Um pequeno dente descoberto numa gruta francesa está a revolucionar o que sabemos sobre os primeiros humanos

CNN , Katie Hunt
14 fev 2022, 10:40
A escavação da Grotte Mandrin, em França, revelou que os primeiros humanos modernos viveram ali há cerca de 54 mil anos

O dente de uma criança descoberto numa gruta francesa revelou a primeira evidência de humanos – Homo sapiens – a viver na Europa ocidental.

A descoberta do molar na Grotte Mandrin, perto de Malataverne, na região do Vale do Ródano, no sul de França, juntamente com centenas de ferramentas de pedra com cerca de 54 mil anos, sugere que os primeiros humanos viveram na Europa cerca de 10 mil anos antes do que os arqueólogos julgavam.

Além disso, o dente do Homo sapiens estava entre vestígios de Neandertais, mostrando que os dois grupos de humanos coexistiram na região. Estas descobertas desafiam a narrativa de que a chegada do Homo sapiens à Europa levou à extinção dos Neandertais, que viveram na Europa e em partes da Ásia durante cerca de 300 mil anos, antes de desaparecerem.

“Sempre achámos que a chegada dos humanos modernos à Europa tinha levado ao declínio rápido dos Neandertais, mas estas novas descobertas sugerem que quer o aparecimento dos humanos modernos na Europa quer o desaparecimento dos Neandertais é algo muito mais complexo do que isso”, disse o coautor do estudo, Chris Stringer, professor e investigador da evolução humana no Museu de História Natural de Londres.

É a primeira vez que os arqueólogos encontram evidências de grupos alternados de Homo sapiens e de Neandertais a viverem no mesmo lugar, e alternaram rapidamente, até mesmo de forma abrupta, pelo menos duas vezes, segundo o estudo publicado na revista Science Advances na quarta-feira.

Anteriormente, pensava-se que os primeiros humanos tinham chegado à Europa entre há 43 mil e 45 mil anos, de acordo com vestígios encontrados em Itália e na Bulgária - não muito antes de vestígios dos últimos sobreviventes Neandertais, datados de há 40 mil a 42 mil anos, serem encontrados. Esse período de tempo levou muitos a pensar que a chegada do Homo sapiens e o desaparecimento dos Neandertais estavam inexoravelmente ligados.

Os humanos e os Neandertais, que conhecemos pelas análises genéticas, cruzaram-se e tiveram filhos, o que resultou em traços Neandertais no nosso ADN, sobrepostos durante um período muito mais longo na Europa, sugere este estudo.

As saliências e reentrâncias são quase como impressões digitais para os arqueólogos, fornecendo-lhes pistas sobre a ascendência e o comportamento. No nível E, temos o dente do Homo sapiens

Pistas de ferramentas de pedra antigas

Os humanos e os Neandertais conviveram nesta gruta francesa com vista para o Vale do Ródano? Os investigadores não têm provas sólidas de interação entre os dois grupos.

As ferramentas encontradas nas camadas que representam as ocupações do Homo sapiens e dos Neandertais são distintas no seu estilo e não mostram qualquer sinal de que eles tenham ensinado uns aos outros técnicas de entalhe ou de descamação das pedras. As ferramentas de pedra associadas aos humanos, conhecidas como ferramentas Neronianas, são mais pequenas do que as usadas pelos Neandertais, conhecidas como ferramentas Musterienses.

Mas os autores acham que é provável que os dois grupos se tenham cruzado na vizinhança, mesmo que não tenha havido contacto direto nesta gruta.

As centenas de ferramentas de pedra encontradas no local sugerem que o abrigo rochoso foi ocupado intensamente por ambos os grupos - e que não era apenas um local para fazer uma pausa ocasional.

Surpreendentemente, a equipa pôde determinar que passou apenas um ano entre a saída dos Neandertais e a chegada dos primeiros humanos modernos à gruta, há 56 mil anos. Os investigadores conseguiram chegar a esta conclusão rastreando e analisando os depósitos de fuligem de fogos feitos por humanos no interior da gruta.

