Desde impedir que pó e sujidade entrem nos olhos até ao estímulo do reflexo de pestanejar, as pestanas fazem mais do que simplesmente parecer bonitas.
O que torna difícil explicar a tendência nas redes sociais de homens a cortar - ou até a rapar completamente - as pestanas numa tentativa de parecerem "mais masculinos".
Vídeos publicados no TikTok, Instagram e X nas últimas semanas mostram homens a enfrentar lâminas perigosamente próximas dos olhos, em barbearias desde a Turquia até à Nova Zelândia, numa procura por pestanas curtas. Enquanto alguns barbeiros utilizam máquinas de cortar eléctricas, outros improvisam apenas com uma tesoura de cabeleireiro e, com sorte, uma mão firme.
"As pestanas são vitais tanto para a experiência visual como para a saúde ocular", afirma Vickie Lee, cirurgiã consultora em oftalmologia e oculoplástica no Imperial College London. "Para além de funcionarem como barreira e desencadearem o reflexo de pestanejar, ajudam a reduzir o fluxo de ar sobre os olhos… mantendo a humidade, mantendo os olhos saudáveis e confortáveis, filtrando a luz solar intensa, reduzindo o brilho e melhorando a qualidade visual".
Vickie Lee explica ainda que as pestanas seguem um ciclo natural de crescimento, caindo e voltando a crescer ao longo do tempo, mas acrescenta que há muitas razões pelas quais removê-las - tal como mostrado nas redes sociais - é uma má ideia. “A remoção imprópria pode levar a complicações… Cortar ou aparar as pestanas pode causar desconforto e irritação, pois podem ficar com pontas afiadas que roçam na superfície ocular", explica, para além do risco de "provocar lesões oculares".
A ascensão da "energia masculina"
Pestanas lustrosas têm sido símbolo de feminilidade ou atratividade há séculos, representadas em obras de arte (incluindo as de John Singer Sargent e Pablo Picasso), poesia (Thomas Hood) e literatura (F. Scott Fitzgerald). E pode até haver um imperativo evolutivo: uma investigação científica de 2005 concluiu que mulheres com rostos mais atraentes apresentavam níveis mais elevados de estrogénio, hormona sexual feminina, o que se traduz em maior fertilidade e fecundidade - traços genéticos que são apelativos, do ponto de vista reprodutivo.
No entanto, no clima político atual, cada vez mais masculino, alimentado por figuras controversas da "manosfera" como Andrew Tate e empresários do mundo tecnológico como o CEO da Meta, Mark Zuckerberg (que recentemente manifestou apoio a mais "energia masculina" no mundo corporativo, afirmando recentemente ao podcaster Joe Rogan: "Uma cultura que celebra um pouco mais a agressividade também tem os seus méritos"), é fácil perceber porque é que alguns homens procuram reprimir tudo na sua aparência que possa ser interpretado como feminino.
Até o vice-presidente norte-americano JD Vance, defensor vocal do direito dos homens a impulsos "masculinos", caiu nas armadilhas dos novos padrões de beleza masculina no que toca aos olhos. Durante o debate eleitoral televisivo em outubro de 2024, a internet encheu-se de especulações de que Vance teria usado eyeliner para conseguir um olhar escuro e carregado. A conversa tornou-se tão viral que o antigo congressista republicano George Santos reagiu: "O Vance NÃO usa eyeliner”, escreveu no X na altura. “Já o conheci pessoalmente antes de ser senador e posso confirmar que ele tem pestanas longas e que projetam sombra sobre a linha d’água. Cresçam, pessoas!".
Embora nenhum dos barbeiros que rapam pestanas contactados para esta reportagem tenha respondido aos pedidos de comentário da CNN, falei com um amigo que tem pestanas longas. Chama-se Spencer Bailey e tem 48 anos.
"Recebi muitas críticas ao longo dos anos por causa das minhas pestanas grossas e escuras", disse o profissional de tecnologia da informação, residente em Londres. "Mas nunca as cortaria. Os comentários são geralmente de outros homens que dizem que são 'femininas' - apesar de eu medir 1,88 m - e perguntam se uso maquilhagem ou, mais recentemente, se são falsas… A minha mulher gosta delas, mas parecem realmente incomodar alguns homens".
