As ruas de Lisboa e Porto acolheram este sábado manifestações que uniram vários movimentos em defesa do direito à habitação
Milhares de pessoas juntaram-se este sábado na Alameda Dom Afonso Henriques, em Lisboa, para exigir "casa para viver" e o cumprimento do direito à habitação, constitucionalmente consagrado, criticando a intervenção do atual Governo.
André Escoval, do movimento Porta a Porta, disse que "está pior ter casa para viver" e a manifestação pretende dizer ao Governo que é preciso medidas para baixar os preços da habitação, através de regulação e de "pôr em causa" os interesses dos proprietários e da banca.
"Isto vai ser uma grande ação de luta", afirmou André Escolal, acusando o Governo de estar "refém" dos interesses dos proprietários e da banca e esperando que haja disponibilidade para serem ouvidos pelo atual executivo.
A vereadora da Habitação na Câmara Municipal de Lisboa, e Filipa Roseta (PSD), marcou presença na manifestação, onde destacou o trabalho do atual executivo, afirmando que tem sido feito "muito mais do que fez na última década" para responder à crise habitacional na cidade, com cerca de 2.000 entregas de casas e 1.000 subsídios ao arrendamento.
A autarca, que defendeu a intervenção do atual Governo, destacou ainda o concurso de cooperativa 1. Habitação.
Perante a presença e as declarações de Filipa Roseta, o representante do movimento Porta a Porta acusou-a de "puro oportunismo político", indicando que "não é bem-vinda" nesta iniciativa de protesto pelo direito à habitação.
Depois de concentrados todos os manifestantes na Alameda Dom Afonso Henriques, a partir das 15:00, esta ação de protesto pelo direito à habitação vai fazer um percurso a pé de cerca de 3,5 quilómetros até ao Arco da Rua Augusta, descendo pela Avenida Almirante Reis, terminando com a atuação do músico Filipe Sambado, do grupo BatukadeiraX e do artista Jhon Douglas, "porque a luta também se faz em festa".
A manifestação é organizada pela plataforma Casa Para Viver, movimento Porta a Porta, Referendo pela Habitação, Projecto Ruído, Vida Justa e 1º Esquerdo, face ao agravamento da crise na habitação e por não acreditarem nas medidas propostas pelo novo Governo, da Aliança Democrática (AD), coligação PSD/CDS-PP/PPM, para resolver o problema.
"Pôr fim aos despejos, desocupações e demolições que não tenham alternativa de habitação digna e, que não preservem a unidade da família na sua área de residência", é outra das propostas, a que se junta a redução do valor das prestações bancárias, "pondo os lucros da banca a pagar".
O combate à especulação imobiliária é uma das prioridades, reforçando a necessidade de colocar a uso, "com preços sociais", os imóveis devolutos do Estado, dos grandes proprietários, fundos e empresas, assim como o aumento de habitação pública.
Pelo menos 22 cidades portuguesas aderiram à manifestação convocada pela plataforma Casa Para Viver, em defesa do direito à habitação, com protestos a acontecer em simultâneo do norte a sul de Portugal continental e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Para a plataforma - que junta mais de cem organizações e já mobilizou milhares de pessoas nas ruas de várias cidades em três manifestações (junho e setembro de 2023 e janeiro deste ano) -, o novo Governo, liderado pelo social-democrata Luís Montenegro, "está bastante comprometido com aquilo que é o negócio imobiliário".
"Os preços e as rendas das casas continuam a subir, a sobrelotação aumenta, assim como as barracas, as pessoas em situação de sem-abrigo e os despejos. A maior parte do nosso salário, senão todo (e muitas vezes este já não chega!), é gasta a pagar a casa. Desta forma, é inevitável que a pobreza aumente", referem os organizadores.
Milhares juntaram-se também no Porto
Cerca de cinco mil pessoas manifestaram-se na Praça da Batalha, Rua de Santa Catarina e Aliados, no Porto, para reivindicar o direito à habitação, entoando palavras de ordem como “Paz, pão, saúde, habitação”.
Perto das 16:00 na Praça da Batalha, junto ao Teatro Nacional de São João e debaixo de um sol brilhante, milhares de pessoas ouviram as palavras de ordem “Paz, pão, saúde, habitação”.