“A fuligem concentra-se no teto da gruta e, durante o período em que ninguém lá viveu, não houve concentração de fuligem”, explicou Stringer.

O responsável pelo estudo, Ludovic Slimak, investigador do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica e também na Universidade de Toulouse, que trabalha no local há 30 anos, disse acreditar que os dois grupos devem ter trocado conhecimento de alguma forma.

Slimak disse que, desde o início da ocupação, os humanos modernos usavam sílex proveniente de centenas de quilómetros de distância, como mostram as ferramentas de pedra encontradas na gruta. Esse conhecimento deve ter vindo dos Neandertais autóctones, explicou Slimak.

"O território parece ter-se tornado logo bem conhecido dos Homo sapiens, e eles ficaram logo a saber onde estavam as fontes de sílex, que eram muito localizadas”, disse ele.

O local no Vale do Ródano está em escavação há três décadas

“E que interação foi essa, ao certo? Nós, simplesmente, não sabemos. Não sabemos se tinham uma boa relação ou uma má relação. Havia trocas entre os grupos ou os Neandertais tinham batedores que guiaram os humanos modernos?”

Os investigadores dataram as camadas do local usando técnicas de radiocarbono e luminescência, que medem a última vez que os grãos de minerais nas rochas foram expostos à luz solar. A camada que continha o dente de uma criança Homo sapiens está no período entre os 56 800 e os 51 700 anos. Noutras camadas, os cientistas encontraram mais oito dentes que pertenciam a Neandertais.

Estas ferramentas de pedra Neronianas foram feitas pelos primeiros humanos modernos que viveram na Grotte Mandrin

Deslindar a história humana é uma tarefa complicada, mas é amplamente aceite que os humanos modernos vieram de África e fizeram a primeira migração bem-sucedida para o resto do mundo numa única vaga, entre há 50 mil e 70 mil anos.

Diferentes hominídeos antigos existiram e coexistiram antes de o Homo sapiens emergir como o único sobrevivente, e houve cruzamentos entre diferentes grupos de humanos primitivos. Alguns desses grupos - como os Neandertais - são facilmente identificados através do registo fóssil e dos vestígios arqueológicos, mas outros - como os Denisovanos - foram maioritariamente identificados pelo seu legado genético.

O ADN pode dar vida à história

Marie-Hélène Moncel, diretora de investigação do Museu Nacional de História Natural de França, em Paris, disse que a descoberta de apenas um dente de um humano moderno não é suficiente para mexer definitivamente nas datas de chegada do Homo sapiens à Europa. Ela disse que serão necessários outros vestígios humanos fossilizados para ter a certeza sobre as descobertas deste artigo.

“Os dentes não são suficientes. Temos de encontrar vestígios pós-cranianos ou cranianos para termos a certeza”, disse Moncel, que não esteve envolvida na investigação.

Estas minúsculas pontas de pedra (com cerca de 10 milímetros de comprimento) foram feitas pelos primeiros humanos modernos conhecidos na Europa Ocidental

É possível que o ADN – obtido diretamente dos dentes ou através de novas técnicas inovadoras que permitem que o ADN encontrado em sedimentos seja sequenciado - possa revelar a história e dizer-nos que relação tinha o grupo pioneiro de humanos modernos com os que chegaram depois, e se os Neandertais que viviam na gruta tinham as mesmas origens.

O ADN pode mostrar evidências de cruzamentos entre os dois grupos. Na gruta Bacho Kiro, na Bulgária, onde foi encontrada a anterior evidência mais antiga do Homo sapiens na Europa, o ADN desses primeiros humanos modernos tinha cerca de 3% de Neandertal.

Os dentes mantêm-se bem preservados nos registos fósseis, e as suas saliências e reentrâncias são como impressões digitais para os arqueólogos, fornecendo pistas sobre a ascendência e o comportamento. O formato do dente e a sua estrutura interna sugerem fortemente que pertence a uma criança humana moderna, apesar de o dente estar danificado, disseram os investigadores.

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