Êxtase do início ao fim: Harry Styles tocou em Portugal, fez uma ode aos pastéis de nata e ajudou num pedido de casamento

1 ago 2022, 00:39
Harry Styles no concerto em Lisboa, a 31 de julho (DR)

O concerto de estreia a título pessoal em Portugal estava agendado para maio de 2020. Dois anos e dois meses depois, a lotação esgotou, a expectativa cresceu e a euforia durou horas. Os fãs explicam o fenómeno Harry Styles.

“Sou o Harry Styles, tenho 16 anos e trabalho numa padaria aos sábados”. Foi assim que se apresentou ao mundo em 2010, no concurso de caça-talentos X Factor e estava longe de imaginar o que viria depois de cantar Isn't She Lovely de Stevie Wonder ou que iria comer um pastel de nata em plena Altice Arena. Seja enquanto membro da banda One Direction - que nasceu desse mesmo programa televisivo -, seja a título pessoal enquanto cantor e ator, Harry Styles soma 43 prémios em pouco mais de dez anos. Mas, afinal o que é que Harry Styles tem?

Bondade, altruísmo, estilo. Estas foram as palavras que mais ouvimos dos fãs no dia do concerto. Pouco depois das 10h, já de guarda-sóis e guarda-chuvas ao alto, houve até quem levasse cadeiras e colchões insufláveis. O objetivo era só um: garantir o melhor lugar naquele que foi o último concerto da digressão europeia Love On Tour. Os grupos formaram-se naturalmente, era fácil ter um tema de conversa em comum. Uns de amigos, outros de recém-amigos. “Conhecemos-nos agora”, disseram uns quantos jovens, sentados no chão e à espera que as portas abrissem, pelas 18h.

A escalada de sucesso - e de impacto - de Harry Styles é tal que a Texas State University vai ter, na primavera do próximo ano, uma aula dedicada única e exclusivamente ao artista. ‘Harry Styles e o Culto das Celebridades: Identidade, a Internet e a Cultura Pop Europeia’ é o nome da disciplina e tem como foco o “desenvolvimento cultural e político da celebridade moderna em relação a questões de género e sexualidade, raça, classe, nação e globalismo, meios de comunicação social, moda, cultura dos fãs, cultura da Internet e consumismo”. E isto porque, mais do que música, Styles dá corpo e voz a causas. A revista L’Officiel apelidou-o mesmo, em 2019, “um ícone global para a nova década”. E Harry Styles, como dizem os fãs e críticos, é muito mais do que música.

E para quem segue o artista ainda do tempo dos One Direction percebe bem o porquê. “Ele é o role model da nossa geração”, diz uma jovem. “É uma boa influência”, acrescenta a outra. E porquê, questionamos. “Ajuda as pessoas desta nova geração e de outras gerações a sentirem-se mais confortáveis”, apressa-se a dizer uma jovem de 20 anos que viajou de Guimarães para o concerto.

“Trata as pessoas com bondade, sem julgamento. É um role model e uma boa influência”, disse uma outra jovem, rapidamente interrompida por uma amiga. “É assim que quero o meu futuro”.

A constante interação do cantor com o público nos espetáculos foi também um dos aspetos mencionados pelos fãs. Aliás, alguns pagaram mais de 160 euros (pacote VIP) para poderem entrar na Altice Arena às 15h, três horas antes de as portas abrirem para o restante público, e ficar com o melhor lugar - e para o garantir alguns fãs pernoitaram na rua. “Quero garantir a melhor experiência e ele interage muito com quem está mesmo à frente do palco”, conta-nos uma jovem lisboeta, que nem por estar próxima do local do evento deixou de chegar cedo. E para muitos compensou, como é o caso do casal João e Mariana que contou com a ajuda do cantor para ficar noivo. “Nunca me senti tão fora de controlo em toda a minha vida”, disse o cantor, em tom de brincadeira depois de ter dado o microfone ao agora noivo e ter presenciado um pedido de casamento em pleno concerto. 

Celebrar o amor é “uma das suas coisas favoritas”, disse. E a segunda, pelo menos em Portugal, são os pastéis de nata. “Inacreditável”, disse. E, umas quantas músicas depois, lá foi buscar um e comeu. “Esta é a minha coisa preferida de fazer [atuar em palco].  Às vezes a segunda, depois da pastelaria”, brincou.

Nas várias filas e aglomerados à sombra que se formaram ao longo do dia - e nem sempre foi fácil escapar ao sol e aos 36 graus que se fizeram sentir -, assim como por todo centro comercial que encheu a olhos vistos, plumas, cores, lantejoulas, glitter e bandeiras arco-íris eram dominantes. Vestidos a rigor, muitos acessórios e merchandising e sempre música. Houve quem levasse pequenas colunas para afinar as letras à exaustão e nem os agentes policiais ficaram indiferentes ao ambiente. Pouco depois das onze, dois agentes decidiram animar quem já estava à espera e colocaram As It Was a alto e bom som no carro enquanto passavam - e já o tinham feito na noite anterior com Watermelon Sugar, um dos hits do artista.

