Governo pede voto do Chega para as novas medidas de imigração. Ventura estabelece condições, "custe o que custar"

25 jun, 19:24
Parlamento Leitão Amaro Carlos Abreu Amorim

Governo quer apertar as regras na nacionalidade, mas o Chega diz que as medidas apresentadas não são suficientes. A direita culpa o PS pelo "bar aberto" da nacionalidade, que levou à necessidade de agora impor mais regras. Já a esquerda alerta para a distinção entre imigrantes ricos e pobres

“O país em que vivemos tornou-se um absoluto descontrolo nos últimos anos em matéria de atribuição de nacionalidade, de imigração e de autorizações de residência", diz André Ventura. Foi por isso que o Chega pediu um debate parlamentar de urgência, marcado antes ainda de o Governo apresentar as suas propostas quer para alterar a atribuição da nacionalidade - quer para regular o reagrupamento familiar, quer para controlar as fronteiras. Essas novas medidas só vão ser debatidas na próxima semana, mas as posições dos vários partidos ficaram claras já no debate desta quarta-feira: a direita que mais regulação da imigração, a esquerda critica as medidas - que considera discriminatórias.

O líder do Chega não poupou críticas à esquerda e sobretudo ao PS, que, diz, nos anos em que governou transformou o país num “autêntico supermercado”. Ventura acusa os socialistas de terem tratado a nacionalidade portuguesa “como outro produto qualquer”, possível “de se comprar, de se vender, de se ceder ou de transacionar”. "O nosso sangue não se compra nem se vende, é nosso", disse o líder do Chega, exaltado.

“Devemos ao PS um dos maiores crimes dos últimos tempos: de ter vendido a nacionalidade portuguesa, de ter transacionado a residência portuguesa, de ter traído Portugal”, prosseguiu, criticando ainda a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e considerando que se abriram as “portas descontroladamente”. "É o bar aberto, o entrem como quiserem e vos apetecer, venham beneficiar da Segurança Social que nós, os mesmos de sempre, pagaremos".

O líder do Chega defendeu que o seu partido foi o único que "desde o dia um que quis controlar a imigração", enquanto o PSD, "com medo que o centro político se perdesse, vendeu a alma ao PS" e considerou que, tanto os últimos governos do PS como os do PSD, foram "frouxos em matéria de controlo de imigração". O Governo "veio finalmente dar razão ao Chega" - “chegou tarde ao debate”, mas “mais vale tarde do que nunca”, concluiu. 

O Chega defende que os imigrantes que adquiram a nacionalidade portuguesa devem perdê-la no momento em que cometam um crime e consequentemente ser expulsos do país.

"Quem vai mesmo perder a nacionalidade depois de cometer crimes em território português? Vamos ou não acabar com os subsídios de asilo de quem vem para cá, de quem vê recusada a entrada cá e fica a receber apoios da Segurança Social durante meses? Vamos ou não fazer uma auditoria à AIMA para garantir que todas as autorizações criminosas dadas para entrar em Portugal nos últimos anos são devidamente investigadas?", perguntou Ventura. "Este é o repto do Chega, este é o repto de uma nação que quer ver resolvido de uma vez por todas um problema que a esquerda criou, mas que cabe agora à direita resolver. O tempo não era ontem, é hoje, o tempo de fazer é agora."

À semelhança do Chega, do CDS-PP e da Iniciativa Liberal, também o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, responsabilizou o PS pela atual situação, classificando a política socialista como “um desastre” e uma “herança que se vai pagar por décadas”. Na resposta à intervenção de André Ventura, o governante garantiu que a “política de imigração em Portugal mudou e mudou mesmo há um ano, hoje é regulada, mas também regulação com humanismo” e elencou as “10 grandes mudanças” levadas a cabo pelo governo - estre as quais o fim da manifestação de interesse e as mudanças, recentemente anunciadas, à lei da nacionalidade.

Ao Chega, Leitão Amaro deixou o apelo para que vote favoravelmente as novas medidas apresentadas pelo Governo: "Eu espero que finalmente o Chega contribua com o seu voto para que haja regulação da imigração a sério em Portugal".

Reagrupamento familiar: as novas medidas do Governo

Pouco antes do início do debate, o Governo entregou no parlamento uma proposta de lei para alteração à Lei de Estrangeiros, que condiciona o reagrupamento familiar e limita o visto de procura de trabalho a imigrantes altamente qualificados. 

Na proposta, “restringe-se o visto para procura de trabalho para atividades altamente qualificadas e alteram-se as condições para a concessão de autorização de residência aos cidadãos nacionais de Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em território nacional”.

