Chris Nikic inscreveu o nome no Livro do Guinness e entrou para a história do mundo do desporto. «Caí e sangrei do joelho, mas só pensei que isso me daria mais abraços no fim»
16 horas, 46 minutos e nove segundos, quase 17 horas. 3800 metros a nadar, 180 quilómetros a pedalar e - calma, ainda não acabou - uma maratona. Sim, mais de 42 quilómetros a correr. Chris Nikic, o herói desta história, cortou a meta a sorrir e entrou diretamente para o Livro de Recordes do Guinness.
Chris tem 21 anos e nasceu com Síndrome de Down, uma condição também conhecida por trissomia 21. A anomalia genética não lhe roubou os sonhos, muito pelo contrário: reforçou-os. A entrada no mundo do triatlo, versão Ironman, foi por isso uma consequência lógica para alguém que nasceu e cresceu a afrontar as escassas hipóteses de sucesso que a vida lhe ofereceu.
O Ironman realiza-se há mais de quatro décadas e nenhum atleta com estas limitações físicas tinha sido capaz de terminá-lo. Chris não tem tempo para se lamentar de nada. «Caí duas vezes no percurso de bicicleta e sangrei muito do joelho. Se pensei em desistir? Não, não, eu sabia que o sangue me garantia mais abraços no final.»
Um dos momentos mais emocionantes ocorreu na transição do percurso de bicicleta para o da maratona. Chris sentou-se numa cadeira e o pai, Nik, trocou-lhe as sapatilhas. Enquanto apertava os cordões ao filho, deixou sair uma frase que encheu o coração a quem a ouvia: «Está quase, buddy, estás perto de ser um Ironman. Já és dois terços de um Ironman.»
Pai e filho abraçaram-se. A meta estava logo ali à frente.
1 % fitter each day: o slogan que acompanhou Chris três anos
Nik Nikic não é um mero figurante nesta bela lição de superação. O pai de Chris foi fundamental na entrada do filho no mundo do desporto. Há três anos, Chris Nikic era um adolescente sedentário, obeso, conformado com as 24 horas que passava entre a sala, o quarto e a cozinha.
«Desafiei-o a estar um por cento em melhor forma, numa base diária. O slogan 1% Fitter Each Day nasceu nessa nossa conversa», contou o pai, já depois de Chris cortar a linha de chegada em Panama City Beach, na Florida.
«Lutar para competir e completar o Ironman serviu o maior propósito do Chris. Viver uma vida de inclusão social, de normalidade. Foi uma forma de mostrar a famílias como a nossa que não há barreiras demasiado altas.»
A história de Chris Nikic mereceu os mais sentidos louvores do Guinness e permitiu-o ter, em poucos dias, mais de 30 mil seguidores nas suas redes sociais. O próximo objetivo, diz o pai, é marcar presença nos Jogos Paralímpicos com as cores dos Estados Unidos da América.
Uma casa, um carro, uma loura do Minnesota
Numa entrevista concedida antes de se tornar um ícone da cultura popular, Chris Nikic abriu o coração e afugentou os demónios. A tormenta não tem lugar nas palavras de um campeão.
«O meu sonho é ter dinheiro para comprar uma casa, um carro e casar-me com uma loura exuberante do Minnesota», disse, no seu habitual bom sentido de humor, à revista Runner's World.
«O meu pai dizia-me que se passasse os dias no sofá a jogar playstation nunca conseguiria ter a casa, o carro e a loura. Acho que essa foi a primeira lição motivacional que funcionou.»
Chris levantou-se e começou a treinar todos os dias com o pai. Não se sabe, nem o próprio, se corria a perseguir a imagem da futura esposa ou se corria apenas por correr, qual Forrest Gump.
Até aos quatro anos, as limitações de Chris Nikic tornaram-no muito dependente dos pais. Começou a andar muito tarde, quando os colegas já corriam e saltavam no jardim da escola. Mas esse nem foi o maior dos problemas do menino que abriu de espanto o mundo do triatlo.
«Ele foi operado ao coração aos cinco meses e só foi capaz de mastigar e engolir alimentos sólidos aos cinco anos», contou o pai de Chris à mesma publicação. «Até aos 17 anos foi submetido a quatro intervenções cirúrgicas aos ouvidos, teve sempre problemas de equilíbrio e de concentração, além de uma musculatura muito frágil.»
Chris, World Champ
A mãe de Chris chama-se Patty e é uma loura originária do Minnesota. Talvez por ver os pais tão felizes em casa, o triatleta aspira ao mesmo. Patty assume ter cometido muitos erros nos primeiros anos de vida do filho.
«Ele nasceu e nós fomos fuzilados com informação negativa por parte dos médicos. Não pode isto, não pode aquilo, tudo se tornou pior do que realmente era», desabafa agora, 21 anos depois de ter dado à luz um vencedor.
«Fomos aprendendo e fomos vendo que as limitações podiam ser superadas. O ano passado, em novembro, o Chris nadou 1000 metros num lago e no final saiu como se não tivesse feito um esforço grande. Dirigiu-se a uma parede e escreveu Chris, World Champ. Abraçámo-nos todos a chorar, porque percebemos que ele estava determinado a vencer.»
Chris treinou 30 horas por semana para inscrever o nome no Livro do Guinness e inspirar outros a acreditar. Num quadro em casa, o triatleta mantém tudo organizado: quanto treina, como treina, o que tem de treinar. A imagem é extraordinária.
«A parte mais difícil é a corrida. Mas é a que mais gosto também», diz o homem que entrou no Livro dos Recordes. «Correr dá-me um rabo bonito e as meninas gostam», diz, sempre brincalhão.
«Para mim isto tornou-se fácil. É só acordar de manhã e fazer mais um por cento do que fiz ontem. Não custa nada», explica, com a simplicidade dos que só têm bondade no coração. «Se a minha semana de treinos corre bem, no sábado eu e o meu pai bebemos uma cerveja Corona e comemos uma fatia de bolo de chocolate. São as nossas pequenas motivações.»
O que são 17 horas de sacrifício quando Chris tem uma cerveja, uma fatia de bolo e uma loura do Minnesota à espera? Um campeão.