Bispo dos Açores e arcebispo de Évora suspendem padres no ativo suspeitos de abusarem sexualmente de menores

CNN Portugal , MJC
8 mar 2023, 15:19

Estas decisões surgem depois de o cardeal-patriarca, Manuel Clemente, e o bispo José Ornelas terem dito que estavam contra a suspensão dos padres suspeitos. Há divisões dentro da Igreja

São três os padres afastados esta quarta-feira por constarem na lista de alegados abusadores que foi compilada pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa: um foi afastado pela Arquidiocese de Évora e dois pela Diocese de Angra. O afastamento é preventivo até que sejam concluídas as investigações sobre as denúncias relativas a estes padres.

Segundo o comunicado da diocese dos Açores, o bispo falou com os dois sacerdotes, um de São Miguel e outro da ilha Terceira, que "em conjunto acordaram que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia". Este processo "já foi iniciado na diocese", "de acordo com as normas canónicas". O bispo fará ainda a posterior participação ao Ministério Público.

O bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues, refere que o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal continha denúncias "relativas a oito casos" na região dos Açores. "Estes alegados abusos terão sido cometidos entre 1973 e 2004, por pessoas diferentes, quatro delas - três sacerdotes e um leigo - já faleceram. Dos quatro restantes alegados abusos, dois não foram considerados casos relevantes pela Comissão Independente ao cruzar dados entre as denúncias feitas à Comissão e a investigação histórica aos arquivos da diocese", acrescenta, em comunicado.

A diocesa açoriana garante ainda que já recebeu outra denúncia, após ter sido relevado o relatório da Comissão Independente, mas que esta envolvia "um sacerdote de São Miguel já falecido".

Já o comunicado da arquidiocese alentejana esclarece que a Comissão fez chegar ao Arcebispo de Évora, no passado dia 3 de março, os nomes de dois alegados abusadores, referidos nos testemunhos recolhidos. O primeiro "morreu há alguns anos", pelo que o processo "considera-se extinto", refere o comunicado. O segundo nome "não trazia nenhuma informação complementar e a investigação efetuada nos arquivos diocesanos não encontrou nenhuma denúncia ou inquirição prévias". A informação complementar foi pedida à Comissão Independente, que respondeu terça-feira, dia 7 de março, dando conta de alegados abusos "ocorridos contra rapazes na década de 1980, no Seminário Menor".

O Arcebispo de Évora "pediu à Comissão Diocesana de Proteção e Segurança de Menores e Pessoas Vulneráveis para dar início à investigação prévia que seguirá depois para o Dicastério da Doutrina da Fé, em Roma". A informação foi igualmente enviada para o Ministério Público e, enquanto decorrem ambas as investigações, o padre fica suspenso preventivamente.

 "Enquanto decorrem as investigações, o prelado eborense decidiu pelo afastamento cautelar do sacerdote do ofício de pároco e de todas as atividades pastorais que incluam contacto com menores, sem prejuízo da sua presunção de inocência", explica o comunicado.

Conferência Episcopal dizia não ter dados para suspender os padres

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou na semana passada que não ia suspender os padres suspeitos de abusos sexuais por não ter dados dados suficientes para agir. Têm sido muitas as vozes, dentro e fora da Igreja, que têm criticado essa posição dos bispos.

"Para fazer justiça é preciso saber se há um abusador, quem, quando, em que circunstâncias", afirmou José Ornelas, presidente da CEP. E, portanto, se isso não é descoberto e não tem plausibilidade, se não há um acusador, um deponente, que tenha nome, a quem se possa contactar... Não basta dizer 'aconteceu isto' - tem de se saber quem é que diz 'aconteceu isto', onde, quando, em que circunstâncias... "  Segundo José Ornelas, cada nome da lista entregue pela Comissão  Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa "tem de ser considerado em cada diocese para decidir quais as medidas adequadas a tomar e, se houver plausibilidade de pôr em perigo outras pessoas e a persistência de abusos", agir-se-á. Só nesse momento se pode determinar o afastamento de algum dos padres, nunca antes, disse.

Também o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, declarou que a Igreja só poderia atuar se tivesse factos para juntar aos nomes que constam da lista apresentada. “Aquilo que nos foi entregue pela Comissão Independente foi uma lista de nomes. Se essa lista de nomes for preenchida por factos, tanto nós como as autoridades civis podemos atuar”, disse Manuel Clemente.

O psiquiatra Daniel Sampaio, membro da Comissão Independente, desmentiu a ideia de que a Igreja não tinha dados para agir: “Quando o cardeal-patriarca diz que a Igreja não tem dados não é verdade”, afirmou o psiquiatra. "Não é verdade que é só uma lista de nomes”, disse, esclarecendo: “A lista foi obtida a partir das denúncias de vítimas – em que a vítima X diz que foi abusada pelo padre Y – e da investigação resultante do Grupo de Investigação Histórica junto dos arquivos. E a lista que foi entregue resulta da junção destas duas."

Esta mesma posição já tinha sido tomada pelo pediatra Pedro Strecht, presidente da Comissão Independente, que logo na sexta-feira declarou: “A lista que foi entregue faz parte daquilo que a igreja já sabe também diocese a diocese. Esses dados foram trabalhados também pelo grupo de investigação histórica na pesquisa que foi realizada nos arquivos históricos e secretos, portanto não vejo assim motivo para preocupação”, disse, sublinhando que a igreja dispõe de “dados sobre cada um desses casos”.

“Há vários mecanismos de que a igreja dispõe e que certamente poderá usar mesmo dentro do direito canónico e de perceber também o que acontece diocese a diocese. Não tenho dúvidas de que cada senhor bispo desejará saber o mais possível o que é que pode estar a acontecer na sua diocese, para prevenir e, sobretudo, para que o futuro em cada local seja sempre garantido de uma forma diferente e saudável. Senão não fazia nenhum sentido que a própria igreja tivesse pedido este estudo há cerca de um ano e obviamente não fosse capaz de lidar com esses dados. Vai com certeza ser capaz de lidar com esses dados”, afirmou Strecht.

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