Quando se soube que alguém entrara nos paióis de Tancos e dali fizera desaparecer algum material de guerra, em junho de 2017, instalou-se um clamor pela falha de segurança do Estado. Mas, mais do que ao perigo, estava exposta ao ridículo a Defesa de um país que protegia o armamento de uma base do Exército com câmaras avariadas. Rolaram logo cabeças de comandantes de unidades e a pressão foi tal que, quatro meses depois, os sete ladrões de granadas e munições apressaram-se a devolver tudo de forma anónima - em conluio com uns ambiciosos da PJ Militar que queriam brilhar com o “achamento” do material. A novela que entreteve o país ficou resumida, repito, ao ridículo - mas nem por sombras à gravidade do que assistimos agora, pasmados, em Vale de Judeus.
Deixar fugir, por uma escadas de carpinteiro, cinco dos mais perigosos condenados do país de uma prisão de alta segurança, é a maior falha de segurança interna de que tenho memória em 20 anos, a falência do sistema de justiça e o grau zero do Estado de direito.
Sabíamos das dificuldades em condenar e prender suspeitos dos maiores crimes económicos, pelas entropias dos sistema e o estado a que chegaram o Ministério Público e os tribunais; ficámos a saber que os Serviços Prisionais não conseguem manter na cadeia condenados pelos mais atrozes crimes violentos - que traficam, roubam, raptam e matam pessoas, inclusive crianças.
Se a investigação criminal não tem bolas de cristal para muitas vezes identificar ou localizar suspeitos dos crimes mais graves, quando são apanhados e condenados é a mais elementar obrigação do Estado não os deixar fugir. Torres sem vigilância, pátios de acesso a muros sem detetores de movimentos, vídeovigilância sem monitorização permanente são próprios de um parque de automóveis, não de uma prisão de alta segurança.
Falhou o Estado, na principal função de proteção dos cidadãos - porque estes cinco homens andam por aí, sob risco de sequestro de famílias para melhor se esconderem, por exemplo - e o Estado tem rostos, desde logo com responsabilidade política: um primeiro-ministro; uma ministra da tutela, na Justiça; e um diretor dos serviços prisionais.
Há incidentes impossíveis ou difíceis de prever ou prevenir - mas não era seguramente este, que é imperdoável. Talvez o país ainda não tenha acordado da silly season, mas o caso de Tancos, ao pé disto, foi um filme da Disney.