Obrigar quem tem casas vazias a arrendá-las “é expropriação” e penalizá-las com taxas "não pode ser porque os impostos não podem ser confiscatórios": então o que se faz?

5 fev 2023, 08:00
Rua da Rosa, Bairro Alto, habitação, casas, Lisboa, polícia. Foto: Bildagentur-online/Universal Images Group via Getty Images

Há uma proposta de Mariana Mortágua que criou celeuma - de tal maneira que o próprio Bloco de Esquerda não a sublinhou liminarmente. Em causa estão as casas vazias cujos proprietárias não as querem arrendar - e é uma discussão particularmente mais intensa num fase que há grande desequilíbrio entre a oferta e a procura no mercado de arrendamento

Mariana Mortágua, além de defender um teto nas rendas com incentivos aos senhorios, veio sugerir que os proprietários deviam ser “obrigados” a colocar no mercado de arrendamento as casas que tivessem vazias. Confrontados com isto, senhorios e inquilinos concordam que é preciso fazer chegar mais habitações ao mercado perante o cenário de crise - têm é caminhos diferentes para lá chegar.

Apesar da posição da deputada, o Bloco de Esquerda “não tem nenhuma proposta concreta neste momento”, diz o partido à CNN Portugal. Mas aponta caminhos e um deles já existe em vários municípios, incluindo em Lisboa - o agravamento de IMI para prédios devolutos, que pode tornar-se 12 vezes superior ao valor dito normal.

“Até a Câmara Municipal de Lisboa tem defendido esses mecanismos, nomeadamente através do IMI, podendo haver alternativas para incentivar as casas a poderem estar no mercado”, completa o Bloco de Esquerda.

Mas essa solução, por agora, não está a ter efeitos práticos - ou seja, não resultou em mais casas para arrendar em Lisboa, onde se estima que haja mais de 40 mil habitações devolutas -, reconhecem tanto senhorios como inquilinos.

“Essa penalização do IMI foi um fracasso total. Grande parte da falta de confiança deve-se ao enquadramento legal”, reage Luís Menezes Leitão, da Associação Lisbonense de Proprietários.

Mas se os proprietários vêm a intenção bloquista como “absurda”, os inquilinos encontram nela sentido. “A proposta tem razão e ajudava a resolver o problema da especulação. Havia mais casas e os proprietários tinham de baixar valores. É fácil obrigar os proprietários a arrendar - é dizer que vão ser penalizados em termos fiscais”, resume Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses.

Contudo, este porta-voz reconhece que em Lisboa a medida “não é o suficiente” para resolver o desequilíbrio entre a oferta e a procura, com impacto na subida dos preços.

Também os fiscalistas ouvidos pela CNN Portugal concordam que o caminho não está no agravamento do IMI. “Não se resolve tudo com impostos”, resume Tiago Caiado Guerreiro.

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Os impostos "não podem ser confiscatórios"

Mas, mesmo que se subam impostos, haverá sempre proprietários a não quererem colocar no mercado as casas que têm vazias. Então como é que se "obriga", como Mariana Mortágua defende? É pela expropriação?

O Bloco de Esquerda descarta o cenário: “Não se trata de tirar casas aos proprietários, mas de criar mecanismos para incentivar que as coloquem no mercado. Não queremos retirar nada aos proprietários”.

Todavia, os proprietários, na voz de Menezes Leitão, têm outra visão sobre o assunto: “Qualquer arrendamento forçado é uma expropriação”. E os inquilinos também discordam desta solução.

Com o agravamento de IMI a ter pouco impacto no modelo atual, Romão Lavadinho, da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, insiste que é necessário ir ainda mais longe. Como? Subir o imposto a tal ponto que ele não deixaria outra opção. Por exemplo, acima dos 40% do valor patrimonial.

Em resposta, Menezes Leitão diz que “isso é inconstitucional”. E os fiscalistas seguem no mesmo sentido: “Há uma coisa que os impostos não podem ser - não podem ser confiscatórios, tão violentos que levam a pessoa a perder o bem. Os países que o fizeram ou são ditaduras ou tiveram revoluções”, simplifica Tiago Caiado Guerreiro.

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A lista negra

Os proprietários e os fiscalistas são unânimes na avaliação: não há mais casas a chegar ao mercado porque os donos sentem ter pouco poder perante os arrendatários. Ou seja, sentem que não conseguem despejar rapidamente um inquilino se ele deixar de pagar a renda e que não conseguem ser ressarcidos dos custos de obras devido à “destruição”, em muitos casos, dos imóveis. Se o fazem, arriscam-se a anos nos tribunais.

“Há três temas-chave: assegurar e agilizar os mecanismos para cobrar rendas não pagas; agilizar a retirada de pessoas das casas quando elas não pagam; e a dedução fiscal das amortizações dos empréstimos e dos juros ao rendimento predial”, posiciona o fiscalista Luís Leon.

Tiago Caiado Guerreiro defende mesmo a criação de uma “lista negra de maus inquilinos” para dar mais segurança aos arrendatários, garantindo que não colocam nas suas casas alguém com historial de incumprimento ou violência. “Conheço casos em que até tijolos conseguiram tirar”, exemplifica.

Pelos proprietários, Menezes Leitão reforça ainda que a falta de flexibilidade nos contratos de arrendamento - não permitindo, por exemplo, um ano de arrendamento - também afasta muitos donos de colocar os seus imóveis vazios no mercado.

Os devolutos

Este exemplo é dado por António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários: uma mulher tinha um prédio na zona da Estrela, em Lisboa, que se foi degradando por ter rendas antigas, o edifício acabou devoluto e, com isso, viu o seu pagamento de IMI agravar-se; a mulher não teve capacidade de pagar, o imóvel deverá acabar nas mãos da Câmara.

“Há centenas e centenas de prédios que vão parar às mãos da Câmara. E continuam devolutos”, diz Frias Marques, para lembrar que o próprio Estado tem falhado na hora de implementar as estratégias de habitação. E não é o único.

Se Tiago Caiado Guerreiro lembra que o Estado tem muitas casas que podiam ser cedidas para habitação acessível, Luís Leon lembra que o Governo tem falhado na construção de residências universitárias, o que permitiria canalizar as habitações usadas por estudantes nas principais cidades para outras famílias.

Perante os prédios devolutos pertencentes a privados, senhorios e inquilinos concordam na solução: o Estado apoiava a reabilitação, com apoios a fundo perdido e empréstimos. Com o compromisso de que os imóveis serviriam para arrendamento acessível, e o retorno que fossem conseguindo, iriam depois abatendo esse valor.

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O que é uma casa devoluta?

Os municípios têm poder para agravar o IMI sobre casas devolutas mas nem todos o fazem. São, aliás, uma minoria. Em maio de 2022, não chegavam aos 30.

São consideradas casas devolutas aquelas que estejam desocupadas há mais de um ano. O trabalho de inventário é feito pelas autarquias, com recurso às empresas de telecomunicações, gás, eletricidade e água, que enviam anualmente uma lista da ausência de contratos nas habitações.

O agravamento do IMI aplica-se a casas em zonas de pressão urbanística e devolutas há mais de dois anos. As taxas normais de IMI variam entre 0,3% e 0,45%. À medida que os anos vão passando, o agravamento vai sendo maior, de seis até 12 vezes mais.

Não são consideradas casas devolutas, entre outras, as habitações destinadas a veraneio e as casas de emigrantes.

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