Filho da vereadora da Câmara de Vagos Susana Gravato foi identificado pela Polícia Judiciária (PJ) por fortes indícios de ter assassinado a mãe e de ter simulado a seguir que se tratou de um assalto. Por enquanto vai ficar em regime de internamento fechado
O bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, explica à CNN Portugal que o enquadramento jurídico português não deixa dúvidas. “Um jovem de 14 anos não pode ser condenado criminalmente. O que se aplica é a Lei Tutelar Educativa, que tem uma filosofia diferente da lei penal: não castiga, educa. Parte do princípio de que o jovem tem de compreender a gravidade do que fez e aprender a responder ao Direito.”
Neste contexto, não há uma pena mas uma medida tutelar educativa, que pode variar consoante a gravidade do ato e o perfil do jovem. “Estas medidas podem ir desde a admoestação ao acompanhamento educativo ou psicológico, até ao internamento em centro educativo. A escolha do regime — aberto, semiaberto ou fechado — depende da gravidade do facto e da necessidade de intervenção para a educação do jovem.”
O menor deve aprender o sentido da responsabilidade e do respeito pelo direito, em vez de ser tratado como um criminoso, explica o bastonário. Por outro lado, a medida mais grave prevista na lei é o internamento em centro educativo, reservado para os casos em que o jovem pratica atos violentos ou de extrema gravidade.
“Mesmo aí, a lei é taxativa: em caso algum a duração do internamento pode ultrapassar o limite máximo da pena de prisão prevista para o crime correspondente, caso fosse cometido por um adulto”, esclarece o bastonário.
No caso de um homicídio, a moldura penal abstrata vai até 25 anos de prisão. Mas, na prática, o tribunal fixa sempre a duração da medida com base em critérios de proporcionalidade e necessidade educativa, nunca de punição.
“Nos crimes com moldura superior a cinco anos — como é o homicídio —, pode ser aplicado o regime fechado, desde que o jovem tenha no mínimo 14 anos à data da decisão”. A execução da medida pode prolongar-se até aos 21 anos, se o tribunal entender que isso é indispensável à reeducação e reintegração do jovem.
Por enquanto: o menor vai ficar em regime de internamento fechado.
"É uma lei generosa na filosofia e pobre na execução"
O contraste com o regime penal adulto é "abissal", sublinha o advogado Manuel Nobre Correia. “Se ele fosse maior de idade, seria julgado por homicídio qualificado, porque se trata de um parricídio - e matar um ascendente é qualificado.”
Nesse caso, a pena podia ir dos 12 aos 25 anos de prisão. Mas, sendo menor, a lei presume imaturidade e falta de discernimento pleno. “Não me parece que um miúdo de 14 anos tenha a consciência de um de 18. Há diferenças. Aos olhos da lei, aos 18 presume-se que a pessoa tem consciência social e pessoal para assumir responsabilidades. Antes disso, a resposta é pedagógica, não punitiva.”
João Massano deixa uma ressalva: “Há jovens de 14 anos com uma clara perceção da gravidade do que fazem. A lei parte da benevolência, mas a realidade pede atenção". O discernimento não surge de repente aos 16, é um processo, argumenta o bastonário.
Ambos os advogados concordam que o problema não está na lei, mas na forma como é aplicada. “A Lei Tutelar Educativa nasceu em 1999, num tempo em que o acesso à violência era excecional, não quotidiano. Hoje vivemos rodeados dela: nas redes, nas ruas, nas famílias", aponta João Massano. "O espírito da lei, humanista e reeducativo, é inquestionável e deve ser preservado. O problema está na sua capacidade de resposta e na ausência de meios."
Portugal tem tribunais de família sobrecarregados, equipas técnicas reduzidas e centros educativos muitas vezes aquém do ideal de reeducação, na opinião do bastonário. “É uma lei generosa na filosofia e pobre na execução. Educar para o direito é mais do que dizer ‘não’. É ensinar a viver com os outros, a respeitar a vida humana. E nisso estamos em falta."
Manuel Nobre Correia é da mesma opinião. “A lei está certa, não deve ser mexida. O sistema está desenhado de uma maneira que, em teoria, não é mau. O problema é quando falta quem o faça funcionar."
O que se passou
A vereadora Susana Gravato, de 49 anos, foi morta com um disparo de arma de fogo no interior da sua casa, em Vagos. A PJ identificou o filho menor como o autor do crime, tendo recuperado a arma e recolhido diversos indícios.
A CNN Portugal sabe que o jovem simulou um assalto após o disparo e que existia um historial de conflitos familiares. O processo segue agora os trâmites previstos na Lei Tutelar Educativa. Segundo um comunicado da PJ, a arma utilizada no homicídio pertencia ao pai do menor e estava legalmente registada.
O advogado Manuel Nobre Correia descarta qualquer responsabilidade criminal do progenitor. “O pai não pode ser responsabilizado. Legalmente está tudo em dia. A arma tem de estar guardada num sítio específico, mas, como sabemos, os miúdos descobrem tudo."