu de uma atrofia muscular visível. “E depois deixei cair uma chávena de café”, recorda.

Aos 63 anos, o diagnóstico de Mark tornou-se oficial: sofria de ELA, uma doença com a qual a maioria das pessoas só vive entre três a cinco anos após o aparecimento dos primeiros sintomas.

“Foi um facto difícil de engolir”, admite. “Ainda me considero jovem.”

Mark tinha um emprego que adorava e estava prestes a reformar-se. Também tem uma família, incluindo duas filhas e uma neta.

Apesar do diagnóstico e da fraqueza no seu braço, Mark manteve-se a trabalhar no seu emprego, numa empresa grossista de flores. Levantar baldes de água e caixas de flores, contudo, rapidamente se tornou difícil. Depois conduzir tornou-se difícil. Em dezembro de 2022, teve de parar totalmente de conduzir.

A ELA também teve um impacto emocional à medida que Mark começou a perder a sua independência. “Vivi sozinho durante 13 anos, portanto estava habituado a fazer tudo sozinho”, conta.

Eventualmente acabou por ir viver para casa do irmão e da família do irmão. Hoje, a sua voz é forte e ainda consegue andar, mas diz que tem de usar um alimentador controlado pelos pés para conseguir comer porque perdeu a força nos braços.

Mark ainda consegue fazer alguns movimentos muito limitados com as mãos, mas perdeu a maioria da destreza nos seus dedos – o que significa que não consegue pegar num lápis ou fazer scroll no telemóvel. Mark espera que o BCI o ajude com tarefas como aceder ao telemóvel.

Mas Mark não perdeu a esperança de que ainda conseguiria encontrar uma forma de ajudar outras pessoas. Inscreveu-se num ensaio de um medicamento, e quando o ensaio terminou, perguntou imediatamente ao médico o que podia fazer que fosse “novo e excitante”.

Foi aí que deu por si envolvido neste ensaio de viabilidade com a Synchron e do BCI.

Após a implantação do dispositivo em agosto, a sua capacidade de usar o BCI não foi imediata, algo que o frustrou. Levou cerca de dois meses a recuperar, incluindo esperar que o inchaço do dispositivo parecido com o pacemaker desaparecesse, antes de a equipa da Synchron poder ligar o implante. Mas lembra-se da primeira vez que funcionou.

“Houve alguns aplausos”, recorda. “Tínhamos estado a tentar e a tentar, e não estava a funcionar muito bem, e depois finalmente funcionou.”

Nos últimos três meses, Mark tem estado a trabalhar com Maria Nardozzi, uma terapeuta ocupacional da Synchron. À medida que domina cada tarefa, vai construindo um dicionário de movimentos que o dispositivo usa para ler as suas ondas cerebrais e as traduzir para ações no computador. Até agora, Mark dominou um programa que lhe permite enviar uma notificação de saúde ou um relatório de dor para o seu cuidador quando é preciso. Os seus objetivos imediatos são ser capaz de controlar a Alexa ou ligar a Netflix, bem como aprender a enviar mensagens de texto.

“Enviar mensagens de texto é um elemento realmente importante de como comunicamos com a nossa família e amigos hoje em dia”, diz o dr. Tom Oxley, CEO da Synchron, que desenvolveu o Stentrode. “Portanto é normalmente isso que as pessoas querem recuperar.”

Oxley diz que já viu alguns doentes com stentrodes capazes de escrever entre cinco e 10 palavras por minuto, um feito notável se tivermos em conta que a maioria das pessoas consegue escrever entre cinco e 20 palavras por minuto.

Mark também tem usado o dispositivo para jogar um vídeojogo de ténis de mesa semelhante ao Pong. Descreve a sensação de utilizar o aparelho como se as suas ondas cerebrais contraíssem e depois relaxassem. Cada movimento que ele quer fazer no computador tem por trás um pensamento controlado e intencional. Se ele não quiser que a barra se mexa, tem de relaxar.

O processo de treinar o dispositivo requer paciência, diz Mark, mas ele está entusiasmado por ajudar os seus médicos e a equipa da Synchron a aprenderem com ele.

“Por vezes não funciona como queremos”, diz. “Parte de estar envolvido num ensaio é que estamos aqui para aprender, estamos aqui para promover a tecnologia e fazê-la avançar.”

A ascensão e a corrida pela tecnologia BCI

Apesar de ainda estar longe de ser uma tecnologia comum, o potencial da tecnologia BCI tem estimulado o aparecimento de um punhado de empresas que se esforçam por desenvolver esta tecnologia de saúde futurista.

