"Vamos entrar na fase determinante do conflito". Entre a contraofensiva "praticamente preparada" e o simbolismo da NATO, o que significa a visita de Stoltenberg a Kiev

20 abr 2023, 16:00

Especialistas militares veem um claro apoio político do Ocidente na visita do secretário-geral da NATO. O que significa isso para a Ucrânia? E como vai reagir a Rússia?

A visita do secretário-geral da NATO a Kiev “mostra empenhamento do Ocidente no apoio à Ucrânia, mas também mostra que estamos muito perto da contraofensiva ucraniana”. Quem o diz é o major-general Agostinho Costa, que destaca que a ida de Jens Stoltenberg à capital ucraniana surge numa altura de várias movimentações.

“A contraofensiva está numa fase preliminar. Esta presença é importante e não podemos desligá-la da ida do ministro britânico da Defesa a Washington. Há um conjunto de movimentos que mostram que vamos entrar na fase determinante do conflito”, afirma o especialista militar à CNN Portugal, falando mesmo numa das “fases mais determinantes da guerra”.

O major-general Isidro de Morais Pereira concorda, lembrando que vem aí uma reunião em Ramstein, a base aérea dos Estados Unidos na Alemanha, onde a NATO vai discutir o conflito. Por isso, entende o militar, esta é uma visita que abrange ambos os pontos de vista: político e militar.

A presença de Jens Stoltenberg não pode, para o especialista, ser dissociada desse encontro: "Vai ser um porta-voz do que ouviu de Oleksii Reznikov [ministro da Defesa da Ucrânia] e de Volodymyr Zelensky [presidente da Ucrânia] relativamente às necessidades mais prementes para que esta ofensiva de grande escala possa ser coroada de êxito."

"É muito importante que esta contraofensiva de verão tenha tudo o que for necessário, que não falte armamento nem munições", aponta, vendo o papel de "influenciador de vontades" de Jens Stoltenberg como crucial para o desfecho do conflito.

Agostinho Costa avisa que, apesar da visita, a Ucrânia não se deve sentir politicamente pressionada a iniciar a contraofensiva, uma decisão que terá de ser sempre militar. “A decisão da melhor altura para avançar deve ser militar. Senão entramos num desastre”, defende.

“Os dados apontam que a contraofensiva está praticamente preparada, caberá ao comando militar decidir o momento mais oportuno”, acrescenta o militar, dizendo que, até agora, as condições do terreno também não têm sido favoráveis.

Se essa contraofensiva tem o apoio da NATO, o combate continua a ser da exclusiva responsabilidade da Ucrânia. Por isso, Agostinho Costa vê a ida de Jens Stoltenberg a Kiev como algo simbólico, não tendo grande significativo a nível militar.

“Há uma importância por ser um momento decisivo para esta guerra. Todos temos noção disso”, reitera, sublinhando que o contingente de representantes ocidentais que se tem deslocado a Kiev é muito grande, com o presidente dos Estados Unidos à cabeça, mas com os chefes de Estado de França ou Alemanha a fazerem visitas semelhantes.

“O apoio da NATO à Ucrânia é mais do que patente e visível. Se fossem forças militares era uma coisa, mas o secretário-geral da NATO é uma visita de caráter político. É mais uma prova de apoio, mas esse apoio não tem faltado”, vinca.

Já Isidro de Morais Pereira vê um sinal importante, de uma organização que continua a dizer estar a apoiar a Ucrânia: "Jens Stoltenberg dá um sinal de que a NATO continua a estar por detrás, continua a ser um apoio imprescindível."

Como pode reagir a Rússia?

Sobre uma eventual reação da Rússia, Agostinho Costa não espera que o cenário mude. O próprio Kremlin já se habituou a este tipo de visitas, reagindo sempre politicamente, através de declarações, mas cada vez menos no terreno.

“Não creio [que a visita] mude a ação russa no campo de batalha”, conclui.

Neste sentido, Isidro de Morais Pereira vê o Kremlin a poder utilizar esta visita de forma política, mas não tanto militar. "A Rússia tem utilizado a NATO como um sofisma", afirma o major-general, acrescentando que Moscovo vê a NATO como o verdadeiro inimigo e maior obstáculo a um objetivo delineado pelo presidente Vladimir Putin: o de reconstruir um grande império russo ao estilo dos czares ou da União Soviética.

"Estamos a assistir a uma guerra expansionista, e o seu principal obstáculo é a NATO, que é apresentada ao mundo e internamente como o inimigo. A NATO não quer atacar a Rússia, mas é o grande inimigo. Enquanto estiver próxima das fronteiras russas, o velho objetivo de tornar a Rússia num império torna-se mais difícil. É um arco narrativo que convém para justificar as atitudes russas", reitera.

E a NATO ficará ainda mais perigosa, no entender da Rússia, se houver um alargamento com a Ucrânia. Um cenário que Isidro de Morais Pereira vê como inevitável, a menos que a guerra acabe por cair para o lado de Moscovo. "A Ucrânia espera firmemente vir a ser membro da NATO. A questão da eventual neutralidade ou da não adesão à NATO, o retirar desse pressuposto da Constituição ucraniana podia ter sido um aspeto no início das hostilidades", aponta o major-general, que vê negociações relativas a esse ponto fora da mesa.

"Neste momento [a adesão da Ucrânia à NATO] deixou de ser negociável. Do ponto de vista da Ucrânia, do seu povo e dos seus líderes, não se vislumbra essa possibilidade", antecipa, dizendo mesmo que, apesar de todo o processo poder ser demorado, a entrada na Aliança Atlântica "é uma questão de tempo".

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