Habitação: as boas medidas, as más, as inócuas e as perigosas

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo
17 fev 2023, 10:54
António Costa (António Cotrim/LUSA)

As medidas anunciadas por António Costa para resolver os problemas na habitação justificam elogios e críticas dos economistas, que alertam para alguns efeitos indesejados

Nem tudo é bom no pacote de medidas anunciado pelo Governo para a habitação, segundo os economistas consultados pelo ECO. Mas também nem tudo é mau. Os apoios às famílias e a simplificação dos licenciamentos merecem aplausos. Já as medidas para o alojamento local ou os limites às rendas nos novos contratos chumbam na avaliação. Há também anúncios inócuos e outros que trazem riscos.

Elogios para a simplificação

Pedro Brinca considera positivas as medidas de ajuda às famílias com quebra de rendimentos, como o apoio extraordinário ao pagamento de rendas e à subida das taxas de juro, que compensará metade dos juros pagos no crédito à habitação acima de 3%. Alerta, no entanto, para o impacto orçamental que esta última poderá ter. “A Euribor a 12 meses já está acima dos 3%. Há aqui alguma margem para um gasto elevado do Orçamento do Estado com esta medida”, considera o economista da Nova SBE. A bonificação é para famílias com rendimentos até ao sexto escalão. “Se for per capita apanha 90% das pessoas, se for por agregado familiar será uma medida mais de cariz social”, aponta, salientando que será necessário conhecer o detalhe das medidas.

Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, considera “muito boa a intenção de simplificação dos licenciamentos. Falta conhecer os detalhes, ver se funciona na prática, porque as câmaras têm demasiado maus hábitos”, ressalva. Outra “boa medida” é a intenção de facilitar a conversão de imóveis destinados ao comércio para habitação.

Pedro Brinca também aplaude a simplificação do licenciamento, com a aprovação dos projetos a ser feita com base nos termos de responsabilidade dos autores dos projetos. Vera Gouveia Barros, economista do ISEG, estende o elogio à criação de um regime de juros de mora que visa aplicar uma sanção pecuniária aos municípios e às entidades externas envolvidas que não cumpram os prazos legalmente estabelecidos.

O Estado vai assumir o pagamento da renda após o terceiro mês de incumprimento, ficando sub-rogado na posição do senhorio para recuperação das quantias em dívida, mediante execução fiscal, ou promoção do despejo – salvo se se verificar existência de um motivo socialmente atendível que determine a atribuição de prestação social ou realojamento. Para Pedro Brinca, a medida “traz uma segurança adicional a quem arrenda, podendo inspirar uma maior confiança” para colocar o imóvel no mercado. Alerta, no entanto, que o inquilino ficará sujeito à maior coercividade da Autoridade Tributária, que tende a abusar da litigância. “Acho irónico que o Governo diga que assegura o pagamento quando sabemos que como cliente paga tarde e a más horas”, comenta Vera Gouveia Barros.

Pedro Braz Teixeira saúda “o facto de ser uma proposta para discussão [estará em consulta pública] , sendo de aguardar se há uma procura genuína de ouvir os intervenientes no mercado”. Lamenta, no entanto, que “como vem sendo hábito, não há um documento de base, onde se deveriam alicerçar as medidas propostas”.

Medidas para o alojamento local “chumbam”

A economista do ISEG e especialista em habitação critica “o facto de se tomarem medidas na falta de um diagnóstico e serem implementadas ao arrepio do que a economia nos ensina sobre o comportamento dos agentes”. Vera Gouveia Barros dá como exemplo o limite de 2% de aumento nos novos contratos face aos anteriores para imóveis no mercado nos últimos 10 anos. “O arrendamento é feito não só em função da casa e do mercado, mas também em função do arrendatário específico que tenho à minha frente. Posso até ter simpatia com o arrendatário e achar que devo cobrar uma renda inferior, mas se eu souber que a simpatia que eu tiver hoje vai ser arrastada para o futuro já não o vou fazer”, diz. Pedro Braz Teixeira também considera negativo limitar a subida das rendas: “E se uma zona passar a ter metro à porta?”.

O diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade discorda da obrigação de arrendar casas “vagas”. “É preciso um estudo aprofundado sobre as verdadeiras razões que estão por trás de tantos fogos ‘vagos'”, defende. “Segundo o INE, dos 723.215 alojamentos vagos, 15,1% registavam necessidades de reparação profundas (108 919)”, aponta.

