Igreja diz ainda que está envergonhada. Relatório da Comissão Independente "é uma ferida aberta, que nos dói e nos envergonha
"O relatório hoje publicado exprime uma dura e trágica realidade. Houve e há vítimas de abuso sexual, provocado por clérigos e outros agentes pastorais. O relatório assinala várias consequências destes crimes, que podem ter estado na origem de dramas e sofrimentos incomensuráveis, que marcarão vidas inteiras. É uma ferida aberta, que nos dói e nos envergonha. Pedimos perdão a todas as vítimas." Estas foram as palavras do bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal (CEP), em reação ao relatório apresentado esta segunda-feira pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
Dirigindo-se à vítimas, o bispo reafirmou: "Nas vossas vidas atravessou-se a perversidade, onde nunca deveria ter estado. O vosso testemunho é para nós um pedido de ajuda a que não podemos nem queremos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro."
"Pedimos desculpa por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno e por nem sempre termos gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores. Cremos, apesar de tudo, que a mudança está a acontecer."
A mudança passa também pelo trabalho desta comissão, criada pela CEP com a convicção de que "menores e pessoas frágeis têm de sentir proteção e segurança nos ambientes da igreja católica, como nos pede insistentemente o Papa Francisco", explicou Dom José Ornelas. As conclusões não podiam ser mais trágicas: a comissão validou 512 testemunhos relativos a uma estimativa de 4.815 vítimas de abusos desde 1915.
"Os abusos de menores são crimes hediondos. Quem os comete tem de assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades civis, criminais e morais daí decorrentes." É preciso, pois, que os culpados "se arrependam, que peçam perdão a Deus e às vítimas, que procurem uma mudança radical de vida, com a ajuda de pessoas competentes". A este propósito, o bispo lembrou que "o Papa diz muito claramente: abusadores de menores não podem ter cargos no ministério" - "desde que seja provado".
A CEP vai analisar o relatório e "procurará encontrar os mecanismos mais eficazes e adequados para promover uma maior prevenção e para precaver os casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade", garantiu o presidente. "A intolerância para com os casos de abusos tem de ser uma realidade em toda a Igreja e, por isso, não toleraremos abusos nem abusadores."
Nesse sentido, está já marcada uma assembleia plenária extraordinária da CEP para o dia 3 de março, que será inteiramente dedicada a este tema. Nessa altura, espera, devem ser já anunciadas algumas medidas que permitam prevenir a existência de mais abusos.
Duas medidas parecem imediatamente claras a este responsável: por um lado, explicitar as indicações para que todos os "casos destes devem ser comunicados a quem de direito"; por outro lado, a revisão dos protocolos de formação de todas as pessoas da Igreja que lidam com crianças, como padres, catequistas, professores e outros.
"A Comissão Independente termina o seu trabalho mas é preciso que sejamos capazes de continuar a dar voz ao silêncio dos mais frágeis, contribuindo para uma cultura de transparência, não só na Igreja mas em toda a sociedade." O presidente da CEP sublinhou que "este não é um processo acabado, é um processo iniciado".
Dom José Ornelas deixou também uma palavra a todos os religiosos: "Se a Igreja não pode tolerar os abusos, também é verdade que a vida da Igreja em Portugal não se encerra nesta questão", disse, sublinhando que "a realidade dos abusos não pode fazer o imenso bem" que é feito todos os dias pela Igreja.