E no que respeita ao reagrupamento familiar, “os cidadãos estrangeiros apenas poderão requerer” o processo após “dois anos de residência legal em Portugal, admitindo-se os pedidos relativos a familiares que já se encontrem em território nacional, desde que sejam menores de idade”. Na prática, esta medida adia para daqui a dois anos os pedidos de reagrupamento familiar dos mais de 300 mil imigrantes que obtiveram autorizações de residência, na sequência da figura jurídica das manifestações de interesse, um recurso que permitia a regularização de quem chegava a Portugal com visto de turismo.

Para concluir o reagrupamento, é exigido aos requerentes “alojamento, próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade” e “meios de subsistência correspondentes a recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social”. Além disso, os candidatos “devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores”.

Ao contrário dos três meses previstos anteriormente, cada pedido de agrupamento familiar “deve ser decidido no prazo de nove meses”, podendo ser recusado por razões de “ordem pública ou segurança pública”, bem como de “saúde pública”.

Mas isto não é suficiente para o Chega, que quer acabar com o reagrupamento familiar. Os "números são alarmantes", disse Ventura. Neste momento ainda há 276 mil pessoas à espera de legalização, sublinhou: "Façam as contas aos familiares, menores ou não menores" que poderão vir a entrar em Portugal - serão mais de 600 mil pessoas. "Isto é alarmante e tem se der travado, custe o que custar".

Na resposta, o ministro da Presidência defendeu que as regras que regulam o reagrupamento familiar introduzem “mais exigência” e respeitaram os “compromissos e deveres internacionais de equilíbrio e respeito à dignidade da pessoa humana”. António Leitão Amaro assinalou também a “contratação de 280 mediadores culturais para ajudarem as crianças e imigrantes a aprenderem português nas escolas e se integrarem com dignidade e eficácia”.

Esquerda critica diferenciação de regras para "ricos e para pobres"

Livre, PCP e BE acusaram a direita de só se preocupar com as famílias e a nacionalidade dos imigrantes pobres, mantendo as portas abertas sem regras à imigração para quem é rico, através dos vistos gold.

“Não deixa de ser estranho que partidos que se dizem ao lado das famílias sejam os primeiros a propor limitação ao reagrupamento familiar”, afirmou Paulo Muacho, do Livre, salientando que a proposta de retirar a nacionalidade a naturalizados são medidas “muito provavelmente inconstitucionais”, tal como a diferenciação de prazos mínimos de residência para ascender à cidadania (sete anos para cidadãos de países de língua portuguesa e 10 para os restantes), por “violar o princípio da igualdade”. Sobre as disparidades entre as regras para os imigrantes e os detentores de vistos gold, comentou assim: "Não há nada que o dinheiro não possa comprar".

A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, considerou que, “se houve algum descontrolo na atribuição da nacionalidade portuguesa”, tal deveu-se à lei dos sefarditas e aos vistos gold, No caso da lei que concedia o acesso à cidadania para os judeus descendentes dos sefarditas, o diploma acabou por “se tornar um esquema de atribuição fraudulenta” para milhares de cidadãos israelitas, acusou a dirigente comunista, recordando que a "nacionalidade portuguesa era vendida por agências de viagens em Telavive”. Já os vistos gold “são "uma passadeira vermelha para uma autorização de residência”, que pode terminar na atribuição de nacionalidade, mas "aí o Chega não quer saber de critério, nem de ligação à comunidade, nem de registos criminais, nem de conhecimento da língua - haja dinheiro, é o que basta".

A direita pretende “limitar o reagrupamento familiar apenas para os pobres”, naquilo que o PCP considera ser um “retrocesso nos direitos humanos”. A imposição de novas regras, com um mínimo de residência regular de dois anos, é um critério “desumano”, mas esse é o “do PSD, CDS, Chega e IL: para os ricos há direitos sem deveres, para os pobres deveres sem direitos”.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, recordou que o Chega desconfia dos imigrantes que vêm trabalhar mas "defende qualquer um que queira ter residência em Portugal desde que pague 500 mil euros por um visto gold". "E aí não importa se fala a língua ou se é criminoso." Por outro lado, diz o BE, o Chega "quer imigrantes para trabalhar e para contribuir para a segurança social mas que o façam sem direitos, sem o direito de juntar a família. São políticos cruéis, querem a economia portuguesa a viver à custa de imigrantes pobres”. E concluiu: “A maior vergonha deste debate não é o Chega, mas é o Governo e a IL irem a reboque da política racista e xenófoba do Chega”.

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