Cinco menores portugueses tiveram de ser ligados à ECMO devido à covid

7 fev 2022, 21:08

A ECMO, ou oxigenação por membrana extracorporal, é o último recurso para casos graves. “Muito mais duro do que dizer que um filho vai ficar em ECMO é dizer que não há mais nada a fazer”

Cinco menores de idade estiveram ligados a uma máquina por a covid-19 os ter feito entrar em falência cardíaca e respiratória. Antes do bebé infetado com SARS-CoV-2 que está neste momento internado no Hospital de São João, no Porto, outros quatro menores foram submetidos a esta tecnologia de ponta, que permite a oxigenação do sangue fora do corpo, substituindo a função pulmonar. Conhecida como ECMO (oxigenação por membrana extracorporal), é o último recurso para casos graves de covid-19.

Dos quatro casos anteriores, dois estiveram internados no Hospital de Santa, em Lisboa, um terceiro no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e um quarto também no São João. Nestes dois últimos casos tratava-se de dois adolescentes de 17 e 16 anos, respetivamente.

Todos os quatro menores infetados com covid-19 que foram tratados com o recurso à ECMO conseguiram sobreviver, o quinto - o bebé do São João - continua internado. Segundo os especialistas, apesar de os bebés e crianças serem mais frágeis, a recuperação depois da ECMO pode ser mais rápida.  "A criança é mais plástica, tem mais capacidade de recuperar completamente em relação a um adulto”, diz a pediatra Maria Joao Batista, garantindo que, apesar de o recurso a esta técnica ser sinal de que a situação é grave do ponto de vista clínico, é também uma“esperança”. “Muito mais duro do que dizer que um filho vai ficar em ECMO é dizer que não há mais nada a fazer”, afirma a também diretotra clínica do Hospital de São João, que lida com pais de forma diária.

Um dos problemas que levaram menores a terem de ficar ligados a esta máquina foi a Síndrome Inflamatória Multissistémica Pediátrica (MIS-C), que é causada pelo SARS-CoV-2 e que provoca a  inflamação de vários órgaõs, em especial os pulmões e coração. No Hospital de Santa Maria, esta situação verificou-se nos dois casos que ali estiveram.

Ainda assim, os especialistas dizem que não é a ECMO em si que vai tratar o doente mas sim permitir a criação de condições para que esse tratamento seja feito de forma mais eficaz. O coordenador de Medicina Intensiva do Hospital de São João, Roberto Roncon, lembra que há casos em que essa utilização não faz sentido. “Se iniciarmos o ECMO tarde, não vai ser o ECMO que vai fazer a diferença, porque vai ser iniciado numa fase em que a lesão pulmonar grave já está estabelecida”, explica, lembrando que, mesmo no caso de pessoas saudáveis, a recuperação de alguém que esteve com ECMO pode ser mais prolongada.

De acordo com um inquérito da Organização Europeia de Suporte de Vida Extracorporal (EuroELSO), que agrega alguns hospitais europeus, foram registados pelo menos 19 casos de crianças e adolescentes que por causa da covid-19 tiveram de ser submetidos a ECMO. 

A complicada gestão de um caso pediátrico

Esta técnica é usada em Portugal desde 2010. Além da covid-19, tem sido essencial para casos pediátricos graves. No Hospital de São João, desde o início da pandemia, em março de 2020, foram registados 18 casos de menores ligados a ECMO, dois por covid-19 e outros 16 por quadros clínicos diferentes.

Segundo a pediatra Maria João Baptista, trata-se de um procedimento transitório que visa dar tempo ao coração ou aos pulmões para se restabelecerem. Isso pode acontecer por miocardite ou insuficiência respiratória, como no caso de uma infeção por covid-19, mas também em casos de transplantes de órgãos, em que o doente ainda está à espera para receber o novo órgão, mas tem de ser colocado em ECMO a meio do processo.

A também diretora clínica do Hospital de São João admite que, nos casos pediátricos, tem de haver uma gestão que vai muito além da parte médica e que também implica uma forte componente emocional e de comunicação. A ECMO pode ser utilizada desde recém-nascidos até idosos, mas a técnica muda consoante a idade. “Uma criança jovem é diferente de um bebé. A forma como colocamos os cateteres é diferente, é tudo muito mais delicado, muito mais complexo”, refere Maria João Batista.

Para Roberto Roncon, esta é uma experiência difícil e os pais percebem a dificuldade de todo o processo: "Quando vamos dizer as coisas, nomeadamente uma má notícia, os pais dizem-nos 'eu já sabia'". Por isso mesmo, o intensivista diz que o mais importante é "estar presente e dar o melhor": "Isso é que é comunicar com a família".

A ECMO nos adultos

Durante a pandemia, 319 adultos estiveram ligados a ECMO por causa da covid-19, segundo dados recolhidos pela CNN Portugal. Trata-se de situações distribuídas por seis hospitais portugueses. A média de idades dos doentes rondou os 50 anos e a grande maioria era do sexo masculino.

Entre estes mais de 300 casos estão algumas grávidas. Uma delas  esteve internada no Hospital de São João, tendo dado à luz em janeiro. Neste mesmo estabelecimento foram registados ainda outros dois partos de grávidas ligadas a ECMO, sendo que num deles a criança acabou por não sobreviver.

Roberto Roncon fala no caso da última grávida, que até esteve ligada a ECMO e consciente, o que lhe "permitiu uma melhor recuperação", uma vez que a mulher esteve em permanente contacto com o bebé depois do parto.

Internamentos com recurso a ECMO
Hospital Adultos Crianças Taxa de sucesso
São João 85 2 75%
Santa Maria 95 2 80%
São José 92 0 75%
Coimbra 46 1 65%

Portugal tem três centros hospitalares referência para o tratamento com recurso a ECMO: o Hospital de São João, no Porto, e os hospitais de Santa Maria e São José, em Lisboa.Foram ainda registados dois casos no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e quatro casos no Hospital do Funchal. Do total de 324 doentes, 74% sobreviveram.

Apesar de ter uma alta taxa de sucesso, a ECMO é uma terapia que não pode ser aplicada a todo o tipo de doentes, uma vez que utiliza um método invasivo, que não é apropriado para quem esteja mais debilitado fisicamente, como é o caso dos idosos.

Na Europa, é na Alemanha que mais se utiliza a ECMO. São já mais de mil casos sinalizados, a maioria em Friburgo, com uma alta taxa de sucesso. França (666 casos), Itália (638) ou Reino Unido (606) são outros países que recorreram à técnica.

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