O fã de Mourinho que deixou o Santa Clara para ajudar Iniesta

22 fev 2022, 09:21

Daisuke Kawashima chegou aos Açores para cumprir uma promessa a um amigo de infância

E se uma promessa de dois amigos de infância pudesse ajudar a escrever uma história de sucesso no futebol?

E se isso tivesse acontecido em Portugal?

Deixemos os ‘se’. Aconteceu.

O primeiro mês de Hidemasa Morita nos Açores não foi nada fácil.

O médio que em janeiro de 2021 foi contratado pelo Santa Clara só falava japonês. Nada de inglês e muito menos de português.

Isso torna fácil imaginar que a comunicação com os companheiros e com Daniel Ramos, então treinador do conjunto açoriano, era muito complicada.

A primeira solução passou por recorrer à tecnologia.

Durante algum tempo, Morita era o único jogador que tinha autorização para permanecer com o telemóvel durante as palestras e os treinos.

Mas menos depois de um mês depois de Morita aterrar em S. Miguel, chegou uma ajuda que se viria a revelar preciosa.

E tudo começou numa promessa de amigos de infância.

«Eu e o Morita somos amigos desde os cinco anos.  Andámos na escola, jogávamos e crescemos juntos em Osaka», introduz Daisuke Kawashima ao Maisfutebol, num português com sotaque brasileiro.

Morita e Daisuke não se largam desde crianças

«Quando éramos jovens, ele tinha muito talento e disse que se iria tornar jogador profissional. E eu disse quer iria estudar para ser intérprete. Dissemos que assim iríamos trabalhar juntos e, felizmente, aconteceu no Santa Clara», acrescenta.

Ora, foi para que um dia pudessem cumprir essa promessa que os dois amigos se separaram na altura de seguir para a universidade.

De olho no profissionalismo, num país onde o desporto universitário é quase sempre a principal porta de entrada, Morita rumou a Kawasaki, nos arredores de Tóquio.

Daisuke, por seu turno, permaneceu em Osaka, e estudou tradução… Japonês-Português.

A questão que se impõe é: porquê português?

«A Liga japonesa sempre teve muitos brasileiros. Na história passaram jogadores como Dunga, Zico e muitos outros. E ainda hoje há vários jogadores brasileiros. Como eu queria trabalhar com futebol no Japão, achei que saber português poderia ser útil para o conseguir», explica o jovem de 26 anos.

Apaixonado por futebol como já se assumiu, Daisuke foi ainda mais longe na sua ambição. Já formado em tradução, inscreveu-se numa licenciatura em Educação Física e Desporto, tendo passado um ano em São Paulo num programa de intercâmbio.

Trocar o Barcelona pelo Santa Clara? Vamos a isso!

Intérprete e treinador…

Intérprete e treinador… Onde é que já ouvimos isso?

Ah, claro.

«Sim eu sei que o Mourinho também começou como intérprete», reage Daisuke numa gargalhada.

«Mas ele é muito grande para mim. É o meu ídolo. Não me posso comparar com ele», defende-se.

Certo é que com as duas licenciaturas, mais o ano que passou no Brasil, Daisuke Kawashima sentia que o mundo do futebol se aproximava.

«Entendendo o português, eu podia perceber melhor o futebol português e o brasileiro», defende.

Seria, porém, outra a porta que se abriria. E as bases de português ajudaram.

«Comecei a trabalhar na escola Barcelona do Japão. Aprendi também o espanhol e trabalhava como treinador até que o Morita recebeu a proposta do Santa Clara.»

«Não sentia que teria muito futuro como treinador na escola do Barcelona, por isso, quando ele me convidou para ir com ele para Portugal, decidi logo que iria. E não me arrependo», assegura.

Morita ainda estava sozinho nos Açores quando o amigo se mudou, cerca de um mês depois, trocando a cidade de Osaka, com mais de 2,5 milhões de habitantes, por uma pequena ilha no meio do Atlântico cuja população não chega a 140 mil pessoas.

A resposta à questão sobre a adaptação aos Açores vem, por isso, embrulhada num sorriso.

