Imigrantes chegam a pagar 200, 300 e até 500 euros para ter um simples NIF. Fisco vai mudar regras para evitar abusos

17 dez 2022, 20:45

Reportagem revela o caos nas finanças com a atribuição dos números de contribuintes a estrangeiros. Autoridade Tributária confirma o problema, mas promete solução para 2023

A Autoridade Tributária (AT) vai mudar as regras dos agendamentos que permitem aos estrangeiros, nomeadamente imigrantes, pedir o número de contribuinte. O objetivo é evitar os abusos dos representantes fiscais profissionais que estão a monopolizar estes agendamentos.

A explicação foi avançada por fonte oficial da AT à TVI (do grupo da CNN Portugal) na sequência de uma reportagem sobre a atribuição do Número de Identificação Fiscal (NIF) a estrangeiros que o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos diz que está a gerar uma espécie de caos nas repartições de finanças.

O sindicato revela que existem representantes fiscais profissionais que monopolizam os agendamentos feitos pela internet: sem vagas pela via do agendamento e com raras senhas para ser atendido no próprio dia, numa altura em que Portugal atravessa uma das maiores ondas de imigração da sua história, milhares de estrangeiros são obrigados a pagar por uma representação fiscal profissional, com valores que atingem facilmente as centenas de euros.

Recorde-se que sem NIF os imigrantes não podem trabalhar o que leva milhares a sentirem-se, na prática, obrigados a contratar esse serviço depois de chegarem a Portugal.

Preços para todos os gostos

Os preços para obter o NIF através de um representante fiscal profissional variam muito. A reportagem da TVI falou com imigrantes que pagaram valores a partir dos 40 euros, apesar dos relatos mais comuns rondarem cerca de 100 euros. 

Contudo, para quem tem urgência, facilmente se encontram ofertas na internet por valores muito mais elevados que chegam a 300 euros para obter o NIF em apenas três dias, apesar das vagas para os agendamentos demorarem meses quando se liga para a linha da Autoridade Tributária.

Um dos imigrantes entrevistados à porta de uma repartição de finanças enquanto tentava obter o NIF para os filhos – que precisam desse NIF para a inscrição na escola – revela que conhece quem tenha pago 200, 300 e até 500 euros... "Um absurdo", afirma.

Os representantes fiscais profissionais "fazem muitas marcações pois trabalham de forma metódica e reservam os agendamentos numa série de serviços criando constrangimentos", adianta Gonçalo Rodrigues, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos.
Na repartição de finanças de Cascais, por exemplo, uma das maiores do país, as vagas abertas para março esgotaram num único dia e todas foram ocupadas por uma única entidade.

Jorge Almeida, delegado sindical na AT, sublinha que estes representantes fiscais, frequentemente advogados, ultrapassam barreiras de agendamento e burocracias que os imigrantes, na maioria dos casos em situação muito precária (ainda sem autorização de residência para viver em Portugal), não conseguem vencer.  

Fisco tenta resolver o problema

Na resposta à TVI, a Autoridade Tributária admite o problema e promete mudanças: "A partir de 1 de janeiro, as marcações para atribuição de NIF exigirão a identificação do cidadão estrangeiro em causa, procurando evitar a realização de agendamentos que não se destinem a um cidadão estrangeiro específico, acautelando assim que as vagas sejam efetivamente utilizadas para o efeito pretendido".

O objetivo das mudanças em curso, segundo a AT, é "evitar a realização de agendamentos simultâneos pelo mesmo representante fiscal e, por essa via, combater eventuais tentativas de utilização abusiva do agendamento".

O problema dos representantes fiscais não é, contudo, novo. Uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) homologada este ano pelo Governo, mas concluída em 2021, já tinha criticado a forma como a AT fiscalizou, desde 2015, a atribuição do NIF a estrangeiros. A maioria dos representantes fiscais analisados, que em média representavam cerca de 5.800 contribuintes estrangeiros, não tem rendimentos compatíveis com o elevado número de NIFs que representa.  

A auditoria detalha que "a Autoridade Tributária não identificou nem avaliou oportunamente o risco de omissão de proveitos pelos representantes fiscais e ainda não adotou medidas estruturais para alterar esta realidade de elevado risco", num conjunto de recomendações que a AT garante, em resposta à TVI, que já começou a implementar.
 

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