Como uma operação de rotina levou Israel a cumprir um objetivo com um ano: morreu Yahya Sinwar

CNN , Jessie Yeung
18 out 2024, 07:56
Yahya Sinwar, líder do Hamas (AP)

Mais de um ano depois dos devastadores ataques do Hamas a Israel, a 7 de outubro, as forças armadas israelitas declararam, na quinta-feira, ter matado o homem que consideram ter sido o principal arquiteto desse massacre transfronteiriço - levantando questões sobre o futuro da guerra e do próprio grupo, que tem sofrido sucessivos golpes nos últimos meses.

A morte do líder do Hamas, Yahya Sinwar, poderá criar uma rara oportunidade para se chegar a um cessar-fogo, segundo as autoridades norte-americanas - tendo Israel matado vários outros comandantes de topo do Hamas, incluindo Ismail Haniyeh, o antigo líder político do grupo, bem como líderes do Hezbollah no Líbano.

O Hamas e o Hezbollah fazem ambos parte de um eixo de grupos apoiados pelo Irão.

Numa mensagem de vídeo gravada na quinta-feira, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse que a morte de Sinwar marcou “o início do dia depois do Hamas”, mas advertiu: "A tarefa que temos pela frente ainda não está completa."

O Hamas ainda não comentou as notícias sobre a morte do seu líder.

Eis tudo o que se sabe:

Como aconteceu?

Desde os atentados de 7 de outubro, Israel tem investido os seus recursos numa feroz caça ao homem a Sinwar, declarando-o o homem mais procurado em Gaza e um “homem morto a andar”. A certa altura, um porta-voz militar israelita disse que o Exército israelita “não vai parar até que ele seja capturado, vivo ou morto”.

E, segundo as autoridades norte-americanas, os militares israelitas aproximaram-se algumas vezes, chegando mesmo a obter um vídeo que supostamente mostrava Sinwar com vários membros da família dentro de um túnel de Gaza - mas ele continuou a escapar. Anteriormente, os militares israelitas cercaram a casa de Sinwar e efetuaram um ataque intensivo à sua cidade natal, Khan Younis, mas não o conseguiram encontrar.

Essa busca de um ano chegou finalmente a um fim inesperado na quarta-feira, em Rafah, no sul de Gaza. As forças israelitas encontravam-se na zona durante uma operação militar de rotina quando foram atacadas perto de um edifício, segundo duas fontes israelitas familiarizadas com o assunto.

Segundo o exército israelita, as tropas responderam ao ataque com um tanque e, em seguida, lançaram um drone contra o edifício fortemente danificado. O vídeo, partilhado pelos militares, mostra o que parecem ser os últimos momentos de Sinwar: está sentado sozinho numa cadeira, rodeado de pó e escombros, e parece olhar diretamente para a câmara. Segura um pedaço de madeira na mão e atira-o contra o drone antes de o vídeo terminar.

Só nessa altura, quando as tropas inspecionaram os escombros, é que se aperceberam que Sinwar estava entre os corpos, segundo os militares israelitas.

Registos dentários e outros dados biométricos ajudaram Israel a identificar o líder do Hamas, de acordo com um ex-funcionário dos EUA.

Sinwar estava a tentar fugir para o norte quando foi morto, indicou outro porta-voz militar israelita na quinta-feira. Ele foi encontrado com uma arma e mais de 10.000 dólares em shekels israelitas, disse o porta-voz.

Yahya Sinwar observa os apoiantes do Hamas numa manifestação anti-Israel por causa da tensão na mesquita Al-Aqsa de Jerusalém, na cidade de Gaza, a 1 de outubro de 2022 (Mohammed Salem/REUTERS)

Quem era Sinwar?

Sinwar foi durante muito tempo um elemento-chave do Hamas, tendo-se juntado ao grupo militante no final dos anos 80 e subido rapidamente na hierarquia.

Nasceu num campo de refugiados em Gaza, depois de a sua família ter sido deslocada da aldeia palestiniana de Al-Majdal - atualmente parte da cidade israelita de Ashkelon - durante a guerra israelo-árabe.

Enquanto estudante, Sinwar tornou-se um ativista anti-ocupação, mas foi preso em Israel com várias penas de prisão perpétua depois de ter sido acusado de orquestrar um homicídio. Cumpriu 23 anos antes de ser libertado no âmbito de uma troca de prisioneiros em 2011.

Sinwar regressou a Gaza e rapidamente estabeleceu o seu nome no Hamas. Fundou o temido ramo de segurança dos serviços secretos internacionais do grupo, o Majd, e era conhecido por usar uma violência brutal contra qualquer pessoa suspeita de colaborar com Israel.

