Um mês de invasão, um mês de negação. Como tem evoluído a posição do PCP, que Marcelo diz que "não faz sentido", em relação à invasão russa?

24 mar 2022, 23:06
Comício do 101.º aniversário do PCP, no Campo Pequeno, em Lisboa (Mário Cruz/ Lusa)

Votou contra a maioria por três vezes, e foram precisas duas semanas para condenar a Rússia, mas sempre sem referir a invasão da Ucrânia

"Não faz sentido". Foi assim que o Presidente da República se referiu à posição do PCP em relação à guerra na Ucrânia. Sem dizer nomes, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se a um "dirigente português de esquerda".

A guerra na Ucrânia surgiu na sequência de “décadas de política de tensão e crescente confrontação dos EUA e da NATO contra a Federação Russa”. Esse foi o entendimento inicial do PCP, único partido português que não condenou de forma clara a invasão russa.

Estávamos no dia 23 de fevereiro, as tropas russas ainda não tinham entrado na Ucrânia mas escalava a tensão com o aumento de tropas russas nas fronteiras do país. A invasão generalizada haveria de iniciar horas mais tarde, na madrugada do dia 24 de fevereiro.

Parlamento condena e dá “13 segundos” ao PCP

Nesse mesmo 24 de fevereiro, e já com a ofensiva russa em território ucraniano, a Assembleia da República reuniu-se num debate da Comissão Permanente, que contou com a participação do ministro dos Negócios Estrangeiros. Augusto Santos Silva chegou mesmo a dizer que os comunistas ainda tinham “13 segundos” para condenar a invasão.

No entanto, o deputado João Oliveira disse que o governante pediu ao PCP para condenar “apenas uma circunstância”. “Condenamos todos o caminho que nos trouxe até aqui e condenamos todas as ações que contribuem para o mesmo objetivo. A escalada de confrontação política, económica e militar não é um ato ou uma circunstância isolada”, completou, alegando que para isso contribuiu a “extensão, durante 30 anos, das fronteiras da NATO” para o leste da Europa.

"Coragem" e "lucidez"

Uma semana depois, o PCP votou contra uma resolução do Parlamento Europeu de condenação da invasão. Os dois eurodeputados comunistas tiveram apenas o apoio de outros 13 parlamentares, sendo que mais de 600 votaram a favor da condenação.

Em comunicado, o partido justificou o voto, afirmando que a resolução aprovada dava "força à escalada", que procurava “impor uma visão unilateral" e dava “cobertura ao colossal processo de aumento de despesas militares, ao reforço e alargamento da NATO e à militarização da UE".

Em declarações à imprensa após a votação, João Pimenta Lopes explicou que “o voto foi contra tendo em conta o enquadramento de uma resolução que, no lugar de procurar abrir caminho ao diálogo, instiga uma escalada de tensões numa situação já ela própria de grande tensão”.

“Entendemos que têm de ser percorridos os caminhos necessários na defesa da paz para criar as condições para uma via negocial, uma solução política deste conflito, um cessar-fogo cuja necessidade o PCP já anteriormente afirmou, e rejeitar o caminho que potencie o continuar de uma escalada de confrontação que nos trouxe a esta situação, e que a própria resolução, tal como está construída, instiga”, argumentou.

Nesse mesmo dia, o antigo candidato presidencial João Ferreira falou em “coragem” e “lucidez” para defender a posição do PCP. Em declarações à CNN Portugal, o comunista dizia que “perante uma situação que é de uma enorme gravidade, foi esta a lucidez e, creio que num certo sentido, a coragem que foram necessárias àqueles deputados que não votaram a favor desta resolução".

A defesa da paz

Se a opinião pública fazia transparecer uma crítica generalizada à posição comunista, o comício comemorativo dos 101 anos do PCP serviu para mostrar que o partido continua unido. Cerca de 10 mil militantes encheram o Campo Pequeno, empunhando bandeiras e cantando a uma só voz: “Guerra não, paz sim”.

No longo discurso de Jerónimo de Sousa destaca-se uma frase: “O PCP não apoia a guerra e isso é uma vergonhosa calúnia”. Um tom mais agregador, mas sem nunca deixar clara a posição perante a NATO e o Ocidente.

“O posicionamento do PCP é ditado pela defesa da paz e pela solidariedade com os povos que sofrem a violência e as consequências da guerra. É por nunca abdicar destes princípios, que o PCP alerta há muito para os perigos que representa a política de contínuo alargamento da NATO para o resto da Europa e provocatórias manobras em instalações e meios militares junto às fronteiras da Rússia e abandono de importantes tratados de desarmamento, visando a paz na Europa e no mundo", continuou, deixando uma questão à qual viria de seguida a responder: "a quem serve a guerra?".

PCP condena "intervenção militar" e "escalada belicista da NATO"

Dois dias depois do comício, o PCP veio condenar a Rússia. Fê-lo juntando novamente a NATO, os Estados Unidos e a União Europeia, e evitou usar a palavra invasão, mas foi a primeira vez que os comunistas condenaram de forma mais veemente aquilo a que chamaram “intervenção militar”. Uma expressão semelhante à utilizada pelas autoridades russas, que classificam a guerra de "operação militar especial".

“O PCP está sem equívocos ao lado dos povos que desejam paz e condena todo um processo de ingerência e confrontação que ali [na Ucrânia] se instalou, o golpe de Estado de 2014, promovido pelos Estados Unidos da América naquele território, a recente intervenção militar da Rússia e a intensificação da escalada belicista dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia”, declarou Jerónimo de Sousa.

Novo voto contra

Tal como aconteceu na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, o PCP voltou a ficar sozinho numa votação ocorrida a 15 de março.

O PSD apresentou uma moção na Assembleia Municipal de Lisboa para pedir a libertação imediata do autarca de Melitopol, raptado pelas forças russas. O executivo camarário votou todo a favor, à exceção do PEV, que se absteve, e do PCP, que votou contra.

Da bancada do PCP, Natacha Amaro assumiu “dificuldade em acompanhar um documento que é feito com base em algumas notícias”, afirmando que as informações sobre o rapto do presidente da Câmara Municipal de Melitopol “não estão confirmadas”.

“Em tempo e espaço de guerra, principalmente, sabemos que é ainda mais difícil ter informação fidedigna e real”, disse a deputada municipal do PCP, sugerindo “cautela e ponderação” quanto à proposta do PSD, para que se evite situações de precipitação.

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