Vera Gouveia Barros também discorda dos intervalos para a redução de IRS nos arrendamentos de longa duração, que “fazem com que os proprietários façam os contratos sempre no limite mais baixo”. Se entre 5 e 10 anos a taxa de imposto vai baixar de 25% para 15%, os contratos tenderão a ser sempre de cinco anos. “O desconto tem de ser igual à duração”, aponta.

Uma das medidas anunciadas para o alojamento local é a isenção de imposto em sede de IRS para quem passe o imóvel para o arrendamento habitacional. Pedro Brinca acredita que pode ter algum efeito na oferta no prazo de um a dois anos, mas assinala que “ao proibir novas licenças o Governo cria um prémio para as existentes, valorizando o negócio”. O que significa que a mudança pode não compensar.

A especialista em habitação do ISEG também assinala que “não haver mais licença é proteger os que as têm da concorrência”. Critica também a avaliação que será feita em 2030 sobre a revalidação das já existente: “Há pessoas para quem é a atividade económica principal e que agora vêm um prazo” nesse sustento.

O economista da Nova SBE é muito crítico da contribuição extraordinária que passará a ser paga pelo alojamento local. “É o Estado a mudar constantemente as regras do jogo. A instabilidade legislativa constante afasta o investimento, numa altura em que o queremos atrair para a construção”. Para Vera Gouveia de Barros trata-se de “uma perseguição a um bode expiatório” e lembra um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que conclui que “o alojamento local explica alguma variação dos preços, mas está longe de ser o grande fator”.

Duas medidas inócuas

“O fim dos Vistos Gold e a taxa fixa obrigatória são medidas inócuas”, aponta Pedro Brinca. “Embora concorde com o fim dos Vistos Gold por uma questão de moralidade fiscal, o impacto é nulo”, considera, sublinhando o peso muito reduzido do programa nas transações de imóveis. Em dez anos foram investidos cerca de sete mil milhões, dos quais 90% para o imobiliário. Só em 2021 houve 165 milhões em transações. Achar que isto tem impacto é heróico”.

A economista do ISEG também considera inócuo o fim dos Vistos Gold, que representam “uma fatia mínima no mercado em termos de transações“, embora perceba-a enquanto princípio. “Não devemos fazer distinção na concessão de vistos”, afirma Vera Gouveia Barros.

Pedro Brinca avisa que se o Estado não impuser regras “os bancos podem definir uma taxa fixa suficientemente alta para que não seja atrativa para ninguém”, frustrando a intenção da medida.

Riscos de favorecimento

A isenção de IRS sobre mais-valias na venda de imóveis ao Estado e aos municípios encerra riscos de favorecimento. “Há um potencial de abuso grande nessas medidas. Importa perceber de que forma esse abuso pode ser mitigado”, alerta o professor da Nova SBE. Vera Gouveia Barros expressa a mesma preocupação em relação ao subarrendamento de imóveis pelo Estado: “temos de garantir que o Estado não arrenda a uns amigos para depois subarrendar a outros amigos, com a diferença a ser suportada pelos contribuintes. Têm de haver mecanismos de fiscalização”.

“Tenho alguma esperança que sendo este pacote para consulta pública tenha algumas correções”, diz o economista da Nova SBE. Pedro Braz Teixeira lamenta ainda “a falta de metas quantitativas, para avaliar os resultados”. “Era necessário um compromisso quantificado de aumento da oferta, porque na última década, o número de alojamentos subiu apenas 1,7% contra 16,3% na década anterior (Censos 2011 e 2021)”, defende. Considera também que “faltam compromissos do Estado e das câmaras de aumentar a oferta social e intermédia”. Já Vera Gouveia Barros gostava de ter visto um alívio no IMT “para permitir a mudança de casa em função do ciclo de vida”.

“O Governo não parece acreditar que este aumento da oferta se traduza em descida do preço das casas nem das rendas. Das duas uma: ou não acredita na lei da oferta e da procura; ou não acredita que estas medidas produzam resultados significativos na expansão da oferta”, observa Pedro Braz Teixeira.

Pedro Brinca salienta a urgência das medidas face ao rumo da política monetária do BCE: “Em março vamos ter mais um aumento de 50 pontos base e os mercados antecipam que subam até aos 3,5% em junho. Convém que isto venha rápido“.

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