Dois estudos distintos publicados na revista especializada Nature em agosto mostram como os implantes cerebrais que usam tecnologia de Inteligência Artificial permitiram a doentes paralisados comunicar, traduzindo sinais neurais em texto ou num discurso via um avatar a uma velocidade nunca antes alcançada por este tipo de tecnologia.

E os investidores estão a demonstrar um forte apetite por startups e empresas de neurotecnologia que trabalham na área dos BCI. Desde a sua criação, a Synchron arrecadou cerca de 145 milhões de dólares (134,3 milhões de euros), disse a empresa num comunicado divulgado em dezembro de 2022. A Neuralink de Musk angariou mais de 323 milhões de dólares (quase 300 milhões de euros), de acordo com um documento regulatório da US Securities and Exchange Commission do final do ano passado.

“São todos um pouco diferentes”, diz à CNN Oxley, neurologista e CEO da Synchron, sobre os principais intervenientes no domínio dos BCI neste momento. Musk em particular “derramou uma grande luz sobre este campo” com o seu envolvimento na Neuralink, adianta.

Em última análise, acrescenta Oxley, “a concorrência é uma coisa boa”. E como resultado, diz, iremos provavelmente ver muitos “tipos diferentes de tecnologia a surgir para serem usados em diferentes casos”.

Com a corrida para comercializar os BCI a aquecer, os decisores políticos começam a prestar atenção. Em julho, um organismo das Nações Unidas convocou uma conferência com políticos e partes interessadas na sede da UNESCO em Paris para debater a ética da neurotecnologia emergente. A conferência terminou com um apelo à criação de um quadro abrangente para aproveitar o seu potencial e dar resposta aos riscos que encerra.

“A neurotecnologia está a avançar a uma velocidade vertiginosa”, disse António Guterres, secretário-geral da ONU, no evento. “Este progresso é um motivo para celebração – e razão para ter cautela. Temos de salvaguardar os padrões éticos e garantir a plena proteção dos direitos humanos.”

Elon Musk tem feito declarações ousadas sobre o potencial dos BCI para resolverem uma série de problemas complexos (Gonzalo Fuentes/Reuters)

O envolvimento de Musk tem alimentado controvérsia. o CEO bilionário da Tesla e da SpaceX tem proferido declarações audazes sobre o potencial dos BCI para resolver uma série de problemas complexos. A Neuralink fez manchetes internacionais este ano quando Musk disse numa publicação na rede social X que a empresa tinha implantado um chip num cérebro humano – apesar de não ter partilhado muitos mais detalhes. No início do mês, Musk também disse que o primeiro participante no ensaio humano da Neuralink consegue controlar um rato de computador com o seu cérebro. A Neuralink recebeu o aval da FDA para ensaios clínicos humanos em maio.

A Neuralink foi criticada em 2022 pelo seu tratamento de macacos durante a fase de testes. A empresa reconheceu que um macaco morreu durante uma tentativa de pôr o animal a jogar um vídeojogo semelhante ao Pong. Na altura, de acordo com a Reuters, antigos e atuais funcionários da Neuralink acusaram a empresa de se apressar a entrar no mercado,  o que resultou em mortes descuidadas de animais.

Esperança para o futuro e uma oportunidade para uma vida plena agora

Ainda há muitas coisas que Mark não consegue fazer sozinho. Consegue andar e falar e mantém alguma capacidade de movimento nos membros. Mas nos poucos anos desde que foi diagnosticado com ELA, Mark diz que já começou a aperceber-se de uma perda de destreza.

O BCI dá a Mark a esperança de que possa fazer a diferença para outras pessoas no futuro e uma oportunidade de continuar a viver uma vida plena agora.

Mark, um avô da Pensilvânia com ELA, está a participar num ensaio humano da Synchron e é um dos primeiros doentes a receber da empresa um implante cerebral com um interface cérebro-computador (CNN)

Se quiser aceder ao Audible, a sua app favorita, tem de pedir a alguém que coloque o telemóvel à sua frente para que ele possa selecionar a aplicação. Espera que, eventualmente, o implante o consiga ajudar a aceder mais facilmente aos seus audiolivros e a realizar outras tarefas diárias, até a controlar o seu alimentador robótico, que atualmente opera com o pé.

“Para mim, esta é uma oportunidade de ser capaz de fazer estas tarefas sem usar o braço”, diz.

Em última instância, diz Mark, espera que o seu envolvimento neste estudo também dê esperança a outras pessoas. Diz que essa foi a principal razão que o levou a participar no ensaio.

“É uma oportunidade de talvez me ajudar”, diz Mark. “Mas mais importante que isso, penso eu, de ajudar outros indivíduos.”

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