Como um arquipélago no Pacífico Sul pode expandir o poder da China

21 abr 2022, 05:18
Ilhas Salomão (AP Photos)

Pacto de segurança entre a China e as Ilhas Salomão foi assinado de forma apressada, poucos dias antes de chegar ao arquipélago o enviado da Casa Branca. Governo das Salomão garante que não há riscos para a paz no Pacífico, mas EUA, Austrália, Nova Zelândia e Japão discordam

Um controverso pacto de segurança entre as Ilhas Salomão e a China foi formalizado nesta quarta-feira, numa cerimónia marcada à pressa. O acordo, que é contestado pelos Estados Unidos e pelos seus principais aliados no Pacífico Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. Apesar das pressões diplomáticas, o pacto de segurança entre a China e as Ilhas Salomão foi firmado pelos ministros dos negócios estrangeiros dos dois países, apenas um dia depois de a China ter anunciado a cerimónia de assinatura, que foi inesperadamente apressada.

O acordo de segurança foi anunciado em março, tendo provocado um corrupio diplomático naquela região do globo. A Casa Branca enviou uma delegação liderada pelo coordenador de Política para o Indo-Pacifico, Kurt Campbell, que deverá chegar nos próximos dias a Honiara, a capital das Ilhas Salomão. Antes, Campbell aterrou nas Ilhas Fiji, tendo-se encontrado ontem com o primeiro-ministro, Frank Bainimarama, com quem discutiu a segurança regional, segundo informação da embaixada dos EUA. Depois das Ilhas Salomão, Campbell viajará para a Papua Nova Guiné.

Tudo indica que a pressa da China para assinar o acordo com as Ilhas Salomão visou antecipar-se à chegada do enviado da Casa Branca, cujo périplo tem como objetivo fazer contravapor às manobras de aproximação de Pequim junto destes pequenos estados.

Com o pacto de segurança firmado esta semana, a China compromete-se a colaborar na defesa externa das Ilhas Salomão, sempre que tal seja necessário, podendo também ajudar na segurança interna. O acordo também prevê a cooperação económica entre os dois estados. Tudo indica que a possibilidade de Pequim ter bases navais naquelas ilhas não está posta de lado

A ser assim, Pequim vê estender-se bastante para sul a sua zona de influência no Pacífico. Com as vantagens económicas de poder explorar mares ricos em recursos naturais, mas também expandindo a sua presença militar até áreas que a Austrália e a Nova Zelândia se habituaram a olhar como seu “quintal”.

A ambição expansionista da China em águas do Indo-Pacífico não é novidade. Pequim tem-se envolvido em conflitos por causa de águas territoriais com diversos países da região: Japão, Vietname, Filipinas, Indonésia e Malásia, para além da questão de Taiwan.

O Japão reagiu esta quinta-feira, com preocupação, ao anúncio da assinatura do pacto de segurança. "Este acordo é suscetível de ter um impacto na segurança global da região, por isso estamos a observá-lo com preocupação", disse Hirokazu Matsuno, o equivalente japonês ao ministro da presidência do Conselho de Ministros.

 

“Não prejudicará a paz”

 

Falando no Parlamento no dia em que o acordo com a China foi assinado, o primeiro-ministro das Ilhas Salomão garantiu que este não irá afetar a paz ou a segurança na região. "Peço a todos os nossos vizinhos, amigos e parceiros que respeitem os interesses soberanos das Ilhas Salomão na garantia de que a decisão não terá um impacto negativo nem prejudicará a paz e harmonia da nossa região", disse Manasseh Sogavare.

Também a China desvalorizou a polémica. Segundo a Reuters, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, disse que o acordo apela à China para ajudar as Ilhas Salomão a manter a ordem social e a enfrentar as catástrofes naturais e a ajuda humanitária e não representa um risco para os Estados Unidos.

"Será que os Estados Unidos consideram as nações insulares como Estados independentes com soberania nacional, ou tratam-nas como seus apêndices?", questionou.

Apesar das garantias, o facto é que os termos do acordo não são públicos, e nem os deputados das Ilhas Salomão os conhecem. No debate parlamentar, exortaram Sogavare a divulgar os termos do pacto de segurança, o que o primeiro-ministro admitiu fazer após um "processo". Mas assegurou que a cooperação em matéria de segurança com a China não se dirigia a nenhum país ou alianças externas, "mas sim à nossa própria situação de segurança interna".

De acordo com um projecto divulgado, o pacto incluirá disposições para a polícia chinesa ajudar a manter a ordem social no arquipélago. Na quarta-feira, Sogavare disse que o documento permitirá a proteção de infra-estruturas, para evitar que se repitam motins como os que aconteceram em novembro, quando foram incendiados edifícios - nessa altura, só a intervenção das forças de segurança australianas permitiu restabelecer a paz social no arquipélago.

O pacto também prevê que os navios navais chineses se reabasteçam nas Ilhas Salomão. Porém, o primeiro-ministro disse ao Parlamento que o acordo não permitiria à China estabelecer uma base militar. 

 

“Acordos sombrios e vagos”

 

O Conselho de Segurança Nacional (CSN) da Casa Branca considerou que a iniciativa bilateral segue um padrão "acordos sombrios e vagos" propostos pela China. Um porta-voz do CSN lembrou que "o primeiro-ministro das Ilhas Salomão disse que gostaria de divulgar mais pormenores se a República Popular da China concordar”, e desafiou Pequim a “mostrar se pode ser transparente em questões de segurança que têm suscitado preocupações em toda a região por parte de muitos países insulares do Pacífico".

A Casa Branca tentou, sem sucesso, que o arquipélago recuasse no acordo, alertando para "os seus sérios riscos para um Indo-Pacífico livre e aberto". A Nova Zelândia também manifestou preocupação de que o pacto possa desestabilizar o Pacífico.

A Austrália tem-se mostrado particularmente preocupada, pois o acordo pode abrir a porta à presença militar chinesa a menos de 2 mil quilómetros de distância. Em plena campanha eleitoral, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison foi alvo de toda a oposição, que considera que este é o maior fracasso diplomático no Pacífico desde a Segunda Guerra Mundial.

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