Apoios europeus de mais de 60 milhões ajudaram a construir hotéis em zonas de alta pressão imobiliária

13 mar 2023, 07:00
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Novas unidades hoteleiras nos centros de Lisboa, Porto e Algarve permitiram abrir um total de 1.359 quartos

Mais de 60 milhões de euros vindos de fundos comunitários foram canalizados para abrir novos hotéis no Porto, Lisboa e no Algarve, muitos dos quais em zonas de alta pressão habitacional. Os fundos foram aprovados ao abrigo do programa Portugal 2020, que deu ao País 25 mil milhões de euros em fundos comunitários para investir, e a fatura do cofinanciamento aos grupos hoteleiros e fundos de investimento ascende aos 62.023.550,15 euros. 

Entre a lista de 21 hotéis que abriram portas nos centros do Porto, Lisboa e no Algarve com os fundos vindos da União Europeia, contam-se pelo menos sete unidades de luxo, a sua maioria no Porto e Algarve. É o caso, por exemplo, da “Casa da Companhia”, um hotel de cinco estrelas na Rua das Flores, no Porto, criado pelo grupo Mercan Properties, que recebeu perto de três milhões de euros do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

Outro exemplo é a criação do Hotel de cinco estrelas “Longevity Health and Wellness”, uma parceria entre o Grupo HPA Saúde e a Longevity Wellness Worldwide, que abriu portas em Portimão após receber 3,2 milhões de euros.

Em Lisboa, destaque também para o novo The Editory Riverside Hotel, um hotel de quatro estrelas, localizado na estação de Santa Apolónia, que abriu em fevereiro do ano passado, após receber mais de 196 mil euros financiados com fundos comunitários. 

Ao todo, observando a oferta de cada um destes novos hotéis, é possível verificar que foi possível abrir um total de 1.359 quartos. 904 na área metropolitana do Porto, 126 na área metropolitana de Lisboa e 329 no Algarve. 

Para o economista João Pereira dos Santos, que analisou o impacto da regulamentação do arrendamento a curto prazo para um estudo abrangente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o mercado imobiliário, o aparecimento de novos hotéis, tal como a pressão imposta pelos alojamentos locais, “também tem um papel” na falta de habitação acessível em Portugal. “Um alojamento local dá para duas ou três pessoas e pode perfeitamente estar num prédio habitacional, já um hotel dá para muitas mais pessoas a viver lá”, explica. 

Certo é que alguns destes novos hotéis cofinanciados com fundos da União Europeia são projetos que adaptam edifícios históricos, algo que este investigador diz dificultar o processo de transição para o mercado habitacional. “Não permitem a capacidade para ter um T3 ou T4”, ainda assim, acrescenta, “podiam ser residências de estudantes, especialmente se estiverem perto de polos universitários”.  É o caso de, por exemplo, um novo hotel do grupo PortoBay que nasceu na Rua das Flores, no centro histórico do Porto e que recebeu cerca de 3,8 milhões de fundos comunitários, adaptando o antigo Palácio dos Ferrazes.

João Pereira dos Santos refere o exemplo do antigo Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, para complementar o seu argumento. É que, em 2008, este edifício em pleno Chiado foi convertido para se tornar um hotel de 'charme' e, desde então, continua abandonado. “Será que aquilo só podia ser um hotel de charme? Não podia ser uma residência de estudantes para a Faculdade de Belas-Artes que está ali ao lado? Tenho dúvidas”, questiona o também professor auxiliar no ISEG.

Mas há mais exemplos de como património passou das mãos do Estado para grupos hoteleiros. Em 2019, o grupo Sana ficou com a concessão do Quartel da Graça, no âmbito do programa Revive - está previsto um investimento de 30 milhões de euros para a instalação de um hotel de cinco estrelas com 120 quartos.

Na mesma linha, em 2022, a Estamo, imobiliária do Estado, vendeu o antigo Hospital do Desterro, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa por 10,5 milhões de euros à Mainside Investments com o intuito de criar uma unidade hoteleira. No mesmo ano também ficou prevista a construção de um estabelecimento hoteleiro em Lisboa, onde funcionou o hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, acompanhada da construção de três lotes para habitação acessível no mesmo local.

No entanto, o nexo de causalidade entre os hotéis e a dificuldade no acesso à habitação acessível não é consensual entre os economistas consultados pela CNN Portugal. Ricardo Ferraz, investigador do ISEG e professor na Universidade Lusófona afirma até que, no limite, as unidades hoteleiras “ajudam a retirar alguma da pressão que é criada pelos alojamentos locais”. “Até podemos dizer que a abertura de hotéis retira esta pressão, porque são uma alternativa ao arrendamento de casas para fins turísticos e sabemos que os alojamentos locais criaram de alguma forma pressão no mercado habitacional, tirando casas disponíveis para o arrendamento tradicional e contribuindo assim para um aumento das rendas e dos preços das habitações nas cidades”, argumenta.

Ainda assim, Ricardo Ferraz acrescenta que é também “fundamental” que o Estado, “que tem centenas de imóveis desabitados”, “olhe para o seu património”, e dê o exemplo, “colocando-os no regime de arrendamento acessível e, no limite, colocando-os à venda”.

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