Quem é a capitã nacional que conduziu a noite toda para ver a seleção de futsal?

9 fev 2022, 09:43
Ana Azevedo

Ana Azevedo fez nove horas de viagem para chegar ao fim da manhã de domingo a Amesterdão e ir ver Portugal ser campeão europeu. Apaixonada pelo futsal desde que era criança, diz que a maratona valeu a pena. Pelo caminho não tem dúvidas que daqui a um mês serão os homens a apoiar a seleção feminina.

O nome foi trazido para as gordas dos jornais por João Matos, no discurso que fez na segunda-feira perante Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém. O capitão da seleção de futsal fez quatro agradecimentos e um deles foi precisamente para Ana Azevedo.

«Quero dar uma palavra à capitã da seleção feminina, a Ana Azevedo, que fez questão de conduzir até Madrid e apanhar um voo para Amesterdão, porque já não tinha voos de Portugal para assistir à nossa final. É esta união, desta família, que é realmente sincera», disse João Matos.

Mas quem é, afinal, Ana Azevedo?

Antes de mais é necessário dizer que tem uma história de todo improvável no desporto de hoje em dia. Natural de Famalicão, joga há dezasseis anos no mesmo clube, o FC Vermoim.

Trata-se de um clube que está longe de oferecer as condições de um Sporting ou um Benfica. Ana Azevedo até já teve convites para se tornar profissional no estrangeiro, um desses convites chegou do At. Madrid, que lhe apresentou uma proposta muito atraente. No fim, porém, recusou tudo.

«Nunca quis sair das minhas origens e da minha terra. Mesmo aqui em Portugal podia ter saído para clubes maiores, mas nunca o fiz porque sou muito ligada às origens e ao Vermoim», refere.

«É um clube que sempre me deu tudo e a vida não é só dinheiro. Cresci muito enquanto mulher neste clube e com estas pessoas. Gosto de reconhecer quem me ajuda e nunca serei ingrata com o clube onde me lancei, onde vivi grandes momentos e onde conquistei grandes coisas.»

Por isso preferiu ficar toda a carreira no Vermoim, dividindo a paixão pelo futsal com o cargo de CEO numa empresa de cosméticos da qual é proprietária.

Aos 35 anos admite que muitas vezes é difícil conciliar as duas coisas, mais a vida familiar, claro, mas adianta que a paixão pelo futsal sempre lhe permitiu ultrapassar as maiores dificuldades.

«Torna-se cada vez mais difícil conciliar as duas coisas. São muitos anos a jogar e a treinar, infelizmente para o meu corpo faço os 40 minutos em todos os jogos. O meu trabalho também é físico, não é só estar ao telefone, também tenho de dar no duro. Sendo proprietária de uma empresa as responsabilidades são muito maiores do que a trabalhar para outras pessoas, se for preciso ficar até às dez, onze ou meia noite, eu fico», revela.

«Mas o futsal é uma paixão que eu acho que já nasceu na barriga da minha mãe. Sempre gostei de jogar, desde que me conheço. Tive uma experiência no futebol de onze, mas que rapidamente passou. Estive a treinar na pré-época no Várzea, de Barcelos. Não gostei. Gosto de ter a bola no pé e no futebol de onze passa-se muito tempo sem a bola no pé. O futsal é fantástico nisso, qualquer jogador está sempre em jogo. É uma modalidade emocionante e com uma intensidade enorme.»

Por isso, e apesar de ter uma vida inteira como jogadora de futsal no corpo, Ana Azevedo continua a fazer trinta por uma linha para treinar à terça e à quinta à noite no campo, para fazer à quarta-feira à noite reforço muscular e para jogar ao fim de semana onde o calendário mandar. Tudo isto, lá está, ao mesmo tempo que assume um trabalho de responsabilidade e sem horários.

Muitas vezes é preciso fazer das tripas coração para conciliar tudo.

Ora nesse sentido, não foi uma novidade para a capitã da seleção feminina a azáfama que constituiu a viagem para Amesterdão para ver o triunfo de Portugal na final do Europeu de futsal. Ana só percebeu no sábado que dava para ir, conduziu toda a noite e passou 24 horas sem dormir.

