Frias, distantes e com falta de mulheres: um retrato da vida nas Ilhas Faroé

CNN , Oscar Holland
2 abr 2023, 12:00

Nas suas impressionantes imagens das Ilhas Faroé, um arquipélago remoto entre a Islândia e a sua terra natal, a Noruega, a fotógrafa Andrea Gjestvang retrata ilhéus e meios de subsistência tão difíceis e implacáveis quanto a paisagem varrida pelo vento.

Os arrastões de pesca viajam por mares gelados. As nuvens rolam sobre montanhas escarpadas e aldeias à beira de penhascos. As roupas e botas estão manchadas com o sangue de gado e animais marinhos abatidos. Ferramentas usadas estão penduradas nas paredes dos edifícios tradicionais de madeira.

A ligação inata entre o povo faroense e os seus arredores é tecida através do novo livro de Gjestvang sobre as ilhas, "Atlantic Cowboy". Retratos aparecem ao lado de fotografias dramáticas da paisagem que reiteram as duras condições das ilhas Faroé e o afastamento das povoações ananicadas pelas montanhas vizinhas.

"Não sou fotógrafa de paisagens, mas, tal como quando retrato pessoas, quando fotografo uma paisagem, procuro humor", disse Gjestvang durante uma entrevista. "Tento pensar na paisagem também como uma espécie de retrato, ou algo que expressa sentimentos, de alguma forma."

As fotografias de Gjestvang revelam também outro aspeto desafiante da vida nas Ilhas Faroé, que pode ter sido habitada pela primeira vez por monges irlandeses no século VI: os seus residentes são na maioria homens.

O faroense Hjalmar fotografado durante o abate de ovelhas numa quinta na aldeia de Kaldbaksbotnur. Andrea Gjestvang/GOST Books

Grande parte da economia faroense gira em torno de empregos fisicamente exigentes e tradicionalmente ocupados por homens - só a indústria pesqueira das ilhas emprega 15% da mão-de-obra. Visitando-a várias vezes por ano ao longo de seis anos, Gjestvang treinou as suas lentes sobre as vidas e comunidades dos homens solteiros das ilhas. Eles são retratados a arrancar penas de aves marinhas, a cuidar de cabras ou a transportar carcaças de baleias abatidas. (A carne de baleia já foi uma parte importante da dieta faroense, embora a controversa caça à baleia e aos golfinhos suscite agora indignação global).

As mulheres jovens, entretanto, escolhem frequentemente estudar ou trabalhar em Copenhaga (as Ilhas Faroé fazem parte da Dinamarca) ou em qualquer outra parte da Europa.

Muitas nunca regressam, apurou Gjestvang. De acordo com dados do Banco Mundial, apenas 48,2% da população local em 2021 era do sexo feminino, o que a coloca entre os lugares mais desequilibrados em termos de género na Europa. Isto equivale a mais de 107 homens para cada 100 mulheres, ou um défice de cerca de 2.000 mulheres.

A geografia acidentada das Ilhas Faroé. Andrea Gjestvang/GOST Books

Este número pode não parecer enorme, mas com 17 ilhas habitadas a abrigar apenas cerca de 53.000 pessoas - e a diferença de género mais pronunciada entre os adultos mais jovens - colocam-se implicações sociais significativas. O primeiro-ministro faroense, Aksel V. Johannesen, disse que "a demografia distorcida de género" estava entre os "maiores desafios" do seu governo ao tomar posse em 2015.

Para Gjestvang, esta dinâmica ofereceu uma "oportunidade interessante para fazer um projeto sobre os homens". "Como fotógrafa, sou muito contratada para fazer histórias de saúde feminina e questões de mulheres - que são muito importantes - mas estava curiosa para virar a minha máquina fotográfica numa direção diferente."

Evolução da masculinidade

As perspetivas económicas para as mulheres faroenses parecem agora melhores do que nos anos 90, quando milhares de pessoas partiram durante um colapso económico causado, em parte, pela diminuição dos stocks de peixe. Impulsionado pelo crescimento dos setores do turismo e serviços, o PIB per capita triplicou desde 2000 e está agora ao nível do dos Estados Unidos.

O governo investiu nos últimos anos na igualdade de género e no emprego, na esperança de tornar as ilhas mais atrativas para as mulheres. "Tentaram tornar ligeiramente mais fácil ser mãe solteira", exemplificou Gjestvang, citando ofertas alargadas na universidade da capital e uma maior aceitação do trabalho à distância devido à pandemia de covid-19.

Imagem de uma carpintaria na capital Tórshavn. Andrea Gjestvang/GOST Books

A fotógrafa disse que a falta de mulheres não era evidente na capital faroense, Tórshavn, embora se tornasse "bastante visível" quando se viajava para aldeias mais pequenas. A vida social destas comunidades costeiras gira frequentemente em torno de portos, e ela passou algum tempo a visitar os locais de encontro informais onde os homens "saem, bebem cervejas e conversam".

Mas as fotografias de Gjestvang também oferecem um retrato sincero dos homens nas suas próprias casas. Vários são captados sentados ou deitados sozinhos em sofás, enquanto outros são retratados com animais de estimação ou parentes do sexo feminino. Nas entrevistas que realizou, algumas publicadas no seu livro, os entrevistados abriram-se sobre as realidades da vida numa sociedade dominada pelos homens. "Peço a Deus para que encontre uma esposa", disse-lhe um homem solteiro. "Mas acho que ele não me ouve."

A fotógrafa acredita, contudo, que a maioria dos homens que ela documentou não eram solitários - graças, em parte, à natureza unida das famílias faroenses. Como lhe disse alguém de 40 anos: "Os fortes laços familiares tornam-se um substituto. Eu já tenho uma família, apesar de não ter mulher e filhos. Quando se tem uma família alargada e unida, temos a liberdade de ser nós mesmos e de encontrar paz com isso."

"Um homem que entrevistei disse-me que as Ilhas Faroé são o recreio perfeito para os homens", acrescentou a fotógrafa, explicando o título do seu livro. ("Atlantic Cowboy" é um termo emprestado de um livro com o mesmo nome de 1997 e posteriormente utilizado por Firouz Gaini, professor de antropologia na Universidade das Ilhas Faroé, que estudou a dinâmica de género da nação e escreveu um prefácio para Gjestvang.)

"É um lugar onde se pode pescar e estar ao ar livre e a liberdade é interminável, de alguma forma", disse Gjestvang.

O faroense Fróði descansa sobre a carcaça de uma baleia após uma caça, tradição controversa das Ilhas Faroé. Andrea Gjestvang/GOST Books

Décadas de demografia desigual contribuíram, entretanto, para uma identidade nacional que continua a celebrar virtudes de força e coragem, acrescentou a fotógrafa.

"Ser forte, sustentar-se a si próprio e à sua família tem sido um valor importante", disse. "A ideia do homem forte está muito presente, e dá para ver... Este tipo de masculinidade ganhou muito respeito, e tem sido muito procurado."

"Penso que isto afetou, naturalmente, a sociedade, embora eu diga que as mulheres faroenses também são muito fortes - são duras, também."

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