"Não é por escolha que vivo em casa da minha mãe". Estes jovens têm “bons empregos”, mas nem assim conseguem comprar casa

1 abr 2023, 09:30
Edifícios (PEXELS)

Este sábado acontece a manifestação “Casa para viver”, para reivindicar habitação para jovens que não conseguem sair da alçada dos pais, são forçados a partilhar casa ou não têm capacidade para comprar. A CNN Portugal foi conhecer quatro jovens que, apesar de estarem estabelecidos no mercado de trabalho, também sofrem com a crise imobiliária

Escolheram “bons cursos”, têm carreiras estabelecidas, recebem ajudas e até se sentem sortudos, mas a dificuldade em comprar casa é evidente. São os ditos “millennials”, geração nascida entre 1981 e 1996, e apesar de não serem novos no mundo do trabalho, de já terem alguns anos de experiência e salários a cair na conta bancária, a expectativa de terem uma casa é diminuta, ou até inexistente.  

“A engenharia permite empregabilidade quase certa”, "os engenheiros ganham bem”. Vítor Machado, cheio de sonhos e ouvindo os conselhos de amigos e familiares, escolheu licenciar-se em engenharia civil, em Aveiro. As pessoas à sua volta reagiam com otimismo e o título de engenheiro era reconhecido. Contudo, agora com 31 anos, Vítor apercebeu-se rapidamente que “uma boa profissão não significa nada”. 

“Tenho uma vida financeira estável. Não tenho dificuldades ao final do mês, contudo não faço parte da geração que vai ser milionária. Aliás, não acredito que posso traçar objetivos como ter um bom carro ou ter uma boa casa, ou sequer ter uma entrada para uma casa”. 

Raquel Silva não podia concordar mais. Com 18 anos, saiu da região centro do país e foi para o Porto estudar “um curso com muito prestígio”: Direito. Oito anos depois, com 26, a notária admite que sempre pensou que "iria ter outra vida e mais capacidade financeira”. Atualmente divide casa, em Matosinhos, com Catarina Silva, advogada e também com 26 anos.

“Na fase da faculdade é giro dividir casa, mas qualquer pessoa acaba por querer ter a sua autonomia, ter o seu espaço. Sempre tive sorte e vivi com amigos, mas sei que muitas pessoas não têm essa realidade”, afirma Catarina

Após terminar o curso universitário, Vítor Machado conseguiu logo emprego, há seis anos, tendo começado por partilhar casa com estudantes, no centro de Aveiro. “Não aguentei muito tempo. Estávamos em fases de vida diferentes”, mas “tive sorte e encontrei um caso raro”.

330 euros. É o valor que paga pelo apartamento T3 que encontrou na periferia da cidade. Apesar de ser um prédio antigo, sem isolamento, com “condições questionáveis”, sente-se um felizardo. “O senhorio poderia arrendar pelo dobro, mas criámos uma relação de amizade. Assim que saia, ele vai aumentar a renda”. Contudo, “mesmo com esta ajuda não consigo comprar casa própria, imagino outras pessoas”.

Quem depende mesmo do apoio parental é Joana Pereira, psicóloga social. Escolheu estudar psicologia pelo gosto em perceber o comportamento humano, mas nunca imaginava que com 31 anos ainda estaria a viver com a mãe.

“Não foi uma tomada de decisão porque não há outra hipótese. Não é por escolha que vivo em casa da minha mãe. A vontade de me emancipar é enorme, mas não dá.” 

Trabalha onde estagiou após o final do curso, numa organização de assistência humanitária e social em Portugal. Ao falar com a CNN Portugal, Joana Pereira, com um ordenado de cerca de 860 euros, contratos a termo e dependente do financiamento para o projeto em que trabalha, admite, suspirando, que vive num “limbo” sem estabilidade.

Na área social é impossível “ganhar rios de dinheiro”, e, assim, a psicóloga pondera mudar de especialidade. Trabalhar numa clínica privada, escolher os preços das consultas ou até ir para o estrangeiro são opções aliciantes para Joana. Contudo, o sonho “nunca foi psicologia clínica” e muito menos passou por sair de Portugal. 

Por outro lado, emigrar é algo que está em cima da mesa para Vítor. O engenheiro é responsável por mercados estrangeiros na empresa onde trabalha e a proposta de explorar novos países foi oferecida. 

“Não seria algo permanente, e os custos seriam pagos pela empresa. Contudo, como queria manter uma semana por mês em Portugal, isso implicaria continuar a pagar renda. Assim, esta oportunidade não iria facilitar a compra de uma casa", explica.

À pergunta se é possível comprar casa nos tempos atuais, a resposta é clara para Vítor Machado: “É praticamente impossível! Falo por mim e na maioria dos jovens, qualquer casa ou apartamento novo não custa menos de 200 mil euros. Isso implica que, recorrendo a financiamento, tenhas capital próprio no mínimo de 18 ou 20 mil euros. Ou não conseguimos juntar essa quantia, ou temos de abdicar de todas as poupanças”. 

A advogada Carolina Almeida, do Porto, que tem trabalhado estes temas é da mesma opinião e faz diagnóstico. “Como é que alguém que esteja a trabalhar, mesmo com bom salário e boa profissão, consegue juntar o valor para a entrada de uma casa, por exemplo 30 mil da entrada, mais 20 mil euros de impostos? É impossível". As entidades bancárias pedem atualmente 10% a 20% do valor de entrada do imóvel. Fora os impostos, que "podem rondar entre 7500 e 25 mil euros". 

Ter “sorte” no amor ajuda? 

Vitor e Joana têm mais uma coisa em comum: são solteiros, assim como cerca de quatro milhões de portugueses, segundo a Pordata.

Tanto o engenheiro como a psicóloga concordam que estar numa relação pode facilitar a compra ou arrendamento de habitação. Em conversa com a CNN Portugal, Vítor Machado, com certeza na voz, afirma que “estando numa relação seria mais fácil". "São dois ordenados e faz toda a diferença”.  

Já a psicóloga sublinha a existência de pressão a nível social: “Quando chegamos a uma certa idade já devíamos ter atingido certos patamares, como ter filhos, casa”. No entanto, a nível habitacional, "as pessoas já começam a compreender que não está fácil para ninguém". "Esta geração apanhou a troika, a pandemia, a inflação, crise económica, aumento da idade da reforma, que nos tirou muitos postos de trabalho, a guerra. Está tudo contra nós”.

Catarina e Raquel são um exemplo de que ter alguém com quem dividir despesas, estando numa relação amorosa ou não, torna tudo mais fácil. Por isso mesmo, para as duas amigas, ainda não há perspetivas de virem a morar sozinhas. 

“Não há condições para viver sozinha. Claro que está nos meus objetivos, mas não me parece possível conseguir num futuro próximo”, afirma Raquel Silva.

Já a  advogada Carolina Almeida acredita que ainda há possibilidade de aumentar as possibilidades de sucesso das novas gerações, e nada tem a ver com encontrar um parceiro.

“É imperativo que o estado tenha um poder regulatório, principalmente no que respeita aos valores de entrada definidos pelas entidades bancárias e, obviamente, nos impostos, sob pena da maioria dos portugueses, com profissões mais bem cotadas e mesmo com um rendimento confortável, não terem capacidade para concretizar a compra de casa”. 

Imobiliário

Mais Imobiliário

Patrocinados