 

Após dois adiamentos à boleia da covid-19, Lisboa recebeu pela primeira vez Harry Styles  enquanto artista a solo. Os Wolf Alice fizeram as honras - e contaram com uma plateia ao rubro, sobretudo quando a vocalista subiu ao palco para cantar com Styles a música No Hard Feelings. Foram perto de duas horas de êxtase, com as canções na ponta da língua e uma euforia em uníssono - especialmente quando começou a tocar Best Song Ever, dos One Direction.

O artista britânico, de 28 anos, já tinha atuado em Lisboa e no Porto com os One Direction, banda composta também por Zayn Malik, Niall Horan, Louis Tomlinson e Liam Payne e que está numa pausa por tempo indeterminado desde 2016 (mas que conta com mais de 50 milhões de discos vendidos).

Um modelo da fluidez e da inclusão

Para Harry Styles não há limites para a moda, nem para a identidade, nem para os desejos de expressão de cada um - e este tem sido um dos seus atrativos e um trampolim para quem quer assumir uma nova identidade. Foi ainda nos tempos de boyband que começou a recorrer à roupa para se diferenciar, mas a sua primeira digressão, em 2017, ditou o começo da sua identidade de moda, que aos poucos já ia mostrando. Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci, vestiu Styles para a sua primeira digressão nesse mesmo ano. As cores começaram a ser mais chamativas, os brilhos mais frequentes, assim como os folhos e as misturas de padrões. E desde então que o artista é embaixador da Gucci - e do perfume sem género Mémoire d'une Odeur - e apresenta um estilo muito próprio, que inclui saias, vestidos, transparências, malhas com ovelhas, plumas, camisolas com frutas, colares de pérolas, o que for.

“Estão a cair muitas barreiras – na moda, mas também na música, nos filmes e na arte”, disse à L’Officiel. “Não acho que as pessoas ainda estejam a procurar essa diferenciação de género. Mesmo que o masculino e o feminino existam, os seus limites são objeto de um jogo. Não precisamos mais ser isto ou aquilo. Acho que agora as pessoas estão apenas a tentar ser boas [pessoas]. Na moda e em outros campos, esses parâmetros não são mais tão rígidos como antes e dão origem a uma grande liberdade. É estimulante”.

Para Harry Styles, em entrevista à The Face, “o que é feminino e o que é masculino, o que os homens estão a vestir e o que as mulheres estão a vestir  - é como se não houvesse mais linhas”. E a sua marca Pleasing - vernizes, cosmética e acessórios - é a prova disso: não escolhe géneros. E as suas unhas azul turquesa no concerto de Lisboa são a prova disso.

Fotografia da campanha da Pleasing, a marca criada por Harry Styles e que trouxe a manicura masculina para o centro das atenções (Créditos: Instagram)

Em 2020, Harry Styles foi o primeiro homem a ser capa da edição norte-americana da revista Vogue. Mas o feito não é apenas este: na sessão fotográfica, usou maioritariamente saias e vestidos e voltou a destacar a importância de cada um se vestir como se sentir melhor, independentemente se isso quebra ou não barreiras sociais ainda impostas. 

“É tão divertido brincar com roupa. Nunca pensei muito no que significa, mas quando era criança, gostava de me vestir de forma sofisticada (…)Lembro-me que era uma loucura para mim estar a usar um par de collants”, disse na entrevista à Vogue, em 2020. (Créditos: Instagram)

Numa conversa com o ator Timothée Chalamet para iD, em novembro de 2018, Harry Styles já tinha tocado no tema da fluidez de género e na importância de as pessoas não se rotularem se não se sentirem confortáveis com tal - e, numa entrevista ao The Guardian, rejeitou críticas de que usa a sua ambiguidade sexual para captar as atenções -, algo que voltou a frisar este ano na sua mais recente entrevista: “Hoje é mais fácil abraçar a masculinidade em tantas coisas diferentes”, reconheceu.

Um ano depois do seu segundo disco chegar ao mercado - e com muita especulação à mistura sobre a forma como se vestia -, Styles admitiu que estava “muito mais contente” com quem era por ter encontrado um equilíbrio e um bem-estar e ser como pretende e quer ser. “Acho que há muita masculinidade em ser vulnerável e permitir-se ser feminino, e estou muito confortável com isso. Enquanto crescemos nem sabemos o que essas coisas significam. Temos a ideia do que é ser masculino e, à medida que crescemos e experimentamos mais do mundo, ficamos mais confortável com quem somos. Hoje é mais fácil abraçar a masculinidade em tantas coisas diferentes. Eu definitivamente acho – através da música, escrevendo, conversando com amigos e sendo aberto – que algumas das vezes em que me sinto mais confiante é quando me permito ser vulnerável”.

