"Vai ser uma batalha de gato e do rato". Podem os F-16 mudar o rumo da guerra na Ucrânia?

6 ago, 07:00
Presidente Volodymyr Zelensky apresenta novos caças da força aérea ucranianos F-16

Aviões chegaram à Ucrânia e as expectativas são altas. Serão eles um "game changer"?

No início da guerra, a possibilidade de ver aviões ocidentais a combater aviões russos era “impossível”. Agora será uma realidade. Os caças norte-americanos F-16 chegaram aos céus ucranianos, um ano depois de ter sido anunciada uma coligação internacional para os doar. Os primeiros dez aviões já sobrevoam o país, mas, os números reduzidos e a forma como vão ser empregues podem limitar o impacto desta “wonder weapon”, tornando-a incapaz de alterar o rumo dos combates no país.

“Estes aviões vão ser utilizados como parte sistema de defesa aéreo ucraniano para destruir mísseis russos disparados pela aviação estratégica russa. Além disso, podem vir a ter a missão de caçar os aviões russos que lançam as bombas planadoras. Vai ser uma batalha de gato e do rato”, afirma o major-general Agostinho Costa.

Durante os últimos meses, a falta de defesa aérea fez-se sentir na Ucrânia, com a Rússia a destruir com mísseis balísticos de forma metódica as principais infraestruturas energéticas do país. Devido ao número ainda reduzido de aeronaves que a Ucrânia tem ao seu dispor, os analistas acreditam que é pouco provável que a força aérea arrisque perder estas aeronaves junto à frente de batalha, preferindo empregar os F-16 para abater os mísseis que atingem alvos no interior do país.

A Rússia sabe que estas aeronaves podem conter esta estratégia e está preparada para começar a “caçar” estes aviões de combate e as infraestruturas que os protegem. Menos de 24 horas depois de a sua chegada à Ucrânia ter sido anunciada, o exército russo atacou o aeródromo de Martinivka, em Mykolaiv, que tinha vindo a ser preparado para receber os F-16. De acordo com fontes russas, este aeródromo, nos arredores de Voznesensk, albergava vários depósitos de munições para os aviões, bem como instalações para os pilotos.

“É compreensível que eles [os russos] os tentem caçar, mas nós vamos escondê-los, equipá-los e usá-los”, afirmou Ihor Romanenko, tenente-general ucraniano, que já ocupou o cargo de vice-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas Ucranianas.

Mas a destruição de uma nova arma ocidental que arrisca desequilibrar o campo de batalha é sempre uma vitória mediática para a Rússia, que procura mostrar-se capaz de fazer frente a todas as ameaças apresentadas pelos países da NATO. Talvez por esse motivo, ainda a aeronave não estava na Ucrânia, já a Rússia tinha colocado um prémio de 170 mil dólares para o primeiro piloto russo que abatesse um F-16.

Para fazer frente aos ataques russos, a Ucrânia criou ao longo do último ano uma rede dispersa de bases subterrâneas, hangares reforçados e a utilização de F-16 falsos. Este sistema pode ser útil para evitar a destruição das aeronaves, mas obriga a força aérea ucraniana a dispersar meios, o que torna a rede logística mais complexa e obriga a Ucrânia a ter mais mecânicos e peças sobressalentes para fazer a manutenção dos aviões.  

E o número de mecânicos necessários para operar estas aeronaves é, muitas vezes, negligenciado. Parte dos atrasos na chegada do F-16 foi creditado à formação dos pilotos. No entanto, a formação de mecânicos e engenheiros é igualmente necessária. Mas também aí a Ucrânia parece ter um plano: utilizar países vizinhos como a Roménia e a Polónia para fazer manutenção dos aviões.

“São aviões que requerem uma manutenção muito cuidada e requerem uma pista preparada. Todos os aviões que chegaram à Ucrânia trazem grandes depósitos de combustível. Isto indica que vão operar longe da frente de combate, possivelmente a partir das bases na Polónia e na Roménia”, sugere o especialista em assuntos militares, Agostinho Costa.  