«A realidade e muito diferente do que imaginava. O Santa Clara é uma equipa diferente porque é de uma ilha e senti que isso dificultava dentro e fora de campo. Mas os outros jogadores sempre me ajudaram a mim e ao Morita. E isso é algo que nunca vou esquecer», sublinha.

Chegado aos Açores um mês depois do amigo, Daisuke foi a primeira pessoa próxima de Morita a aterrar em solo português, até antes da esposa do jogador se juntar ao marido. E também para ela a presença do amigo de Morita se tornaria fundamental.

«Para ela ainda foi mais difícil adaptar-se. Era a primeira vez que saía do Japão, também não falava outra língua que não o japonês e sentia-se mais sozinha», contextualiza.

Ora, ao tornar real a promessa que havia feito com o amigo, Daisuke tornou-se fundamental, não só para o melhor entendimento do que era pedido a Morita dentro de campo, como num dos momentos mais especiais para o casal: a descoberta que iam ser pais.

«A filha deles nasceu agora em janeiro no Japão, mas a gravidez foi acompanhada sempre em Portugal e eu ia a todas as consultas com eles para traduzir os médicos», orgulha-se.

Daisuke e Morita deitados numa paisagem açoreana

Clã espanhol liderado por Iniesta ‘afastou’ os amigos

Agora, quando a filha de Morita viajar para os Açores já não irá encontrar na ilha o amigo dos pais.

Em janeiro deste ano, cerca de um ano após chegar aos Açores, Daisuke decidiu voltar ao Japão após receber uma proposta irrecusável para cumprir o sonho de trabalhar no principal escalão do futebol nipónico.

E fechar do ciclo nos Açores permitiu o fechar do círculo de objetivos traçados pelo intérprete quando decidiu seguir uma área que lhe permitisse manter a ligação ao futebol.

«O Vissel Kobe estava à procura de intérpretes, e o agente do Morita avisou-me. Era uma grande oportunidade. Os dirigentes sabiam que eu estava em Portugal, falaram comigo porque precisavam de alguém que falasse espanhol para ajudar com o Andrés [Iniesta], o Bojan [Krkic] e o Sergi [Samper]. A entrevista foi toda em espanhol e correu muito bem», relata.

Daisuke sentiu-se muito acarinhado no Santa Clara até à despedida

Apesar de ter a oportunidade de trabalhar num dos clubes mais poderosos do Japão, Daisuke admite que a decisão não foi fácil de tomar.

«A proposta do Vissel Kobe era melhor e é um clube grande no japão. Mas a experiência no Santa Clara também estava a ser boa, e tinha lá o Morita. Por isso, qualquer opção seria boa», resume.

No momento da decisão pesou, por isso, a palavra do amigo.

«Eu tinha alguma preocupação pelo Morita, mas ele disse-me para vir porque era uma boa oportunidade. E porque no Santa Clara todos o ajudam, por isso não me preocupei tanto», confidencia.

E como foi a mudança de realidade e passar a trabalhar com um dos futebolistas com maior currículo ainda em atividade?

«Ainda me custa todos os dias a acreditar que estou a ver o Iniesta a jogar à minha frente. É um monstro!», atira de pronto.

«O Andrés é muito simpático. Dentro de campo e fora, tem uma grande personalidade. Ajuda muito os jogadores e todos o adoram», acrescenta.

Daisuke (à esquerda) admite o orgulho de estar a trabalhar com um jogador como Iniesta

E um dos temas de conversa entre Daisuke e o internacional espanhol já passou… pelos Açores.

«Ele já conhecia o Morita desde que ele jogava na liga japonesa e diz que queria gostava de ter a possibilidade de jogar com ele, por isso acompanha quando pode e sabe que ele joga no Santa Clara», orgulha-se.

Para despedida, Daisuke Kawashima deixa no ar a possibilidade de um dia voltar a trabalhar em Portugal, onde o mercado de jogadores japoneses está mais forte do que nunca.

«Se um dia tiver oportunidade de voltar a trabalhar em Portugal, será excelente. Amei Portugal. Tive uma experiência muito boa e já estou com saudades», remata.

Para já, as histórias de Hidemasa Morita e Daisuke Kawashima são ambas feitas de sucesso. Os dois vivem os respetivos sonhos e não será a distância a afastar os dois amigos.

 

 

 

 

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