Maestro Tabárez: o adeus do professor que fez do banco a sala de aula

19 nov 2021, 22:54
Óscar Tabaréz (AP)

Fim de uma era no Uruguai.

Os passos são frágeis, hesitantes. O homem, vergado pela síndrome de Guillain-Barré, avança apoiado em duas muletas. Mais um passo, e outro mais, cada vez mais debilitados. É o fim. 

Óscar Tabárez, 74 anos, o verdadeiro maestro. Em castelhano, o apodo significa professor e não podia ser mais ajustado ao selecionador do Uruguai - aliás, ao agora ex-selecionador charrúa.  

Antes de se tornar na figura mais relevante do futebol uruguaio no século XXI - com a devida licença de Suárez, Cavani, Godin ou Forlán -, Tabárez faz carreira como professor em várias escolas públicas uruguaias.

Talvez essa ligação às salas de aulas tenha desenhado o pragmatismo com que sempre abordou o cargo de treinador e, por inerência, o futebol. 

«Performance, resultado, comportamento», as traves mestras da relação entre Tabárez e o Uruguai, sobretudo à seleção do Uruguai, como admitiu há alguns anos em entrevista - uma das raras entrevistas - ao Guardian.  

O resto, garantia, era aprendizagem.

«Como é que podemos colocar um país do terceiro mundo, com 3,5 milhões de habitantes, a lutar contra as melhores seleções do planeta? A olhar para elas. Não para imitá-las, mas para compreendê-las.» 

Assim foi. 



Nascido em março de 1947, Óscar Tabárez cresceu numa família da classe média de Montevideu e desde cedo selecionou as duas paixões maiores: o futebol e os livros. 

Defesa central «raçudo, mas modesto», Óscar fez uma carreira em clubes de média/pequena dimensão no Uruguai (Sud America, Sportivo Italiano, Fénix, Puebla, Bella Vista), conciliando até ao final dos seus dias de futebolista as aulas com os treinos e jogos. 

Finalizada a carreira de atleta, aos 32 anos, o senhor Tabárez refletiu sobre o que já construíra na vida e ficou mais satisfeito com a riqueza dos pensamentos do que com o conforto material. «Tinha só uma casa modesta, uma mulher e três filhas para criar. Tive de me dedicar ao ensino, a sério.»

Em 1980, seduzido pelas palavras dos antigos colegas de equipa e pelos próprios alunos, encantados com as aulas entoadas em voz de tribuno, Óscar Tabárez aceita o desafio do presidente do Bella Vista e inicia aí um trajeto que, aparentemente, conclui 41 anos depois. 

A grande vitória de 2011 na Copa América

Quem o vê agora, trémulo e amparado em bengalas, terá a tentação de esquecer tudo o que está para trás: uma viagem feliz e decidida, muitas vezes imparável e em passo de corrida, com a fúria de quem sabe treinar uma das seleções mais selvagens (elogio) do planeta. 

Reparem bem: após experiências em inúmeros clubes uruguaios, na seleção de sub20 e na seleção principal numa primeira passagem (1988-90), Tabárez experimenta o futebol internacional em Itália (Cagliari e AC Milan), em Espanha (Oviedo) e na Argentina (Boca Juniors), mas é no regresso a casa que edifica uma imagem de mito, lendária e venerada. 

O palmarés destaca apenas uma Taça Libertadores (Peñarol, 1987, antes de perder contra o FC Porto em Tóquio), um Torneio de Abertura (Boca Juniors, 1992) e uma Copa América (2011, Uruguai), mas a revolução silenciosa que instiga na seleção celeste é a obra da vida do maestro

De 2006 a 2021, Óscar Tabárez desenvolveu as bases do futebol do país, remodelou o estilo de jogo da seleção e organizou uma rede de observadores que identificou futebolistas em todas as zonas do pequeno - e misterioso - Uruguai: Federico Valverde, agora no Real Madrid, é a sua derradeira jóia. 

Os resultados aparecem naturalmente: quarto lugar no Mundial de 2010, vitória na Copa América do ano seguinte, quarto lugar na Taça das Confederações em 2013, oitavos-de-final no Mundial de 2014, quartos-de-final no Mundial de 2018 (eliminou Portugal). 

O segredo esteve sempre na «organização e método e nada mais do que isso», garantiu numa e noutra aparição pública. Nós preferimos pensar que o tal segredo, se é que isso existe, é outro. 

Numa era em que o futebol faz e desfaz ídolos a uma velocidade furioso, eleva e arrasa nomes em poucas semanas, Tabárez teve a felicidade de olhar para os seus futebolistas apenas como homens. Mortais e imperfeitos. 

«Estrelas? Quando eu quero ver estrelas, olho para o céu.»

O final do caminho foi penoso. Fisicamente doloroso e com resultados dececionantes. Mas a viagem até aí fez valer todos os sacrifícios. Foi uma aula de futebol lecionada por um verdadeiro maestro.

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