A principal ameaça enfrentada pelos ucranianos, neste momento, é a utilização das bombas planadoras russas que transportam. Com uma carga explosiva entre mil e três mil quilos, estas bombas são capazes de serem “largadas” a quase 70 quilómetros do alvo e atingi-lo com uma grande precisão. Os seus efeitos têm sido devastadores para as aspirações da Ucrânia no campo de batalha, com várias fontes militares a creditar a utilização desta arma pela conquista de Avdiivka, uma cidade fortificada que fazia parte da linha da frente desde 2014.

Até agora, as FAB (como são conhecidas na Rússia) não encontraram qualquer antídoto por parte da Ucrânia. Os aviões que as disparam, fazem-no a uma distância considerável da linha da frente, e, para os destruir, seria necessário transportar para próximo da linha de combate uma bateria de defesa aérea de longo alcance Patriot. A Ucrânia tentou essa estratégia em março, na região de Kherson, e acabou por perder dois lançadores deste sistema avaliado em mil milhões de euros.

Os analistas acreditam que os F-16 podem ter uma palavra a dizer no combate às bombas planadoras. A simples presença destes aviões de combate junto à frente de batalha podem travar a sensação de impunidade dos Su-34 russos, que lançam mais de uma centena de bombas planadoras por dia, sem nunca sair do espaço aéreo russo. O facto de o F-16 poder ser equipado com mísseis de longo alcance AIM-120D faz com que as aeronaves russas possam ser atingidas até uma distância de 180 quilómetros.

Os F-16 podem também ser equipados com toda uma outra gama de armas, incluindo as suas próprias bombas planadoras, mísseis anti-radar ou até mesmo bombas de framentação. Mas para o fazer, a Ucrânia tem de focar-se na capacidade de destruir as defesas antiaéreas russas junto à linha de combate, que podem impedir os aviões de se aproximarem dos alvos russos.

Mas para os pilotos ucranianos, o F-16 é uma promoção quando comparado aos MiG-29 e ao su-27. Ao contrário das aeronaves soviéticas, que necessitam que o piloto ative e carregue em vários botões e interruptores do painel de controlo para ativar alguns sistemas, os sistemas ocidentais foram criados para eliminar qualquer distração que tirasse o foco do piloto. É o sistema Hands On Throttle And Stick (HOTAS, como lhe chamam os pilotos). Apenas com a mão no side-stick e na manete que permite aumentar a velocidade do avião, o piloto tem quase todas as capacidades do F-16 ao seu dispor.

Este sistema permite aos pilotos alternar entre o combate de alvos ar-ar e ar-terra sem tirar as mãos do sistema de controlo. Esta “simples” tarefa num avião de fabrico soviético, como é o caso do MiG-29 que a Ucrânia opera, pode ser uma grande diferença. São situações que levam os oficiais a perder noção daquilo que se passa em seu redor, ainda que por segundos. Num cenário de guerra, esses segundos podem significar a diferença entre a vida e a morte.

Os especialistas levantam algumas dúvidas quanto ao impacto do número de caças dados a Kiev. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, revelou que a Ucrânia recebeu os primeiros dez aviões de combate e espera receber os próximos dez até ao final do ano. Os restantes 59 só vão chegar ao longo de 2025. Para o think thank de Defesa Center for Strategic and International Studies (CSIS), este número é insuficiente para fazer face às necessidades enfrentadas pelos ucranianos no campo de batalha. Para o CSIS, a Ucrânia precisa de, pelo menos, 12 esquadrões compostos por 18 aeronaves para poder obter superioridade aérea local em vários pontos da frente de forma a apoiar uma ofensiva terrestre, mais 149 aviões do que os prometidos. Ainda assim, a importância e o impacto destes aviões não deve ser subestimada.

“A seguir a isto, não há mais nada. Em termos militares, a Ucrânia esgotou a possibilidade de receber armas decisivas. É a última arma sobre qual a Ucrânia depositou esperanças para mudar a guerra. A partir daqui, só armas nucleares, que estão fora de questão”, defende Agostinho Costa.

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