«Foi uma loucura, mas uma loucura saudável e que valeu muito a pena. A viagem foi decidida em cima da hora. É difícil prever se jogamos sábado ou se jogamos domingo, o que torna qualquer planeamento muito complicado. Por acaso comecei a ver voos na sexta-feira, mas alguns estavam caros, depois perdi um pouco a esperança, até porque também tinha jogo», conta.

«Mas no sábado o bichinho começou a remoer por dentro, queria muito à final. Encontrei um voo de Madrid para Amesterdão, que saía às 7.05 da manhã. Falei com mais três amigas, duas das quais também jogam futsal, saíamos daqui às 23.30 horas de sábado e conduzimos toda a noite, para chegar a Madrid às seis da manhã. Foi chegar, estacionar o carro e embarcar.»

Ana Azevedo conduziu o caminho todo, durante mais de seis horas, e admite que o entusiasmo era tão grande que nem teve sono. «Fiquei surpreendida, porque geralmente até me dá o sono. Mas desta vez não, estava tão contente que nem me apeteceu dormir», refere.

«Chegámos a Amesterdão, deixámos as coisas no hotel e saímos logo para o pavilhão. Para rentabilizar a viagem ainda aproveitámos para ir ver o Espanha-Ucrânia, do terceiro e quarto lugar. Praticamente ficamos 24 horas acordadas, só fechámos os olhos na viagem de avião.»

No final tudo valeu a pena. Portugal foi campeão da Europa pela segunda vez seguida, somou o terceiro título nas últimas três grandes competições e Ana Azevedo juntou-se à festa, sobretudo com a equipa técnica liderada por Jorge Braz, com quem trabalhou e continua a trabalhar.

Esta segunda-feira chegou o reconhecimento para todo o país ouvir pela voz de João Matos.

«Fiquei muito feliz por isso. O que o João disse é o exemplo daquilo que é o futsal português: é uma família muito unida. Tenho a certeza que no Europeu de Gondomar eles vão lá estar a apoiar-nos. Nem toda a gente pôde ir, mas eu fui em representação do futsal feminino e a verdade é que a seleção feminina de futsal ficou muito feliz com o triunfo da seleção masculina.»

A ligação entre as duas seleções do futsal português, aliás, não é de hoje. Ricardinho e João Matos, por exemplo, costumam sempre que podem estar nos jogos a apoiar as meninas.

«O Ricardinho até viu a nossa final em Gondomar em 2019 e acho que estiveram lá mais jogadores. Já tivemos um estágio conjunto para trocar ideias. Tanto nós como eles, vamos sempre apoiar.»

Ora por falar em apoiar, interessa que toda a gente, todo o país, se una no apoio à seleção feminina, que em breve vai disputar a fase final do Europeu de Futsal. No Pavilhão de Gondomar, dia 25 de março, a seleção feminina defronta a Rússia, em jogo da meia-final. Se vencer, como venceu os dois últimos particulares frente às russas, Portugal defronta a Espanha ou a Rússia na final.

«Agora vem aquilo que qualquer atleta deseja. Representar a seleção é o melhor de tudo isto. Muitas pessoas não entendem o que é jogar na seleção e ouvir o hino, porque nunca o viveram, mas é qualquer coisa de inesquecível», refere.

«Sabemos que temos de trabalhar e de evoluir, mas acreditamos que podemos chegar à final e vencer. Temos é de estar focados em vencer dentro de campo.»

Portugal é nesta altura, aliás, a líder do ranking da UEFA: é a primeira vez que as seleções masculina e feminina de futsal lideram o ranking. Por isso todos os sonhos fazem sentido.

Ana Azevedo diz que o segredo, um pouco como acontece nos homens, é a união na seleção.

«Os estágios na seleção são muito duros a nível psicológico, é quase um mês ali dentro, mas a ligação que existe é de família, sobretudo com o staff de apoio», garante.

«É isso que nos faz chegar ao fim preparados para ultrapassar tudo. É obrigatório realçar o que acontece no ambiente da seleção, porque aquela gente sofre imenso, tem um orgulho tremendo em estar ali, riem connosco, choram connosco e dão um exemplo do que é representar Portugal.»

Se alguém tiver dúvidas, Ana Azevedo tem uma viagem de nove horas durante a noite para o provar.

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