"Atava-me os testículos com um fio", "não imaginam o que é ter oito anos e ter de chupar um pénis", "ele dizia que aquilo não era paneleiro": relatos de como os padres iam às casas das crianças para abusarem delas

13 fev 2023, 16:44
Igreja Católica (AP Photo/Martin Meissner)

Os relatos fazem parte do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa e mostram como membros da Igreja aproveitavam a proximidade e a confiança das famílias para abusarem de menores ESTE ARTIGO CONTÉM CONTEÚDO EXPLÍCITO QUE PODE CHOCAR OS LEITORES

Como uma rapariga viu o irmão a ser violado por um padre 

Esta é a história de um homem nascido na década de 1940 que foi abusado pelo padre num anexo da própria casa quando tinha 13 anos. Aconteceu no seio de uma família pobre de uma área rural do interior da região Norte. O padre, na casa dos 40 anos, era visita frequente na casa da família após a morte do pai - o pretexto é que ia dar apoio à mulher e ao rapaz, que se tinha tornado “muito revoltado” com a perda do progenitor. O testemunho foi revelado pela irmã da vítima, tendo sido escrito por uma sobrinha.

“Julgo que ninguém sabe disto”, começa ela por contar, explicando que o irmão já faleceu. Mas “o que eu vi não foi bonito e não posso ir eu para o outro mundo falecendo e carregar comigo este segredo”.

O irmão era “muito bonito e perfeito, branquinho de pele”. Quando foi espreitar no anexo da casa, confrontou-se com o irmão a ser abusado sexualmente por um padre. “Estava ele despido de calças e roupa para baixo e o padre assim meio que no chão a pôr o órgão dele na boca.”

O episódio causou muita estranheza e “pareceu tudo muito a passar muito rápido”. Bastou desviar o olhar para as coisas mudarem. “Quando voltei a olhar estava o meu irmãozito, coitado dele o que sofreu, sei lá eu o que aquela alma pode ter sofrido, estava ele agora no chão como um animal e ele por trás, o padre, a enfiar-se nele e ele aflito de lágrimas de chorar”.

A mulher faz ainda outra associação, já que era ela a responsável por lavar a roupa da família: “Por essa altura, a roupinha dele tinha sempre sangue e eu penso que percebia que podia ser daquilo que eu vi”.

Atava o pénis e os testículos

Outro caso: duas semanas de férias em casa dos avós, comerciantes no litoral Norte, transformaram-se num pesadelo para este rapaz, então com 13 anos, nascido na década de 1960.

O padre, com cerca de 50 anos, visitava a família ao final da tarde porque os avós “davam muito dinheiro para a paróquia, que estava em obras”. “Dizia aos meus avós que ia dar uma volta comigo na quinta e ensinar algumas coisas pois eu portava-me muito mal na escola e andava revoltado, já que os pais tinham emigrado.”

O que se seguia, longe da vista dos adultos, incluía beijos, masturbação e sexo oral. E o pároco revela os seus desejos mais obscuros. “Tinha uma tara, atava-me o pénis e os testículos com um fio à volta, dizia que assim ‘tudo espremidinho’ era melhor para ficar ‘grosso e deitar mais’”, recorda a vítima.

E acrescenta: “Tinha medo de que os empregados dos meus avós descobrissem o meu esperma no chão, voltava depois atrás para tapar com terra”.

"Isto não tem nada de paneleiro"

A denúncia é feita na primeira pessoa: um rapaz nascido no início dos anos 2000 e que aos 12 anos, enquanto frequentava o 6º ano de escolaridade, acabou abusado sexualmente pelo próprio padrinho de batismo e primo, que era um jovem seminarista na altura.  

Foi abusado ao longo de todo o ano letivo, sempre às segundas e quintas entre as 18:00 e as 19:00, quando o seminarista dava explicações ao rapaz, que tinha dificuldades na escola e precisava de melhorar a nota.

“Acabava sempre naquilo, 'anda, vamos fazer aquilo de que gostas, não tem mal, sou teu primo e padrinho, isto é uma brincadeira, quando estiveres com uma mulher já sabes mais, que isto não é nada de paneleiro'.”

Os abusos aconteceram no seio de uma família operária de uma região industrial no litoral da região Norte. A vítima vivia com a mãe e a irmã. O pai tinha falecido.

Exibição e toque nas zonas genitais, beijos, masturbação, sexo oral e sexo anal fazem parte da lista de abusos, que só terminaram quando a mãe decidiu que ele não necessitava de mais explicações e o rapaz acabou por mudar de escola.

