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CEO da Portugal Sotheby’s International Realty

Na habitação, como noutras áreas estratégicas, não chega anunciar. É preciso executar

14 out, 14:28

O setor da habitação em Portugal vive um momento de viragem. O anúncio de um pacote fiscal que inclui a aplicação da taxa de IVA reduzida de 6 % representa, à partida, um passo firme do Governo na direção certa. Mas, como em tantos outros domínios da política pública, a diferença entre uma boa medida e um bom resultado reside, quase sempre, na execução

À primeira vista, a descida do IVA para novas construções e reabilitação urbana, seja para venda ou arrendamento, é uma “lufada de ar fresco” num mercado asfixiado por custos elevados, por margens comprimidas e pela dificuldade em responder à procura. Se bem implementada, esta medida pode devolver viabilidade a projetos de segmento médio – que são os mais negligenciados – e atrair de novo investidores para o mercado nacional, nomeadamente para o modelo build to rent. Pode, ainda, estimular a reabilitação urbana, desde sempre adiada, mas cada vez mais urgente.

Segundo a proposta do Governo, o IVA reduzido aplicar-se-á a três situações: habitações para venda até cerca de 648 mil euros; arrendamento com renda até 2.300 euros mensais; e autoconstrução, ainda com limite por definir. Trata-se de um regime temporário, válido até 2029, inserido num pacote mais amplo de incentivos fiscais.

Contudo, é precisamente no “se” que reside o verdadeiro desafio. A proposta, tal como está, levanta mais perguntas do que aquelas a que responde.

A descida do IVA não garante que os preços finais sejam baixos, já que nos mercados mais pressionados, esta medida poderá apenas aumentar as margens dos promotores. Por isso, a descida do IVA deve ser entendida como parte de uma estratégia mais abrangente, que inclua celeridade no licenciamento, estabilidade fiscal e cooperação efetiva entre Estado, autarquias e promotores. Só assim se poderá responder ao desafio de duplicar a oferta habitacional até 2030.

Além disso, é importante lembrar que os materiais de construção continuam sujeitos à taxa de IVA de 23 %. Se, como se espera, o aumento da procura pressionar o custo da mão de obra e dos fornecedores, o benefício do IVA reduzido pode acabar por ser diluído e não necessariamente refletido no preço final para o consumidor. Sem um enquadramento claro e sem mecanismos que assegurem que a vantagem fiscal chega, de facto, a quem compra ou arrenda, corremos o risco de criar mais uma medida bem-intencionada com impacto limitado.

Há, ainda, questões por esclarecer quanto à compatibilidade desta medida com as diretivas comunitárias relativas ao IVA, aos critérios de elegibilidade e aos mecanismos de controlo e fiscalização. E, claro, à sustentabilidade orçamental da própria medida. Se a sua aplicação for temporária, ou seja até 2029, corremos o risco de gerar “picos artificiais” de construção seguidos de quebras abruptas, distorcendo o mercado em vez de o estabilizar e robustecer.

Acresce, ainda, uma dúvida prática que carece de esclarecimento urgente: num projeto com diversas tipologias, como será feito o apuramento do IVA na contratação de mão de obra especializada (pedreiros, carpinteiros e canalizadores) se, por exemplo, os apartamentos T2 forem vendidos a 600.000 euros (e, portanto, dentro do limite de elegibilidade), mas os que tenham uma tipologia T3 ultrapassarem os 800.000 euros? Aplica-se a taxa reduzida em que parte do projeto de construção? E como será segregado esse valor em sede de IVA? Esta indefinição lança incertezas que podem comprometer a adesão dos promotores à medida anunciada.

A iniciativa do Governo é positiva, sem dúvida. Mas será apenas isso, ou seja, uma intenção, se não for acompanhada de uma regulamentação robusta, de uma transparência nos critérios, da previsibilidade fiscal e de um diálogo real com os agentes que operam no terreno. O setor privado está disponível para colaborar. O que se pede é clareza, consistência e compromisso para que cheguemos a bom porto.

Na habitação, como noutras áreas estratégicas, não chega anunciar. É preciso executar - e executar bem. Porque o que está em causa não é apenas mais uma medida fiscal, mas sim a capacidade do nosso país responder, com seriedade e envolvimento, a um dos seus maiores desafios coletivos de sempre.

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