A sexualidade tem sido um tema muito presente na vida mediática de Harry Styles. Desde os tempos dos One Direction que a sua orientação sexual é questionada, uma curiosidade que o artista diz que não entende e que continuará a não rotular as suas escolhas amorosas e sexuais. “Durante muito tempo, parecia que a única coisa que era minha era minha vida sexual. Sentia-me tão envergonhado com isso, envergonhado com a ideia de as pessoas saberem que eu estava a fazer sexo, muito menos com quem”, revelou à revista Better Homes & Gardens, naquela que é a sua mais recente entrevista (das raríssimas que dá).

Para assinalar o lançamento do seu novo álbum, Harry Styles deu uma entrevista à revista Better Homes & Gardens. A sua identidade sexual foi um dos temas mais abordados, com o cantor a frisar que não entende o interesse e que esse assunto apenas a si diz respeito, embora tenha rejeitado quaisquer rótulos. Na sessão fotográfica há um grande destaque para as unhas pintadas. (Créditos: Instagram)

No seu álbum Fine Line - muito à boleia da canção Lights Up -, a sexualidade de Harry Styles voltou a ser tema de conversa. No concerto em Portugal, ergue uma bandeira e uma boa com as cores arco-íris enquanto cantava. Sem rótulos ou revelações, Harry tem sido apoiante da causa LGBT.

Foram já várias as vezes em que Harry Styles defendeu que não faz sentido qualquer rótulo, qualquer anúncio, afinal, era - e é - um assunto que só a ele lhe diz respeito. “Eu tenho sido muito aberto com os meus amigos, mas esta é minha experiência pessoal; é minha”, disse na mesma entrevista. “O ponto principal para onde nos devemos dirigir, que é aceitar todos e ser mais abertos, é que não importa, e é sobre não ter que rotular tudo, não ter que esclarecer quais as caixas em que nos encaixamos”.

Há quem o apelide de David Bowie de uma nova geração

A associação não é de agora (começou logo na primeira música a solo de Styles, Sign of the Time), mas o seu novo álbum - Harry's House - trouxe de novo o tema para discussão, não numa ótica de comparação, mas mais de passagem de testemunho, com Styles a seguir as pisadas (na altura ousadas) de Bowie e com a clara noção de que dificilmente ultrapassará a irreverência e o marco histórico do ícone dos anos 70 e 80, até porque os dois nomes numa mesma frase é um tema controverso no Reino Unido. O próprio Harry Styles vê em Bowie uma das suas principais inspirações musicais e este novo disco traz uma sonoridade semelhante.

As fãs mais velhas, que acompanharam filhas e sobrinhas no concerto, mas também fãs assumidas do cantor, mostram-se reticentes - tal como alguns críticos de música britânicos, que embora não neguem o talento de Harry Styles, há uma certa necessidade de dizer que David Bowie só há um. Tímida entre um grupo de jovens, mas orgulhosa dos seus 53 anos, uma fã assumida dos dois artistas disse-nos que Harry Styles é uma mais-valia para as gerações de agora, mas apesar de ser um “camaleão” como David Bowie, terá de” subir alguns patamares” até chegar onde David Bowie chegou.

Além da sonoridade, é sobretudo nas roupas que os dois artistas britânicos se cruzam, com Styles a espelhar a criatividade, arrojo e espontaneidade de Bowie, assumindo claramente a influência que o cantor teve e tem para si. Para o videoclipe de As it Was, o estilista Arturo Obegero criou um macacão inspirado em Bowie, mas também em Mick Jagger, Freddie Mercury e Prince.

Mais do que música, atitude política

Nos seus concertos, é comum Harry Styles levantar bandeiras arco-íris, tal como fez este ano no Coachella, nos Estados Unidos, em que mostrou uma bandeira de orgulho bissexual e doou parte dos lucros do espetáculo a associações que apoiam a comunidade queer. Num recente concerto, ajudou um fã a assumir a homossexualidade junto da mãe.

Mas o ativismo de Harry Styles não se fica por aqui e, muitas vezes, é espelhado em tom de caridade. Tal como aconteceu em 2016, quando doou parte do seu cabelo à Little Princess Trust do Reino Unido.

Em 2017, Styles doou 1,2 milhões de dólares (cerca de 1,17 milhões de euros, oriundos da sua primeira digressão) a 62 instituições de solidariedade espalhadas pelo mundo.

