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Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

Inteligência artificial ao serviço da desinformação

14 fev, 22:22

A China está ampliando a aplicação de tecnologias avançadas, como inteligência artificial (IA), em suas táticas militares e campanhas de desinformação digital com o objetivo de fortalecer sua influência política no cenário global. Especialistas internacionais expressaram preocupações sobre o possível impacto disso na segurança mundial.

Pesquisadores como Kirsten M. F. H. M. van Dongen associada ao Centro Holandês de Estudos de Segurança (Netherlands Institute of International Relations 'Clingendael'), já perceberam que a China está progredindo na obtenção de informações de outras nações, visando se firmar como uma potência que pode exercer controle e obter vantagens estratégicas, tanto no âmbito militar quanto econômico e político. Um fato que comprova isso é o grande esforço em militarizar tudo que envolve tecnologia.

Cientistas de instituições vinculadas ao Exército de Libertação Popular (EPL) utilizaram uma versão inicial do modelo Llama AI da Meta para desenvolver o ChatBIT, uma ferramenta de IA voltada para a inteligência militar, conforme reportado pela Reuters. O ChatBIT foi projetado para processar e analisar informações críticas, superando outros modelos de IA e apresentando desempenho comparável ao do ChatGPT-4.

Integrantes do Centre for European Reform (CER), que frequentemente pesquisa a política da tecnologia europeia em relação à concorrência com a China, identificaram que especialistas militares do EPL estão realizando pesquisas sistemáticas e procurando aproveitar o potencial dos LLMs (modelos de linguagem de grande escala) de código aberto, particularmente aqueles desenvolvidos pela Meta, para aplicações militares.

Embora a Meta disponibilize publicamente modelos de IA como o Llama, ela impõe restrições para prevenir seu uso em contextos militares, de guerra e espionagem. No entanto, essa natureza acessível torna difícil seu controle. O Google divulgou, através da Reuters, que qualquer utilização por parte do ELP não seria autorizada e contraria as suas políticas de utilização.

Algumas instituições como o Chatham House, no Reino Unido, acompanham com apreensão a publicação da Reuters de que a Aviation Industry Corporation of China, associada ao ELP, utilizou o Llama 2 para desenvolver estratégias de interferência em guerras eletrônicas aéreas. O modelo de IA também foi empregado em segurança interna, especificamente na vigilância policial, para processar grandes quantidades de dados e aprimorar a tomada de decisões policiais.

A China iniciou sua jornada tecnológica clonando produtos ocidentais, mas rapidamente evoluiu para uma estratégia mais sofisticada. Ao comercializar seus produtos, o país inseriu dispositivos de espionagem e rastreamento, transformando a exportação de tecnologia em uma ferramenta para coleta de inteligência e influência global.

A China, impulsionada pela inteligência artificial, está elevando suas operações de desinformação a um novo patamar. Modelos de IA como o Llama permitem a criação de conteúdo falso cada vez mais sofisticado e personalizado, tornando as campanhas de desinformação chinesas ainda mais eficazes e difíceis de detectar. A interconexão dessas campanhas, aliada ao uso de IA para análise de dados e identificação de vulnerabilidades, representa uma ameaça significativa à segurança global. Possivelmente a China, juntamente com a Rússia, usam o conflito na Ucrânia como laboratório no desenvolvimento de estratégias que podem ser usadas contra outros países rivais.

Recentemente, o portal de notícias “The Record News” divulgou que, no ano passado, o Google bloqueou vários de sites e domínios relacionados à Glassbridge, um grupo composto por quatro empresas chinesas, acusadas de operar redes de notícias falsas como parte de uma campanha de influência. Nos últimos três anos, centenas de sites vinculados a essa operação foram impedidos de funcionar por disseminar narrativas estratégicas disfarçadas de conteúdos legítimos.

Esses sites se posicionavam como veículos de comunicação independentes, utilizando uma abordagem local e adaptando suas mensagens para influenciar públicos regionais específicos. O intuito era apresentar desinformação sob a forma de notícias confiáveis, uma tática também observada nas campanhas de desinformação promovidas pela Rússia e pelo Irã.

Dessa forma, percebe-se que a China está utilizando a engenharia social em grande escala, contratando pequenas empresas para criar sites que se passam por mídias independentes. Essa estratégia permite manipular a opinião pública e disseminar desinformação de forma mais eficaz, atendendo aos objetivos estratégicos do governo."

Os sites geraram centenas de domínios falsos que replicavam conteúdo favorável à China, como artigos do jornal estatal Global Times, e temas relacionados a disputas territoriais no Mar do Sul da China, na Taiwan, no Falun Gong e em outras áreas sensíveis.

Os alvos incluíam regiões estratégicas como Europa Oriental, Oriente Médio, África, Ásia, Estados Unidos e comunidades da diáspora chinesa, apresentando-se como fontes locais de informações. Além disso, as empresas estavam adaptando e compartilhando conteúdos entre diversas redes de sites, reforçando narrativas que favorecem os interesses da República Popular da China.

Ao disseminar notícias falsas através de uma rede de sites disfarçados, a China está conduzindo uma sofisticada operação de influência global. A reprodução dessas informações por veículos de comunicação tradicionais amplifica o alcance da desinformação e erode a confiança nas instituições democráticas. A utilização de tecnologias como a inteligência artificial para gerar conteúdo falso torna essa estratégia ainda mais eficaz.

O Citizen Lab, laboratório de segurança cibernética da Universidade de Toronto, acompanhando as técnicas, táticas e procedimentos das IOs chinesas, identificaram que elas estão em permanente mutação e seu volume de atividades está se expandindo. O relatório do laboratório chamou de Paperwall uma campanha online coordenada pela China. Os sites associados ao Paperwall se apresentam como veículos de notícias locais em países da Europa, Ásia e América Latina. Em fevereiro de 2024, o Google excluiu mais de 100 sites do Paperwall do Google News. Esses sites mesclavam artigos copiados, conteúdos do estado chinês, comunicados de imprensa e teorias da conspiração.

Uma publicação no portal “The Guardian” alerta sobre um conceito emergente chamado “Pink Slime”, que descreve a saturação da internet por sites de notícias falsas, muitas vezes gerados por inteligência artificial ou propagandas de nações como Rússia, China e Irã. O The Record News reforçou dizendo que essa situação piorou pela ascensão de ferramentas como o ChatGPT e pela decadência do jornalismo regional.

A desinformação em massa desafia tanto a mídia quanto o público. É fundamental que os cidadãos desenvolvam um senso crítico mais aguçado, questionando as informações que consomem e buscando fontes confiáveis. Ao mesmo tempo, a mídia local precisa se adaptar a esse novo cenário, investindo em ferramentas e metodologias para combater a disseminação de notícias falsas.

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