Também era visto por alguns como um líder político pragmático: em 2017, o Hamas elegeu Sinwar como chefe político do Politburo, o seu principal órgão de decisão em Gaza.

Sinwar foi designado terrorista global pelo Departamento de Estado dos EUA e pela União Europeia em 2015, e foi sancionado pelo Reino Unido e pela França nos últimos anos.

Mas ficou mais conhecido após os ataques de 7 de outubro como um dos principais alvos de Israel. As autoridades israelitas chamaram-lhe “o rosto do mal” e “o carniceiro de Khan Younis”.

Tornou-se um dos líderes mais importantes do Hamas em agosto, após o assassinato de Ismail Haniyeh no Irão. Sinwar não era visto desde os atentados de 7 de outubro, tendo provavelmente sobrevivido ao cerco de Israel a Gaza, entrando numa vasta rede de túneis subterrâneos.

Qual foi o seu papel no 7 de outubro?

Israel acusou publicamente Sinwar de ser o “cérebro” por detrás do ataque do Hamas de 7 de outubro - embora os especialistas acreditem que ele é um entre vários.

Este foi o ataque mais mortífero da história de Israel. O Hamas e outros grupos armados palestinianos mataram mais de 1.200 pessoas, na sua maioria civis, e levaram cerca de 250 pessoas para Gaza como reféns.

Sinwar foi considerado um decisor vital e provavelmente o principal ponto de contacto do mundo exterior em Gaza durante as intensas negociações sobre o regresso dos reféns.

As conversações envolveram altas individualidades de Israel, do Hamas, dos Estados Unidos, do Qatar e do Egito.

O que se segue?

Embora seja demasiado cedo para dizer o que poderá acontecer a seguir ou como o Hamas poderá reagir, o assassinato de Sinwar marca o mais recente golpe para o grupo - que tem visto vários líderes de topo serem abatidos um a um durante a ofensiva de Israel para desmantelar totalmente o Hamas.

Apenas um dia depois do assassinato de Haniyeh, Israel confirmou ter matado o chefe militar do Hamas, Mohammed Deif, durante um ataque anterior - outro dos alegados mentores do 7 de outubro.

Com um acordo de cessar-fogo e de libertação de reféns, que interrompia a guerra, teimosamente bloqueado há meses, os altos funcionários dos EUA tinham-se agarrado à esperança de que Sinwar pudesse um dia ser abatido - abrindo caminho para uma solução. Com a sua saída, os responsáveis especulam que esta poderá ser uma das melhores hipóteses de pôr fim à guerra entre Israel e o Hamas, mas mostram-se reticentes em fazer quaisquer previsões sobre o que isso poderá significar para a região.

O presidente dos EUA, Joe Biden, falou com Netanyahu por chamada telefónica na quinta-feira, onde “ambos os líderes concordaram que existe uma oportunidade para avançar com a libertação dos reféns e que iriam trabalhar em conjunto para alcançar este objetivo”, afirmou o gabinete do primeiro-ministro numa nota de imprensa.

Mas ainda há muitas dúvidas por esclarecer - incluindo qual o destino do irmão de Sinwar.

Mohammed Sinwar assumiu recentemente o cargo de comandante militar do Hamas, indicou um alto funcionário israelita à CNN no mês passado. Os irmãos eram muito próximos e, até finais de agosto, estavam frequentemente juntos, disse o mesmo funcionário à CNN.

Se Mohammed sobreviver esta semana, é provável que continue a tática de negociação de linha dura do seu irmão, numa altura em que Israel procura retirar os restantes reféns do enclave palestiniano. Mas até que surja uma imagem clara, será difícil saber qual será o próximo passo do grupo.

E, mesmo com a morte de Sinwar, o conflito no Médio Oriente continua - especialmente quando Israel se prepara para retaliar contra o ataque de mísseis balísticos do Irão no início deste mês. A CNN noticiou anteriormente que se esperava uma ação antes das eleições presidenciais nos EUA.

Uma outra frente do conflito está a intensificar-se na fronteira entre Israel e o Líbano, com o Hezbollah a anunciar na quinta-feira uma “nova fase de escalada” na sua guerra com Israel.

Também o Hezbollah sofreu perdas significativas nos últimos meses - desde os mortíferos ataques com pagers e walkie-talkies que mataram dezenas e feriram milhares de pessoas, muitas delas civis, até aos assassinatos de vários comandantes de alto nível, incluindo o seu chefe Hassan Nasrallah, no mês passado.

Entretanto, em Gaza, palestinianos afirmaram à CNN que não acreditam que a morte de Sinwar ponha fim à guerra - embora alguns tenham manifestado alguma esperança.

“Sinwar morreu, mas muitos dos nossos foram mortos e agora não há desculpa para Netanyahu continuar a guerra”, disse Mumen Khalili, de 22 anos.

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