A música Treat People With Kindness, do seu segundo álbum, tem servido de mote para as mensagens que Harry Styles quer passar: as pessoas devem aceitar-se tal como são e tal como os outros são. O título da música está presente numa série de peças de roupa e acessórios de merchandising, cujas vendas (mais de um milhão de dólares) revertem para associações LGBT, associações de apoio a doenças raras e instituições de caridade.

Também com o recurso à moda, Harry Styles lançou um conjunto de t-shirts (à venda por cerca de 20 euros) com mensagens a apelar à segurança e ao isolamento por causa da covid-19. Todo o dinheiro foi doado ao Fundo de Resposta de Solidariedade da Organização Mundial da Saúde.

A propósito do assassinato de George Floyd, em maio de 2020 nos Estados Unidos, Styles juntou-se à causa e aos protestos do movimento Black Lives Matter e doou dinheiro para ajudar a pagar a fiança dos ativistas presos.

A guerra na Ucrânia tem sido mencionada nos seus espetáculos, mas Styles volta a fazer da sua fortuna - avaliada em 100 milhões de libras (cerca de 119 milhões de euros) uma arma de combate: o artista está a doar os lucros da sua campanha de áudio da Apple ao Comité Internacional de Resgate, que apoia os refugiados do conflito. No concerto em Lisboa, colocou a bandeira da Ucrânia às costas enquanto cantava Sign of Times.

Mais recentemente, Harry Styles juntou-se às vozes de condenação pela revogação da lei do aborto nos Estados Unidos e às que apelam por um maior controlo do uso de armas nos Estados Unidos. Após o tiroteio numa escola do Texas, o artista prometeu doar um milhão de dólares a um grupo de segurança de armas, a Everytown.

Um olá, um estou aqui e um vejam no que me tornei. Três álbuns de sucesso que espelham a evolução

O primeiro disco foi a verdadeira prova de fogo: como iria Harry Styles sobreviver ao pós One Direction? Muito bem, digamos. O primeiro álbum, que batizou com o seu próprio nome, foi um sucesso de vendas (mais de um milhão de cópias), apesar do medo que o artista sentia. “Saí de uma banda, e era do tipo, se eu quero ser levado a sério como músico, então eu não posso criar músicas divertidas”, confessou numa entrevista. Mas não se deixou levar por aquilo que os outros pensam logo no álbum seguinte. O segundo disco, e que serviu de mote para a digressão mundial Love On Tour que passou este domingo por Lisboa - consolida aquilo que Harry quer ser: multifacetado, espontâneo e contra a corrente, embora ainda, por vezes, inseguro em palco (enganou-se no tema Canyon Moon, mas reconheceu rápido a falha). Fine Line liderou a Billboard 200 no seu lançamento e, tal como o primeiro disco, foi número um nos Estados Unidos. “No Reino Unido foi o álbum mais vendido numa semana de um artista a solo”, escreve a Everything is New, responsável pelo concerto em Portugal.

No seu mais recente disco, Harry's House, que chegou ao mercado a 20 de maio, há um lado mais caseiro, mais íntimo e mais maduro. “Parece o maior e o mais divertido, mas é de longe o mais íntimo”, disse Harry Styles à revista Better Homes & Gardens. Neste terceiro disco, não entram apenas os desamores, entra o sexo, a saúde mental e as drogas (como acontece com a canção Daylight). E não há espaço para mensagens subliminares, Harry está a nu, em sua casa.

No concerto deste domingo, houve espaço para canções dos três álbuns e para o regresso de Fine Line, um tema que Styles estava a deixar para segundo plano. Music For a Sushi Restaurant abriu o concerto e o cantor começou logo a espalhar beijos e agradecimentos. Kiwi fechou a noite com um pico de energia.

E o que se segue?

Enquanto um novo álbum pode estar ou não a ser planeado, Harry Styles chega aos cinemas com dois filmes: um suspense e um drama gay. Don't Worry Darling, realizado por Olivia Wilde, conta no elenco com Florence Pugh e Chris Pine, e My Policeman, dirigido por Michael Grandage, é protagonizado por David Dawson e Emma Corrin. Mas há mais: o artista britânico irá também entrar em Eternals, da Marvel. Em 2017, Harry Styles fez parte do elenco de Dunkirk, filme dirigido por Christopher Nolan.

“Finalmente, não parece que minha vida vá acabar se este álbum não for um sucesso comercial”, revelou Harry Styles na sua última entrevista. “Eu só quero fazer coisas que sejam certas, que sejam divertidas, em termos de processo, de que eu me possa orgulhar por muito tempo, que os meus amigos se possam orgulhar, que a minha família se possa orgulhar, que as minha crianças se vão orgulhar um dia”.

 

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