Moustapha Cissé: quando o futebol nos traz fabulosas histórias de encantar

21 mar 2022, 23:55
Moustapha Cissé

Há um mês disputava a terceira divisão regional de Puglia por uma equipa de refugiados, no último domingo deu a vitória à Atalanta na Liga Italiana. Venha daí conhecer a incrível vida do órfão que chegou ao sul de Itália com 16 anos, a fugir de uma vida de pobreza na Guiné.

No futebol altamente profissionalizado da atualidade, como gostam de lhe chamar, consegue haver ainda espaço para histórias encantadoras como esta. O que é notável e é um sopro de esperança.

Vamos chamar-lhe a fabulosa história de Moustapha Cissé.

Moustapha Cissé nasceu em Conacri, a capital da Guiné, em setembro de 2003. Após ficar órfão de pai, decidiu abandonar o país, percorrer o norte de África, atravessar o Mar Mediterrâneo e tentar a sorte na Europa. Com 16 anos chegou então ao sul de Itália.

Foi recolhido pela Cooperativa Social Rinascita, uma associação de acolhimento de estrangeiros requerentes de asilo e refugiados, que desenvolve um trabalho muito importante junto destas pessoas na região de Puglia, em cidades como Lecce, Taranto e Bari.

Foi através desta associação que Cissé começou a jogar futebol. Mas já lá vamos.

Antes disso é preciso dizer que na associação trabalha um senegalês de nome Niang Baye Hassane, também ele um refugiado. Niang desempenha as funções de mediador e tradutor dos refugiados, mas é também um apaixonado pelo futebol e que até já treinou um clube: o San Cesario.

Foi ele que em 2019 lançou a ideia de criar uma equipa formada pelos jogadores refugiados e deslocados da associação. Chamaram-lhe ASD Rinascita Refugees e começou a competir precisamente nesse ano de 2019, na terceira divisão regional: oitavo escalão do futebol italiano.

«O desporto é uma importante ferramenta como meio de inserção num país. Permite competir com outras equipas com um objetivo fundamental: a integração destes jovens. Eles vêm de várias partes do mundo: Nigéria, Sudão, Burkina Faso e também há um italiano, que decidiu participar connosco neste desafio», disse Niang Baye Hassane na apresentação do ASD Rinascita Refugees.

«A equipa nasceu com a intenção de dar uma normalidade à vida destes rapazes. Dei-lhes alguns conselhos e institui um conceito: devemos levar tudo a sério. Participamos, somos competitivos e vamos para ganhar. Se não ganharmos tudo bem, mas a intenção é trazer um resultado útil para casa, com o máximo respeito pelas regras e com disciplina.»

Nesta altura o futebol já estava profundamente enraizado nos hábitos da associação e aqueles jovens já jogavam juntos há vários anos, pelo que se sentiam prontos para começar a competir.

Curiosamente, a equipa contou até com um padrinho famoso: Totó Nobile, antigo campeão pelo Inter Milão, com uma longa carreira em clubes como o Lecce, a Reggina e o Pescara, que logo na apresentação deixou uma observação que viria a ser premonitória.

«Estes rapazes são jovens, têm potencial, são teimosos e, se colocam uma coisa na cabeça, não descansam sem a alcançar. Digo isto porque os conheço. Podem aspirar a divisões mais altas no futuro, sinceramente. São educados e têm muito talento. Se a sorte os acompanhar podem aspirar a objetivos importantes porque têm todas as qualidades para isso.»

Menos de três anos depois destas palavras, Moustapha Cissé já estava no Atalanta.

Ele que chegara à associação com 16 anos e como tantos outros miúdos: sem pai, sem mãe, sem familiares nenhuns, totalmente sozinho, sem documentos e apenas com a roupa que trazia vestida. Como quase todos os refugiados, também não falava uma palavra de italiano.

Foi Niang Baye Hassane, o mentor e treinador da equipa, que o ajudou a integrar-se na Europa.

Uns meses mais tarde olhou para Moustapha Cissé e sentiu haver ali talento para ir longe no futebol. Convidou-o a juntar-se à equipa da associação e ganhou a aposta.

O guineense tinha velocidade, capacidade de choque e um remate forte. Afirmou-se como ponta de lança e ajudou a equipa a subir à segunda divisão regional.

Já depois disso, e quando participava num jogo particular da Rinascita Refugees frente ao Lecce, Moustapha Cissé foi descoberto por olheiros da Atalanta. O guineense ficou debaixo de olho do clube do norte de Itália, que tem a tradição de apostar em jovens jogadores: Amad Diallo, Musa Barrow, Timothy Castagne ou Gianluca Mancini são disso bons exemplos.

Durante vários meses a Atalanta acompanhou o jogador, até que em fevereiro o contratou. Com o apoio jurídico do advogado Roberto Nitto, ou não fosse Moustapha Cissé um refugiado que chegou ao país sem documentos, a Atalanta conseguiu levar o jovem para o centro de treinos de Zingonia.

Mais uma vez, Niang Baye Hassane foi fundamental a apoiar o jovem em todo o processo.

A 24 de fevereiro, nas redes sociais do Rinascita Refugees surgiu o anúncio que deixou Itália de boca aberta. «O nosso Moustapha Cissé, guineense nascido em 2003, é jogador da Atalanta. Boa sorte, estamos orgulhosos por tê-lo tido connosco.»

Deixou a associação, viajou então para Bergamo, foi integrado na equipa primavera e teve um impacto brutal: três dias depois de chegar fez a estreia e bisou na vitória por 3-1 sobre o Milan. Uma semana mais tarde já estava a ser chamado por Gian Piero Gasperini para treinar com o plantel principal. Sinal de que o treinador já o tinha em vista.

A 9 de março, no terceiro jogo pela equipa primavera, voltou a marcar, no triunfo por 1-0 sobre o Nápoles, e quatro dias depois foi convocado para defrontar o Génova, na Serie A.

As lesões de Malinovskyi, Miranchuk, Ilicic, Zapata e Boga obrigaram o treinador a recorrer ao jovem de 18 anos. Não chegou a sair do banco, é verdade, mas a semente ficou lançada.

Ora este domingo, uma semana depois, entrou em campo aos 65 minutos para o lugar de Muriel e fez aos 82 minutos o golo da vitória em Bolonha: recebeu o passe de Pasalic, rodou e atirou forte. Ele que ainda assistiu Pasalic para também marcar, mas o golo foi anulado por fora de jogo.

Estamos felizes pela vitória. Mas acima de tudo estou muito mais feliz pelo Cissé, que trabalhou muito e merece viver esta noite», referiu no final da partida o central Demiral.

Para alguém que há dois anos fugia da Guiné e chegava a Itália sem saber o que esperar, para alguém, também, que há pouco mais de um mês estava a fazer golos nos pelados das divisões amadoras, é de facto verdadeiramente extraordinário o que aconteceu.

Talvez por isso, Cissé deixou o campo levado em ombros pelos companheiros. Sabendo certamente que esta é uma história de vida fabulosa, mas está apenas no início.

 

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