Estava dado o pontapé de saída para a manifestação pelo direito à habitação, uma iniciativa organizada pelo movimento Porta a Porta, e que segundo a sua porta-voz, Raquel Ferreira, contou com cerca de cinco mil manifestantes. Em janeiro deste ano, uma manifestação de contornos semelhantes teve cerca de quatro mil manifestantes, segundo dados da PSP.
As palavras de ordem mais gritadas alto e bom som variavam entre “Estabilidade sim, despejos não”, “Baixa prestação, subam os salários”, “Queremos teto queremos chão”, “Porto escuta, o povo está na luta”, “Abril exige casa para viver”, “Defender com afinco o artigo 65”, “Estamos fartos de escolher: pagar a renda ou comer”, “Eu não aguento mais viver na casa dos meus pais”, ou “Baixem as rendas, prolonguem os contratos”.
A arrepiar caminho pela Rua de Santa Catarina e a rua Fernandes Tomás, estavam os Mareantes do rio Douro de Vila Nova de Gaia, que avisavam os turistas de que a luta pelo direito à habitação estava na rua. Os turistas e transeuntes paravam para filmar e fotografar os milhares de manifestantes que entupiram a circulação de várias artérias do coração da cidade do Porto.
Filomena Alves, de 59 anos, a viver no Porto, contou à Lusa que foi despejada e que “se viu e desejou para conseguir arranjar uma nova habitação”.
“Os preços são exuberantes. Isto é uma vergonha, cada vez o Governo corta mais”, declarou, a gritar e visivelmente consternada com a crise na habitação que o Porto vive e Portugal em geral.
Na manifestação também se puderam ver faixas onde se lia "Construir poder popular - habitação hoje" ou “Sindicato dos trabalhadores em arquitetura pela valorização do nosso trabalho”, bem como faixas pelo “Fim da ocupação na Palestina, liberdade e independência”.
Em declarações à Lusa, Raquel Ferreira, porta-voz do núcleo do Porto do movimento Porta a Porta, explicou que a manifestação iria sofrer um atraso de uma hora.
A manifestação no Porto, que estava marcada para começar pelas 15:00, sofreu um atraso de última hora, a pedido da PSP, por causa da "mudança de turnos", disse a representante.
Manifestantes em Faro exigem casa para todos
Em Faro cerca de três dezenas de pessoas que se manifestaram pelo direito à habitação, exigindo “uma casa para todos”, numa região com muitos problemas no setor.
“Hoje estamos aqui numa luta específica para a habitação […]. O problema da habitação não é só os preços das casas, tem a ver também com […] a especulação, tem a ver também com os baixos salários”, disse à agência Lusa a porta-voz do movimento Porta a Porta, Ana Tarrafal.
Os manifestantes em Faro empunhavam cartazes onde se liam palavras de ordem a exigir “mais habitação pública”, “regular e rever as licenças de alojamento”, “combater a informalidade do arrendamento” ou “pôr o lucro dos bancos a pagar as prestações” da casa.
“A verdade é que PS efetivamente esteve lá [no Governo] o tempo suficiente para, pelo menos, tentar resolver este problema e não resolveu e acabou por camuflar um bocado o problema, porque não resolveu o cerne da questão, a própria especulação”, disse Ana Tarrafal.
Por outro lado, a porta-voz acrescentou que o atual “governo de direita não só não vai resolver o problema como o está a agravar”, dando como exemplo “as medidas apresentadas, que têm apenas aumentadas a especulação”.
De acordo com Ana Tarrafal, no Algarve a falta de habitações está relacionado com o facto de ser uma região em que o peso do turismo é grande e de a maioria dos trabalhadores ganharem o ordenado mínimo.
Para o movimento Porta a Porta, o Estado não se pode demitir das suas responsabilidades e remeter para a “mão invisível” do mercado a decisão sobre “o direito inalienável a uma habitação”, defendendo “políticas públicas” que garantam o aumento do parque público habitacional, uma baixa das taxas de juros nos empréstimosou uma travagem no aumento das rendas.
“Continua a luta para que alguma coisa seja feita pelas políticas de habitação”, disse à Lusa Albino, um dos manifestantes na capital algarvia, que sublinhou a necessidade de as pessoas continuarem a lutar e a exigir alterações à atual política.
Para ele, “o PS fez pouco” pela habitação e “ainda é cedo para perceber o que irá fazer o atual Governo” de coligação entre o PSD e o CDS.