Estudo publicado na The Lancet e dados de vários países apontam relação entre as duas doenças. Em Portugal ainda não existem casos confirmados de hepatite aguda
Já foram detetados mais de 340 casos de hepatite aguda em crianças em cerca de 20 países, até agora a causa é desconhecida, mas um novo estudo aponta a possibilidade de uma relação com a covid-19.
No estudo publicado na revista The Lancet, na área da Gastrenterologia e Hepatologia, investigadores apontam que um superantigénio do SARS-CoV-2 pode estar relacionado com os casos que já foram identificados em países como Reino Unido, Estados Unidos ou Israel, sendo que Portugal tem, até ao momento, oito casos suspeitos.
A maioria das crianças que desenvolvem esta nova hepatite apresentam sintomas gastrointestinais, bem como icterícia e, em alguns casos, falência aguda do fígado. No entanto, nenhuma das variantes conhecidas da hepatite (A, B, C, D e E) foi encontrada.
O estudo sugere que os casos identificados resultaram, provavelmente, de uma infeção com covid-19 anterior, seguida de uma outra com um adenovírus (como a constipação comum), o que deixou um reservatório viral (onde o vírus permanece mais tempo) no trato intestinal.
Indica a The Lancet que 72% das crianças testadas no Reino Unido tinham tido uma infeção prévia com um adenovírus, sendo que grande parte delas tinham presença do subtipo 41F (conhecido por inflamações gástricas), que os investigadores definem como comum, sendo que “afeta predominantemente jovens, crianças e doentes imunossuprimidos”.
Adicionalmente, a presença da covid-19 foi sinalizada em 18% dos casos analisados no Reino Unido.
“Testes serológicos que se encontram a decorrer devem aumentar o número de crianças com hepatite aguda e uma infeção prévia ou atual por covid-19”, acrescenta o documento.
Além disso, a grande maioria dos casos de hepatite foram diagnosticados em crianças que são consideradas novas demais para receberem a vacina contra a covid-19.
Poderá ser algo parecido com aquilo que provoca a Síndrome Inflamatória Multissistémica (MIS-C), amplamente identificada em crianças após a recuperação da covid-19. Nesse caso dá-se uma ativação das células do sistema imunitário por ação de um superantigénio, que acaba por desencadear uma reação autoimune. Se esse reservatório viral for depois exposto a um adenovírus, a reação imunitária pode ser ainda maior, o que leva a uma reação anormal do corpo, exatamente aquilo que se verifica nesta hepatite aguda.
“A infeção por covid-19 pode resultar na formação de um reservatório viral”, indicam os investigadores, acrescentando que “uma persistência viral do SARS-CoV-2 no trato gastrointestinal pode levar a uma subida da ativação imunitária”, que, no caso, “pode ser medida por um superantigénio presente na proteína spike do SARS-CoV-2.
Para uma melhor avaliação daquilo que está a acontecer ao certo, os investigadores pedem uma monitorização constante das fezes das crianças com hepatite aguda. Sugere a The Lancet que “se forem encontradas evidências do superantigénio do coronavirus, deve ser considerada uma terapia imunomodeladora para crianças com hepatite aguda”.
No mesmo sentido do estudo vão os mais recentes dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de Israel. A OMS Europa apontou, num relatório de 13 de maio, que 70% das crianças com menos de 16 anos que desenvolveram hepatite aguda tinham tido covid-19 anteriormente.
Já Israel nota que, de 12 casos identificados recentemente, 11 eram crianças que tinham tido covid-19.
Recorde-se que sintomas intestinais como diarreia ou sangue nas fezes foram identificados em alguns casos de covid-19, o que deixa a comunidade médica atenta à possibilidade de a hepatite aguda nas crianças ser uma possível consequência da covid-19 longa, síndrome que faz perdurar alguns dos sintomas do vírus.