Família da grávida que morreu no Amadora-Sintra - a bebé também morreu - fez várias publicações nas redes sociais com documentos que desmentem o que a ministra da Saúde disse inicialmente
A família de Umo Cani revelou publicamente algumas informações que já tiveram impacto no conselho de administração do próprio hospital Amadora-Sintra - cujo presidente se demitiu. Umo Cani, mãe de três filhos e que iria ter o quarto, estava em Portugal há quase um ano - tinha autorização de residência em Portugal desde dezembro de 2024. Teve consultas em julho e agosto no Centro de Saúde de Agualva-Cacém e em setembro teve a primeira consulta no Amadora-Sintra.
Depois disso só voltou a ser vista à 38.ª semana, na quarta-feira da semana passada, quando lhe foi diagnosticada "hipertensão ligeira". Foi enviada para casa, dois dias depois deu entrada no mesmo hospital, onde acabaria por morrer durante a madrugada dessa sexta-feira.
Ora, a propósito de Umo Cani, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, disse assim: "É uma grávida que não era acompanhada, até que deu entrada no Amadora-Sintra já com 38 semanas". Os documentos da família de Umo Cano mostram que as afirmações de Ana Paula Martins não correspondem ao sucedido.
O Hospital Amadora-Sintra já assumiu entretanto uma falha de comunicação que a própria Ana Paula Martins classificou como "grave". De resto, o presidente do Conselho de Administração do Amadora-Sintra demitiu-se na sequência do caso.
A Fita do Tempo
31 DE OUTUBRO, SEXTA-FEIRA DE TARDEA ministra da Saúde, Ana Paula Martins, afirma que a mulher que morreu trata-se de "uma grávida que, efetivamente, não teve acompanhamento até à data em que entrou pela primeira vez no Amadora-Sintra, já com 38 semanas”.
2 DE NOVEMBROO hospital corrige a informação inicialmente dada pela ministra e esclarece que Umo Cami tinha sido afinal acompanhada pelo SNS.
3 DE NOVEMBROPresidente do conselho de administração do hospital apresenta a demissão.
Especialistas explicam porque "não parece excessivo" ter passado uma hora e 20 minutos entre chamada para socorrer grávida e chegada ao hospital
A cronologia do que aconteceu na sexta-feira, confirmada pelo INEM, é a seguinte: a chamada para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes ocorreu às 00h28; às 00h36 foi acionada uma Ambulância de Socorro; às 00h54 foi reportada paragem cardiorrespiratória; às 01h14 a VMER do Hospital Fernando da Fonseca implementou Suporte Avançado de Vida no local; a doente deu entrada no hospital pelas 01h48, com acompanhamento da VMER — registo que o hospital fixa em "cerca das 01h50". Entre a chamada (00h28) e a chegada ao hospital (01h48) passaram uma hora e 20 minutos.
Ouvido pela CNN Portugal, o médico e antigo ministro da Saúde do PS Adalberto Campos Fernandes descreve como “razoável” o período que decorre entre a chamada inicial e a chegada da ambulância, no caso dos bombeiros, e diz que é “adequado” o período decorrido já após a chegada do INEM. “Porque eles estiveram depois, provavelmente, a tentar reanimar em casa. E face ao insucesso, conduziram ao hospital. O médico tenta fazer a reanimação, são manobras que podem demorar minutos, 15 minutos, às vezes mais até, e portanto a vítima está sempre a ser assistida durante grande parte deste tempo. São os tempos normais”, assegura Adalberto Campos Fernandes.
Para Rui Lázaro, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), o período total entre chamada e entrada no hospital “não é de todo excessivo”. “A hora e vinte minutos faz sentido. E faz sentido porquê? Porque é feito o protocolo de reanimação na tentativa de recuperar a pessoa ainda no local — pressupõe-se que em casa. Só depois, não tendo sucesso, que foi provavelmente o que aconteceu, é que realizaram o transporte para o hospital, ainda e sempre em manobras de reanimação.” Estas manobras de reanimação têm, explica Rui Lázaro, um propósito: tentar salvar o feto. “Sobretudo por causa do feto, sim, e também para eventual preservação para órgãos. Portanto, sim, este tempo, ainda para mais havendo uma gravidez e hipótese de perda do feto, não me parece de todo excessivo.”
Apesar disso, o presidente do sindicato adverte: decorreram mais de 20 minutos entre a chamada inicial, às 00h28, e os bombeiros informarem da paragem cardioreespiratória, às 00h54, ativando a VMER - “e isso é que pode ser um bocadinho excessivo”. No entanto, Rui Lázaro não aponta responsabilidades. “Mas aqui não sabemos que ambulância é que foi para lá e qual era o local, a distância. Ainda não sabemos.”
Perante o óbito, o Hospital Fernando da Fonseca anunciou a abertura de um inquérito interno para apurar “todas as circunstâncias associadas ao ocorrido”, conforme comunicado oficial da ULS Amadora/Sintra. A unidade de saúde lamenta o falecimento e apresenta condolências à família.
Quanto ao recém-nascido, a ULS Amadora/Sintra informa que permanece internado “sob vigilância médica, com prognóstico muito reservado”.
Comunicado (na íntegra) do Amadora-Sinta - enviado na sexta-feira
"A Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra (ULS Amadora/Sintra) informa que, no dia 31 de outubro de 2025, cerca das 01h50, deu entrada no Serviço de Urgência de Obstetrícia desta ULS uma utente grávida de 38 semanas, natural da Guiné-Bissau, transportada por uma equipa do INEM, em situação de paragem cardiorrespiratória. Após a entrada no serviço foi realizada de imediato uma cesariana de emergência, tendo o bebé nascido às 01h56, encontra-se neste momento sob vigilância médica, com prognóstico muito reservado.
Mais se informa que, no dia 29 de outubro de 2025, a utente dirigiu-se assintomática a este ULS para uma consulta rotina, durante a qual foi identificada com hipertensão ligeira. De acordo com o protocolo clínico, a utente foi então referenciada internamente para a Urgência de Obstetrícia, onde, após a realização de vários exames complementares de diagnóstico, teve alta com indicação para internamento às 39 semanas de gestação.
A Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra lamenta profundamente o falecimento da utente e endereça sentidas condolências à família. Informa-se ainda que foi aberto um inquérito interno para apurar todas as circunstâncias associadas ao ocorrido".
Comunicado (na íntegra) do INEM - enviado na sexta-feira
"Pelas 00h28 de hoje, foi recebida uma chamada no Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, solicitando ajuda para uma grávida de 36 anos, com uma gestação de 38 semanas, que apresentava falta de ar.
Depois de realizada a triagem clínica e prestado o aconselhamento necessário, o CODU acionou uma Ambulância de Socorro, às 00h36.
Depois de assistir a utente, a equipa da Ambulância informou o CODU, às 00h54, que a vítima se encontrava em paragem cardiorrespiratória (PCR). Foi então acionada a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) do HFF.
Às 01h14, no local, a equipa médica da VMER implementou as medidas de Suporte Avançado de Vida (SAV) adequadas. A utente foi depois encaminhada para o HFF, com acompanhamento médico da equipa da VMER, onde deu entrada pelas 01h48."