Israel diz que está confirmada a morte do clérigo de 64 anos, que liderava o Hezbollah há 32 anos, nos pesados bombardeamentos ao sul de Beirute na sexta-feira à noite. Horas depois, ao final da manhã em Lisboa, a milícia xiita confirmou a morte do seu líder
A Economist fala num “líder carismático”, a Associated Press num homem que “desafiou Israel durante décadas”. Ao leme da milícia xiita libanesa Hezbollah há 32 anos, Hassan Nasrallah terá morrido nos pesados bombardeamentos de Israel aos subúrbios sul de Beirute, a capital do Líbano, na noite de sexta-feira, adiantou o exército hebraico. Tinha 64 anos.
Nascido em 1960 no seio de uma família pobre, era filho de um vendedor de fruta e legumes oriundo de Bazouriyeh, uma pequena aldeia xiita do sul do Líbano e tido como muçulmano praticante desde os 9 anos de idade, admirador de Musa al-Sadr, clérigo libanês de origens iranianas venerado pelos xiitas do Líbano.
Quando estalou a guerra civil no Líbano em 1975, a família de Nasrallah voltou para Bazouriyeh, altura em que Nasrallah se filiou ao partido político xiita Amal – com apenas 15 anos, foi incumbido de ajudar a angariar mais membros para o movimento na sua aldeia.
Um ano depois, partiu para Najaf, uma cidade no Iraque, para estudar num seminário. Foi aí que conheceu Abbas Musawi, clérigo fundador do Hezbollah que se tornaria seu mentor e amigo, e também Ruhollah Khomeini, aquele que viria a tornar-se o supremo líder do Irão na revolução islâmica de 1979, até à sua morte dez anos depois – ao pé de Khomeini, recordaria mais tarde Hassan Nasrallah, “não havia tempo nem espaço”.
Um “astuto estratego” nas palavras do correspondente da AP, Nasrallah liderou o Hezbollah em várias guerras contra Israel, tendo sido também ativo na vizinha Síria, onde ajudou o presidente, Bashar al-Assad, a permanecer no poder após a guerra civil que estalou em 2011 durante a Primavera Árabe.
Vários analistas dizem que foi ele o responsável por transformar o Hezbollah num verdadeiro arqui-inimigo de Israel, cimentando alianças com líderes religiosos xiitas no Irão e junto do grupo palestiniano Hamas. Idolatrado e respeitado por milhões de seguidores do xiismo em todo o mundo árabe e islâmico, Nasrallah era um sayyid – título honorífico dado a clérigos xiitas considerados descendentes do Profeta Maomé, fundador do Islão.
Orador inflamado, com a capacidade de mobilizar milhares com os seus discursos, incluindo os mais de 100 mil elementos do Hezbollah, Nasrallah era visto como um extremista pelos Estados Unidos da América e por grande parte do Ocidente, mas considerado um homem pragmático em comparação com os militantes que fundaram o Hezbollah há mais de 40 anos.
Formado por membros da Guarda Revolucionária do Irão no verão de 1982, após a invasão do Líbano pelas tropas de Israel, o Hezbollah tornou-se o primeiro grupo abertamente apoiado por Teerão no Médio Oriente, usado pelo regime iraniano para exportar a sua versão do Islão político para a região.
Hassan Nasrallah assumiu o leme do grupo em fevereiro de 1992, uma década após a sua fundação, na sequência da morte de Sayyed Abbas Musawi, aos 39 anos, num ataque de helicóptero de Israel no sul do Líbano. Cinco anos depois de ter sido eleito secretário-geral do Hezbollah, os EUA passaram a designar o grupo como uma organização terrorista.
Sob Nasrallah, o Hezbollah liderou uma guerra de atrito contra Israel na viragem do século que levou à retirada das tropas hebraicas do sul do Líbano em 2000, após 18 anos de ocupação. Antes disso, o seu filho mais velho, Hadi, morreu em combates com os israelitas em 1997. A retirada israelita em 2000 viu Nasrallah ser elevado ao estatuto de ícone entre os xiitas do Líbano e do resto do mundo árabe. As suas mensagens e discursos passaram a ser transmitidas via satélite para milhões de ouvintes e espectadores da televisão e rádio da milícia. Esse estatuto seria cimentado em 2006, quando o Hezbollah e Israel se envolveram numa guerra de 33 dias que culminou na instalação de uma força de manutenção de paz da ONU no sul do Líbano.
Recentemente, um dia depois dos ataques do Hamas a 7 de outubro e da ofensiva armada lançada pelo Estado hebraico contra a Faixa de Gaza, em curso até hoje, o Hezbollah retomou os ataques a Israel, assumindo-se como uma “frente de apoio” ao enclave palestiniano. Em discursos ao longo do conflito, Nasrallah manteve um tom desafiante na defesa dos ataques ao norte de Israel, do outro lado da fronteira com o Líbano, em “solidariedade com o povo palestiniano”, ainda que os analistas ressaltem que isto serviu sobretudo para gerar “simpatia internacional” face à guerra em curso em Gaza.
“A questão de Gaza foi usada pelo Hezbollah para criar simpatia internacional, mas o Hezbollah não morre de amores pelo povo palestiniano – tem uma missão muito específica, que passa por ser um braço armado ao serviço dos interesses do Irão e, internamente, continuar a proteger e a dar protagonismo à minoria xiita do Líbano”, referia na semana passada o major-general Arnaut Moreira.
Também à CNN Portugal, a negociadora internacional israelita Nomi Bar-Yaacov lembrava na mesma altura que, apesar de Nasrallah ter garantido nos seus discursos que um cessar-fogo em Gaza poria fim ao conflito do Hezbollah com Israel, "isso não é verdade", embora seja necessária uma trégua de longo prazo no enclave palestiniano para se abrir caminho também a uma solução para o Líbano e o norte de Israel.
Estas análises seguiram-se a um ataque israelita “sem precedentes” que teve lugar na semana passada, tendo como alvos pagers e walkie-talkies usados pelos elementos do Hezbollah, que estavam armadilhados e que explodiram em simultâneo um pouco por todo o Líbano, provocando mais de 37 mortos e milhares de feridos.
No rescaldo das explosões, os analistas referiram em uníssono que este ataque se tratou de um dos mais duros golpes à estrutura do Hezbollah e que seria um possível prelúdio de uma incursão terrestre de Israel no Líbano. Essa incursão (ainda) não aconteceu. Em vez disso, enquanto o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, discursava na assembleia-geral da ONU em Nova Iorque, ao final de sexta-feira, as forças armadas de Israel executaram pesados bombardeamentos ao alegado “quartel-general” da milícia no sul de Beirute, um ataque cujo balanço de vítimas ainda não foi possível apurar.
O grupo passou as últimas horas a garantir que Nasrallah não está entre os mortos – mas a meio da manhã deste sábado, o exército israelita disse que a sua morte estava confirmada. A reação por parte dos dirigentes do Hezbollah tardou, mas ao final da manhã em Lisboa, início da tarde em Beirute, a milícia confirmou que perdeu o seu principal líder.
[atualizado às 12h43 com o Hezbollah a confirmar a morte do líder]