Zelensky demitiu comandante no Donbass e não apontou substituto. O que está por trás da decisão do presidente ucraniano? - e o que isto nos diz sobre Bakhmut

28 fev 2023, 13:58

Eduard Moskaliov estava desde março do ano passado à frente das Forças Conjuntas do Exército ucraniano na região separatista do país. Zelensky demitiu-o mas a decisão do presidente ucraniano não estará relacionada com as dificuldades na zona oriental ou perdas em Bakhmut

O decreto presidencial foi divulgado na segunda-feira pela agência de notícias ucraniana Ukrinform: Volodymyr Zelensky decidiu demitir Eduard Moskaliov, o comandante das Forças Conjuntas do Exército, sem justificar a decisão. 

As Forças Conjuntas de Moskaliov lutavam na região separatista do Donbass, onde tem estado a ser travada a dura batalha pela conquista de Bakhmut, pelo que imediatamente se levantou a questão: estará Kiev a fazer rolar cabeças pelas dificuldades enfrentadas no terreno na cidade da região de Donetsk?

O major-general Isidro de Morais Pereira assume que não. "Esta decisão de Zelensky não estará em nada relacionada com a questão de Bakhmut", garante, ainda que o presidente da Ucrânia tenha referido na noite de segunda-feira que defender a cidade está "cada vez mais desafiante". 

"Este é um comando, o das Forças Conjuntas do Exército, que já vinha de trás, inclusivamente antes da invasão russa", explica Isidro de Morais Pereira. Antes da guerra de Moscovo, Putin já tinha anexado, em 2014, a península da Crimeia, "e aquilo que se estava a passar no Donbass era uma guerra híbrida", explica o major-general. "Mas as condições modificaram-se: já não existe uma guerra híbrida, há uma guerra convencional, uma guerra de frentes ofensivas e defensivas, onde aquele comando deixou de fazer sentido", acrescenta. "Foi criado especificamente para aquela zona da Ucrânia, mas agora a Ucrânia está toda em guerra. Não vai haver um substituto", garante ainda. 

Eduard Moskaliov (Foto: DR)

Para Isidro de Morais Pereira, a demissão não foi motivada, portanto, por insatisfação de Zelensky com a prestação daquele general - que estava no cargo desde março de 2022, logo no início da invasão russa da Ucrânia - mas porque o comando, como um todo, deverá ser desmantelado. 

A Ucrânia, aponta ainda o major-general, tem mantido alguma reserva na forma como organiza as suas Forças Armadas, ainda que se saiba que a organização é próxima da ocidental, em brigadas e batalhões. Ao leme, o "general de ferro" Valery Zaluzhny, um desconhecido para os ucranianos até ser nomeado chefe de Estado-Maior das Forças Armadas - e a quem se atribui o bloqueio ao plano russo de tomar Kiev no início da guerra. 

"Zaluzhny tem o comando completo e o comandante das forças terrestres responde-lhe diretamente", refere Isidro de Morais Pereira. 

Voltando ao comando de Eduard Moskaliov, que foi criado antes da guerra que começou há um ano, existia "fundamentalmente para fazer face à referida guerra híbrida", reitera o major-general. Híbrida porque procurava lidar, lembra Morais Pereira, com "agentes russos infiltrados em Lugansk e Donetsk" que tentavam semear a insurreição armada nas populações de origem russa. Nesta fase, em que o conflito armado já começou, "foi implementada uma outra organização das forças ucranianas para combaterem", pelo que as Forças Conjuntas do Donbass terão sido ultrapassadas pela velocidade dos acontecimentos. "Até acho estranho esta demissão ter demorado tanto tempo", admite Isidro de Morais Pereira. Moskaliov tinha sido nomeado para substituir, por sua vez, Oleksandr Pavliuk, que deixou as Forças Conjuntas do Donbass logo no primeiro mês de guerra para liderar a administração militar regional de Kiev.

Bakhmut e a conquista de Donetsk

Isidro de Morais Pereira recusa, portanto, que a situação tensa na cidade de Bakhmut tenha provocado esta saída por decreto sem substituição. Até porque, refere, "se Bakhmut cair, não quer dizer que caia a região de Donetsk nas mãos dos russos, porque Sloviansk e Kramatorsk têm forças organizadas há muitos anos e as forças ucranianas são capazes de continuar a combater. E essas cidades, sim, são decisivas para a manutenção de Donetsk na Ucrânia", aponta o major-general. 

Em Bakhmut, Kiev tem conseguido, por outro lado, "elevadíssimas taxas de atrição sobre as forças russas", refere Morais Pereira, designadamente sobre os membros do Grupo Wagner. "Há baixas significativas do lado da Ucrânia, cerca de 100 por dia, mas do lado russo isso pode multiplicar-se por cinco ou seis. Bakhmut tem sido mantida porque a Ucrânia necessitou de ganhar tempo para todo o armamento que está a chegar", entre carros de combate, munições de artilharia ou sistemas HIMARS.

Combates em Bakhmut deixam rasto de destruição e fumo (Imagem AP)

Na primeira semana de março, aponta o major-general, prevê-se que cheguem à Ucrânia grande parte das baterias de defesa antiaérea aguardadas por Kiev e que a contraofensiva ucraniana em grande escala possa ser colocada em marcha, apesar de haver zonas do país onde o degelo habitual nesta altura do ano não permita a movimentação de forças mecanizadas e blindadas. "As unidades aproximam-se do inimigo por estrada asfaltada, utilizando itinerários para se deslocarem, mas em determinada altura têm de desenvolver para combate. Se ficarem em fila, basta um avião para destruir uma coluna de blindados", explica Morais Pereira. 

"Não me parece que esteja para hoje ou amanhã a decisão ucraniana de abandonar Bakhmut", reflete ainda o major-general. "Só se a posição se tornar demasiado onerosa em termos de perdas. No momento em que deixe de compensar, e a Ucrânia comece a ter capacidade para levar a cabo ofensivas noutros locais, vai desequilibrar o dispositivo militar russo", explica ainda. "Uma campanha militar é um conjunto de batalhas e tudo tem de ser devidamente pensado, orquestrado e sincronizado", refere o major-general, sem deixar de apontar a importância das campanhas de propaganda e as iniciativas no campo diplomático e das sanções no plano macro de guerra.

Isidro de Morais Pereira lembra ainda que a Rússia, por seu lado, parece não ter capacidade para colocar em marcha a grande ofensiva que se esperava e tem sofrido "revezes sérios" na linha de Svatove-Kreminna, apesar dos progressos "de pouca monta" na região do Donbass. "Não foi capaz de a pôr em prática, porque a resistência das forças ucranianas não permite essa ofensiva e, por outro lado, a Rússia não optou pela modalidade operacional adequada", sugere. 

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