“Havia mais miúdos: não sei, ele também dava explicações ao X, que era meu vizinho ao lado e que tinha um irmão um ou dois anos mais velho, o Y.”

Vergonha e culpa ditaram o silêncio da vítima, que acabou inclusive gozada por colegas dos treinos de futebol. “Quando acontecia anal doía muito…uma vez eu tinha o treino de futebol às terças e quintas e sextas. Quinta também era explicação. Estava a correr e deitei sangue pelo ânus, mas não percebi. E fui gozado por outro rapaz que disse ‘olha o D tem sangue pelo cu’. Os outros riram-se e um mais velho disse assim ‘olha, ele anda a tomar no cu’.”

"Não imaginam o que é ter oito anos, olhar para cima e ter um pénis na cara e ter de o chupar"

“Começámos por brincar ou por estudar?” Por "brincar" o padre entendia exibir os genitais e obrigar um rapaz de oito anos a fazer-lhe sexo oral.

O caso aconteceu numa grande cidade do país. Após o divórcio dos pais, o rapaz, nascido na década de 1990, passou a viver com a mãe e os avós.

O rapaz tinha dificuldades na escola e foi então que o padre, na casa dos 30-40 anos, considerado um “amigo da família”, se conseguiu aproximar da vítima, dando-lhe explicações nas matérias onde sentia mais dificuldades.

“Não imaginam, desculpem a imagem pois estudo arte, o que é uma criança em posição fisicamente mais baixa, claro, a olhar para cima e a ver em cima da sua cara um pénis durante anos e anos e ter de o chupar e mexer e ver aquela coisa a crescer, peço desculpa, fico por aqui.”

Os abusos estenderam-se durante quatro anos. As denúncias foram sendo silenciadas porque tinha medo de que o padre divulgasse que era um “mariquitas”.

“Mexeu com a minha sexualidade. Sinto-me, por vezes, homossexual, já repeti várias vezes ao longo da vida com outros rapazes o que esse monstro me pedia (o sexo oral indiscriminado), mas não sei, é tudo muito muito confuso ainda para mim.”

O abusador das irmãs - e os pais não acreditaram nas vítimas  

A história aconteceu numa família de classe média-alta numa grande cidade do país. A vítima, nascida na década de 1960, tinha 10 anos quando foi abusada pelo sacerdote, que era presença habitual na casa.

“Enquanto esperávamos a chegada do meu pai para jantar, o padre brincava connosco e via desenhos animados.” Mas o pároco tentou depois colocar a mão e mexer nos seios da rapariga. Ao aperceber-se da intenção, ela fugiu para o quarto e trancou-se.

“Falando baixinho do outro lado da porta, ele disse algo parecido com ‘foi só uma delicadeza, um gesto de carinho, não te magoei, pois não?’.”

Nessa noite não jantou, inventando uma dor de cabeça. Horas depois contou aos pais o que se passou: “Julgo que não conseguiram acreditar-me, ficaram em silêncio uns segundos e mandaram-me deitar. Nunca mais tocaram no assunto comigo: nem quando, um pouco mais velha - talvez 13 anos -, cansada das habituais visitas deste padre (e, consequentemente, da minha fuga para o quarto em cada uma dessas vezes), senti o dever de iniciar de novo o tema, o que foi abafado imediatamente por eles, com desinteresse e mutismo”.

As tentativas de abuso arrastaram-se durante meses. A rapariga tentou proteger as irmãs, mas não o conseguiu: a mais nova disse-lhe que “o mesmo se passara com ela”.

"Metia-me a mão enquanto afagava os genitais dele"

O testemunho é contado por uma mulher que hoje é mãe e avó, tendo nascido na década de 1950. Na aldeia onde vivia fixou-se um padre “após uma longa missão numa antiga colónia portuguesa”. O pároco era amigo da família e já “faleceu há cerca de 60 anos”. À altura dos abusos, a vítima tinha seis ou sete anos.

“Se me apanhava sozinha, tinha a prática de me agarrar, levantar as saias e meter uma das suas mãos pelas minhas pernas acima, encostando-me a ele e afagando os seus genitais com a outra mão”, conta.

Os abusos repetiram-se várias vezes, até a criança “começar a fugir dele”. “O padre está morto e enterrado e os crimes prescreveram. No entanto há marcas que ficam para a vida.”

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