Depois de décadas de declínio, o tradicionalismo de género está a aumentar entre os eleitores republicanos nos Estados Unidos, segundo dados recentes citados pelo The New York Times. No inquérito Views of the Electorate Research Survey (realizado pela fundação Democracy Fund em parceria com o YouGov), feito após a reeleição do presidente Donald Trump em novembro de 2024, os republicanos mostraram-se cada vez mais favoráveis ao que o estudo chamou de "noções tradicionais de masculinidade", com mais de três quartos dos homens e mulheres republicanos a concordarem com a ideia de que "o que significa ser homem mudou e acho que isso não tem sido bom para a sociedade".
O mesmo estudo concluiu que 48% dos homens republicanos concordavam que as mulheres "deveriam regressar aos seus papéis tradicionais" na sociedade - um aumento significativo face a maio de 2022, quando a percentagem era de 28%. A proporção de mulheres republicanas que concordavam com essa afirmação também subiu de 23% para 37% nesse período.
Quem quer pestanas longas e grossas?
Embora estas opiniões sejam apenas isso (ou, pelo menos, não existe muita evidência de que se tenham traduzido em mudanças comportamentais reais -mais mulheres em idade ativa estão empregadas do que nunca e as taxas de casamento e de natalidade estão a diminuir), é uma reversão notável das tendências das últimas cinco décadas, durante as quais a percentagem de inquiridos no American National Election Studies (ANES) que afirmavam que "o lugar da mulher é em casa" foi diminuindo de forma constante - de quase 30% em 1972 para 6% em 2008, altura em que os investigadores deixaram de fazer essa pergunta.
Com as mulheres cada vez mais percebidas e tratadas como "inferiores" aos homens, não é de surpreender que alguns homens queiram evitar ser vistos como "femininos".
"Quanto mais conservadora, regressiva ou talvez mais 'tradicional' for uma sociedade, mais se esforçará… por criar dois géneros que tenham uma aparência muito distinta um do outro", afirma Meredith Jones, professora honorária de estudos de género na Brunel University de Londres, à CNN.
"As pestanas são um binário forte", explica. "Há atualmente uma moda em que um dos sexos tem pestanas exageradamente longas, espessas e pretas. Estas são vistas como um indicador de elevada feminilidade e… portanto, o oposto tem de ser 'verdadeiro' para o género oposto".
"O exemplo de JD Vance ser gozado por parecer usar maquilhagem durante as eleições foi fascinante", acrescenta. "Porque o presidente Trump usa claramente maquilhagem, mas a sua maquilhagem procura fazê-lo parecer mais bronzeado, mais tonificado, mais definido… mais 'masculino'".
Entretanto, várias influenciadoras e celebridades parecem estar a evitar as pestanas marcadas no que já foi apelidado de movimento #fullfacenomascara. Estarão também as mulheres a afastar-se da tendência das grandes pestanas, tipicamente femininas?
Apesar de a tendência "sem rímel" estar a ganhar força, com um número crescente de pessoas a mostrar as suas pestanas naturais como parte de uma mudança mais ampla para a beleza minimalista, o rímel continua a ser um dos produtos cosméticos mais amplamente utilizados, explica Clare Hennigan, analista principal de beleza e cuidados pessoais da empresa de investigação Mintel, à CNN. Na verdade, continua a ser o produto de maquilhagem ocular mais utilizado nos EUA, refere, indicando que "a tendência sem rímel levará bastante tempo, se é que alguma vez o conseguirá, a ser adotada em larga escala".
Mas as tendências são, de facto, cíclicas. E para cada ação há uma reação, aponta Meredith Jones: "As modas nascem dos tempos em que vivemos", afirma. "Os anos 60 foram um exemplo clássico. Uma das queixas dos conservadores nessa altura era que já não conseguiam distinguir homens e mulheres devido à prevalência de calças à boca de sino e cabelo comprido em ambos os sexos. Nos anos 80, em reação à primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, a moda nos clubes londrinos tornou-se muito arrojada. Estes movimentos são sempre cíclicos".