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O que alguns bispos estão a fazer é criminoso

14 mar 2023, 12:54

A forma como uma parte relevante da hierarquia da Igreja Católica portuguesa tem reagido e agido face às conclusões do relatório da Comissão Independente para os abusos sexuais é a prova acabada de que esta instituição não aprendeu nada com os erros do passado. Toldada pela arrogância do poder, da falta de humildade e de uma visão retrógrada, a Igreja portuguesa continua a colocar pregos no caixão da fé, da moral, dos valores e da dignidade humana.

Não estamos a falar de figuras menores na estrutura da igreja portuguesa. Estamos a falar – e é preciso dizer os nomes deles em voz alta — do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, do bispo do Porto, D. Manuel Linda, ou do presidente da Conferência Episcopal, D. José Ornelas. Isto para já não falar do bispo de Beja, que se esconde atrás daquela figura de pateta para continuar a gozar com as vítimas, com os fiéis e até com Deus.

O sorriso cínico denuncia-lhe a arrogância de quem se julga inimputável. D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa, decidiu não apenas manter todos os padres suspeitos em funções, como responder em tom jocoso à eventualidade de a Igreja pagar indeminizações às vítimas dos abusos, por considerar que isso seria “ofensivo” para as próprias vítimas. Ofensivo? Ofensivo é ver um dos mais altos representantes da Igreja Católica portuguesa cuspir na cara dos inocentes que sofreram às mãos de padres durante anos.

Mas não está sozinho. Depois de ouvir as críticas do Presidente da República – figura que, nessas críticas, é insuspeita, já que, durante meses, andou a pôr a mão por baixo da hierarquia da Igreja —, D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal, veio dizer que respeita a opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, mas não concorda com ela. Como se do que estamos a tratar fosse uma mera questão de opinião, de mera interpretação legal ou da lei canónica. O que o Presidente da República disse é apenas básico para qualquer pessoa que esteja de boa-fé numa crise tão grave como a dos abusos sexuais na Igreja. E a reação de D. José Ornelas revela apenas uma total e absoluta falta de noção, de desobediência ao Papa Francisco e à Bíblia. Mais importante ainda, representa um total desprezo pelas vítimas que sofreram nas mãos de quem se diz representante de Cristo na terra.

As mentiras sucessivas de alguns Bispos, de que a Comissão Independente não forneceu dados suficientes para a suspensão dos padres suspeitos ainda no ativo, são uma pequena parte dos pecados que um dia terão de expiar a quem de direito, já que a justiça dos homens, a eles, nunca lhes tocará. Mas a recusa da suspensão desses mesmos padres suspeitos invocando uma espécie de caça às bruxas é não só um insulto à nossa inteligência, mas também um ato criminoso.

Tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta. Todos e cada um destes bispos que agem com passividade e indiferença à realidade dos abusos na Igreja Católica portuguesa são cúmplices dos crimes perpetrados. E, já que não têm a humildade de se afastarem pelo seu próprio pé, precisam de ser corridos do templo, como vendilhões que se aproveitam da vulnerabilidade dos outros.

A Igreja portuguesa precisa de um sobressalto dos católicos. Na defesa da instituição, dos valores que ela deve representar e, sobretudo, na defesa dos mais vulneráveis. Se alguns bispos – felizmente não todos – não respeitam o Papa Francisco, nem parecem muito temerosos ao Deus que invocam, cabe aos fiéis, aos que não tomam o todo pela parte, aos que têm fé e acreditam na regeneração de uma instituição secular, dar sinais claros de que não se sentem representados por estas figuras. Cabe aos católicos, em primeira instância, saber separar a sua fé de uma igreja que é feita de homens, deixarem-se de beatices e começarem a pensar pela sua própria cabeça.

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